
A riqueza de Aranhaverso
“Homem-Aranha no Aranhaverso” insere o Homem-Aranha em uma novo universo, que toma decisões certeiras para entregar um filme único e visualmente polido.
DDesde que a Marvel iniciou a construção de seu universo compartilhado no cinema, surgiram as dúvidas questionando a possibilidade de a empresa adaptar, para as telonas, os arcos mirabolantes e diversas linhas temporais e universos paralelos existentes nos quadrinhos. Até dado momento, com os 10 anos de MCU, a Casa das Ideias ainda não se aventurou em abrir o leque neste sentido, optando por construir uma malha de filmes que se completam, característica que também é marca de sua linha editoral nas HQs.
Por outro lado, depois de diversas adaptações e reboots do Homem-Aranha no cinema, promovidas pela Sony, estúdio que detêm os direitos autorais do personagem nas telonas, o herói finalmente ganhou uma versão em desenho animado e que, curiosamente, optou por abordar o conceito de realidades paralelas da Marvel.
É dessa premissa que Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) embasa sua narrativa. De cara, o roteiro assinado por Phil Lord (Uma Aventura LEGO) e Rodney Rothman (roteirista de Anjos da Lei 2) nos introduz brevemente ao já conhecido Peter Parker, o que inclusive é motivo de piadas bem humoradas que referenciam cenas marcantes das adaptações prévias do herói, para em seguida passar o bastão para o verdadeiro protagonista da história: Miles Morales (Shameik Moore). Apesar de ter feito sucesso nos anos recentes nos quadrinhos, quando se consagrou no Universo Ultimate e foi incorporado ao selo regular da editora, o longa apresenta Miles para uma audiência maior.
O personagem é um jovem birracial, filho de um pai negro com uma mãe hispânica, morador do bairro nova-iorquino Brooklyn e que se sente deslocado em sua nova escola para jovens prodígios. Após ser picado por uma aranha e a partir de um encontro ao acaso, em que o jovem se depara com o Peter Parker de sua realidade em conflito com Wilson Fisk/Rei do Crime (Liev Schreiber), Miles passa a contar com uma grande responsabilidade: aprender a controlar seus novos poderes como Homem-Aranha para impedir que os múltiplos universos paralelos conectados pelo vilão sejam destruídos. E é ai que residem os dois maiores acertos de Aranhaverso: o esmero com que constroem seu protagonista e com que tratam o conceito de “multiversos“, não só na trama, mas também esteticamente.
No que diz respeito ao texto, Homem-Aranha no Aranhaverso acerta ao renovar as possibilidades que envolvem a figura do herói já tão conhecido. Além de todos os easter eggs, menções e piadas que remetem as produções anteriores, o texto é muito consciente de como trazer um frescor a uma nova história e um novo protagonista, inseridos em um contexto totalmente oposto ao habitual de Parker – e, no caso de Aranhaverso, ainda mais interessante.

Acompanhando os hobbies, gostos, anseios, rotina e relações de Miles, vamos a cada cena conhecendo profundamente o novo responsável por carregar o símbolo do Homem-Aranha – pelo menos no que cabe ao universo das animações – e, consequentemente (ou naturalmente), sendo apresentados aos novos dilemas que vão envolver a jornada de crescimento, amadurecimento e aprendizado de como ser o herói que a sua realidade precisa.
É uma construção de personagem muito bem feita, com Morales trazendo toda a carga de seu contexto e essência, que também é transposta para o visual: vemos um Brooklyn multicultural, multirracial e plural, colorido e estilizado de uma forma única, com um riquíssimo detalhamento técnico de grafites e intervenções artísticas. O texto ainda encontra espaço para fazer uma sútil e engraçada piada – que brinca com uma marca de cafeteria meio hipster – capaz de contextualizar toda a construção de um bairro gentrificado e diverso.
Falando em diversidade, quando o filme coloca Miles de frente para o Peter Parker de outra dimensão (vivido por Jake Johnson), a trama engata em uma aventura crescente que, em momento algum, nos permite tirar os olhos da tela, seja pela jornada tão bem construída e envolvida devida ao personagem ou pelo impressionante trabalho estético e de design.
O que os diretores Bob Persichetti, Peter Rmasey e Rodney Rothman entregam em Homem-Aranha no Aranhaverso é de uma riqueza de detalhes, texturas quase que palpáveis, cores vibrantes, formas e movimentos nunca antes vista em uma animação. Esse trabalho é ainda mais esplendoroso quando somos apresentados as outras versões paralelas de aranhas-poderosos: Gwen-Aranha/Gwen Stacey (Hailee Steinfeld), Homem-Aranha Noir (Nicolas Cage), Porco-Aranha (John Mulaney) e Peni Parker, a versão em anime do herói, transformada em uma garota (vivida por Kimiko Gleen) e um robô.

O que destaca aos olhos é a maneira orgânica com que cada uma das personagens, em seus próprios designs, traços e cores particulares, conversam entre si e tornam toda a experiência de assistir a película ainda mais especial. O Aranha-Noir tem soluções visuais (e também ótimas piadas) que brincam com as convenções do gênero; Peni Parker é uma homenagem digna e bem feita aos animes japoneses, tanto em traço quanto no comportamento; e o Porco-Aranha traz um desenho bidimensional cartunesco que lembra desenhos consagrados, como o próprio Looney Tunes.
Toda essa beleza vale também para as sequências de ação de Homem-Aranha no Aranhaverso, sempre coloridas, envolventes e claras, e para as formas como o filme utiliza de convenções de linguagem dos quadrinhos com naturalidade, explorando de caixas de pensamentos e balões de sons, o que dá ainda mais um gostinho especial ao filme enquanto uma adaptação de uma mídia para outra.
Essas qualidades, juntamente da clareza com que os combates são dirigidos, permitem que o espectador não só compreenda o que acontece, mas aprecie o deleite visual que o filme proporciona. É uma verdadeira obra prima pop e psicodélica, apresentada como uma animação que tem uma narrativa com um ritmo fluido, um humor muito divertido e inserções de drama que equilibram bem toda a obra.

Hailee Steinfeld traz muito carisma, segurança e um senso autoconfiança para a Gwen-Aranha/Gwen Stacey, que encerra sua passagem no filme como uma excelente personagem para uma possível aventura solo. John Mulaney e Nicolas Cage estão ambos impagáveis em seus papéis, com suas vozes combinando perfeitamente com os estilos adotados pela estética dos personagens: o primeiro dá um tom lúdico e sarcástico ao Porco-Aranha, enquanto o segundo traz uma carga satírica para a construção do Aranha-Noir.
Fechando os heróis, Kimiko Gleen assegura uma doçura, sensibilidade e ternura para Peni Parker, passando todo o afeto existente entre a garota e o robô que pilota. Saindo um pouco do espectro dos heróis, Mahershala Ali traz profundidade, imponência e presença de tela para Aron Davis, o tio descolado de Miles, que funciona como um importante personagem para o crescimento pessoal do protagonista, além de contribuir para a conexão do público com o garoto.
O filme ganha ainda mais criatividade quando adicionado os seus inúmeros easter eggs. Estes, por sua vez, vão desde a aparição de Stan Lee e homenagens/piadas autorreferentes com cenas e momentos marcantes do herói nos quadrinhos e nos filmes live action, até a lista telefônica com nomes de diversos artistas envolvidos na criação do Homem-Aranha, de Miles Morales e do conceito do Aranhaverso nos quadrinhos – dentre várias outras brincadeiras colocadas para os fãs perceberam.

Homem-Aranha no Aranhaverso é a incrível refrescante história de um dos mais queridos e famosos heróis de todos. Com um trabalho técnico irrefutável e um protagonista que ganhará um espaço no coração de qualquer fã de super-heróis, somos convidados a presenciar a riqueza de criatividade e sensações que o filme proporciona. E se existem muitos Aranhas pelo universos, que eles continuem ganhando as telonas, sejam eles Peter Parker, Miles Morales, Gwen Stacey, ou qualquer um digno de vestir a roupa do eterno Amigão da Vizinhança.
OSCARs 2019
Indicações: 1.
- Melhor Animação