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Sempre que me deparo com o termo “filme antigo”, inevitavelmente me pego pensando em Acossado, película-fenômeno de Jean-Luc Godard. Apesar do termo se referir a um sentido cronológico, o primeiro longa de Godard é um dos exemplos magnos de obra de arte atemporal e arrebatadora.

Lançado em 1960, Acossado é filme símbolo de Godard, não por ser seu primeiro longa-metragem, mas por já apresentar as características disruptivas e os traços de genialidade que o diretor viria a desenvolver por muitos anos. Ademais, o longa emana a autoralidade e a transgressão formal que o cineasta e seus pares da Cahiers du Cinema propunham para o cinema francês da época, ressignificando a linguagem para transformar o contexto da produção na França e marcar a Sétima Arte para sempre.

É essencial abordar a participação do cineasta na Cahiers. Seu trabalho como crítico de Cinema surge de uma incursão desde a década de 50 na revista. Polo central da Nouvelle Vague, o veículo englobava uma geração de novos autores, teóricos e realizadores do Cinema que se aprofundavam na teoria para, futuramente, colocarem a mão nas câmeras e revolucionar a Sétima Arte.

Em seu filme de estreia, Godard propõe uma nova relação com a imagem ao investir em uma narrativa pautada no trânsito, no movimento incessante e na quebra do que existia para partir para algo inédito e confrontador. A ruptura com a tradição francesa de filmes de estúdio, evocando as influências hollywoodianas que o diretor e seus parceiros de Cahiers enalteciam, passa a ser um viés pelo qual Godard trabalha a linguagem cinematográfica de forma consciente.

A maior virtude e deleite de Acossado é, por mais contraditório que possa ser, a essência anárquica com que ele organiza seu filme. Em uma narrativa fragmentária, que se desenrola em diversos blocos situacionais amarrados por personagens recorrentes, acompanhamos o romance do trambiqueiro Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo) com a jornalista Patricia Franchini (Jean Seberg), em meio ao contexto em que Michel esconde suas peripécias e sua situação de ser procurado pela Justiça após roubar um carro e matar um policial.

Desta proposta de uma linguagem a sua mercê, Godard experimenta com a montagem de forma contra intuitiva e cria efeitos semânticos, narrativos e linguísticos que impactam e revolucionam. Sua proposição de como filmar um diálogo entre o casal, dentro de um carro, é subversiva ao abdicar do esperado e comumente utilizado método do plano/contra-plano (com os pontos de vistas e falas se intercalando entre cada um), para usar de jumpcuts que retornam a mesma ação. Se é convencionado que a montagem determina, por meio do corte, uma mudança de olhar – uma novidade visual ao espectador – Godard reverte essa proposta e ressignifica o corte para seu propósito de experimentação anarquista ao saltar a cena para seu mesmo presente momento.

Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg vivem um interessante e inquieto casal em “Acossado”

Neste sentido, o ponto principal é que Godard nunca experimentou sem propósito. Ao longo de sua carreira ele viria a confrontar o Cinema com sua própria linguagem e alcançar, assim como faz em Acossado, resultados arrebatadores. Suas influências do cinema Hollywoodiano estão presentes também, seja ao pintar Jean-Paul Belmondo como um misterioso anti-heroi típico do filme noir para viver Michel ou na maneira com que transforma a jovem vivida por Jean Seberg em uma femme fatale de sentimentos ambíguos e comportamentos igualmente inesperados.

Sobretudo, Acossado é um filme que rompe com uma tradição e propõe uma impactante nova ordem para o exercício fílmico e a apreciação do Cinema como arte. Um marco histórico e uma obra-fenômeno tão memorável que sempre soará nova, viva e atemporal com o passar dos anos. Por mais contraintuitivo – ou Godardniano – que isso possa soar.

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