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O diferencial em Atypical

[tempo de leitura: 6 minutos]

“Atypical” está de volta na Netflix com uma segunda temporada mais madura, agora retrando a busca de Sam pela independência.


Atypical é uma séria de comédia dramática, original da Netflix, escrita por Robia Rashid. Tendo sua estreia em agosto de 2017, a produção logo ganhou o público do streaming, sendo renovada para uma segunda temporada que estreou na sexta-feira, 7 de setembro.

A narrativa conta a história de Sam (Keir Gilchrist),um adolescente no espectro autista apaixonado pela Antártica e pelos pinguins do ártico (estando sempre os desenhando), anota “regras de convivo social” e briga com sua irmã mais nova, Casey (Brigette Lundy-Paine). A trama se desenrola quando o personagem busca novas experiencias e independência social.

A série ganha um ar informativo tanto para questões que envolvem o autismo quanto a Antártida. O personagem principal é fascinado pelo continente e quando se sente tenso repete nomes de pinguins para se acalmar. Sam também possui um quarto decorado com gelo, orcas e pinguins de pelúcia, além dos tons de azul nos papeis de parede. Durante os episódios, o protagonista narra em off informações interessantes sobre os animais, as explorações, condições e curiosidades do ártico que, ao mesclados com as cenas, podem ser interpretados como metáforas as situações de sua família e relações.

As informações sobre o espectro do autismo chegam para nós através de personagens secundários, como a mãe de Sam, Elsa (Jennifer Jason Leigh) e sua psicóloga Julia (Amy Okuda), que explicam o transtorno. Passamos a entender o autismo como uma condição ou um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida e compromete as habilidades de comunicação e interação social.

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Lançado em maio de 2013, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) define o autismo sob um novo termo médico e global: Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), sendo entendido pela presença de “Déficits persistentes na comunicação social e na interação social”. Logo, os pacientes são diagnosticados em grau de comprometimentos em relação ao transtorno, existindo, assim, tipos e níveis de autismo.

As pessoas sem esse espectro são classificadas como neurotípicas (abreviação de neurologicamente típico): pessoas que realizam ligações neurológicas típicas nas interações sociais e na comunicabilidade. Em contra partida, quem possui o espectro do autismo possuí conexões diferentes para essas circunstancias, gerando reações, diálogos e até expressões atípicas.

Conseguimos conhecer o autismo mais de perto aos termos contato direto com os raciocínios de Sam. Ao longo dos episódios, o personagem narra seus pensamentos e emoções e podemos ouvir Sam conversando conosco como se fossemos seu terapeuta, sobre seus medos, frustrações, relações, objetivos, pensamentos e como tudo isso passa pelo seu espectro. Assim, a história se torna rica ao revelar a perspectiva de Sam em relação a sua família, amigos e situações.

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É interessante como o personagem carrega consigo um pequeno caderno, onde escreve pensamentos, desenha animais e anota regras de convívio social. Sam é metódico e adora regras; quando se sente perdido nas interações ao não entender uma reação ou frase, ele realiza pesquisas na internet ou perguntas para pessoas. Quando chega em uma conclusão, cria e anota regras para lidar melhor com suas interações.

Outro fato decisivo no drama são as relações pessoais de Sam, que ora o confundem e ora o confortam. A mais intensa, conflituosa e resiliente de Sam é com sua irmã Casey, irmãos que brigam, mas sempre são presentes um para o outro. Casey é uma adolescente cheia de objetivos, sonhos e um tanto racional em suas relações, mas quando trata de seu irmão, o protege, o consola e mais do que isso, o entende. Quando Sam começa a ter crises de pânico, é ela quem o abraça pelas costas e o aperta, até ele acalmar, ou lê uma página do Wikipédia sobre um explorador famoso da Antártida. A relação deles se fortifica a cada episódio e é fácil notar o carinho, amor e compreensão que ambos têm, cada um em seu devido espectro.

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Na mesma linha de ajuda, está Zahid (Nik Dodani).O melhor amigo de Sam trabalha com ele em uma loja de informática, é descontraído, engraçado e bastante inconveniente. Embora tenha uma visão não convencional sobre a realidade das coisas, ele é visto como a pessoa mais sábia por Sam ao ensinar-lo como conquistar uma garota ou fazer macarrão. A forma como Zahid enxerga e lida com o protagonista configura em uma empatia na relação. A naturalidade da amizade exalta uma relação entre pessoas, como qualquer outra, e não uma relação entre Sam e um neurotípico.

Com uma narrativa descontraída, reflexiva e bem-humorada, Robia criou uma trama que explica, exalta e humaniza o espectro do autismo, seus desafios, conceitos, preconceitos e impacto, tanto pessoal quanto social. Com a produção, ela consegue provar que as situações atípicas, forma do comum, são as mais humanas, sensíveis e verdadeiras.

 

Segunda Temporada

O gênero comédia dramática está sendo bem explorado pelos produtores de conteúdo por abarcar um roteiro que gira em torno de uma trama na qual é retirada pitadas de comédia, assim como em BoJack Horseman, Please Like Me, Final Space, e principalmente, Atypical. O drama começa quando notamos, na primeira temporada, como a condição de Sam não afeta apenas ele, mas toda sua família e intensamente sua mãe. Elsa desabafa em um grupo de apoio que se sente constantemente tensa ou com medo. Ao ouvir o telefone tocar, imagina que algo aconteceu com Sam, que foi humilhado por alguém, esqueceu de olhar para os dois lados antes de atravessar a rua ou teve uma crise na escola por se incomodar demais com sons e cheiros.

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A dependência social de Sam é reforçada por ela que, por medo, não deixa seu filho ocupar novos espaços, conhecer outras pessoas e viver novas situações. A proteção materna é elevada a décima potência, ao notarmos que ela não protege seu filho do mundo e, sim, seu filho autista do mundo. A personagem deixa sua vida e desejos de lado para cuidar e protege-lo a todo custo. A série se torna conflituosa quando o próprio Sam quer viver coisas novas e diz querer ter uma namorada. A partir disso, podemos enxergar como pequenas coisas como flertar, são tão complexas e cheias de repertório social, que o protagonista busca adquirir.

Depois dessa atitude na primeira temporada, o personagem continua tentando se encaixar na sociedade ao ter novas experiencias, algo que antes o assustava tanto ao ponto de nem tentar. A segunda temporada de Atypical mostra as novas tentativas e experiências de Sam e insinua seus próximos objetivos que, por mais difíceis que aparentam, ele tenta realizar. Além disso, um grande passo no elenco é definido por Robia que insere oito atores autistas para os papeis dos colegas do grupo de apoio de Sam, em uma iniciativa de inclusão social que traz grande peso e diferencial para a nova temporada.

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A série começa a desfocar um pouco de Sam para dar a personagens secundários o desenvolver de suas próprias tramas. Elsa comete erros com Doug (Michael Rapaport), pai do jovem, e enfrenta problemas no casamento. Casey se muda de colégio e se depara com novos desafios, amizades e sentimentos, antes desconhecidos pela personagem. Essa última mescla entre os desafios que adentram a rotina da personagem e de sua família, nos faz pensar como os neuróticos não conseguem lidar de forma genuína e verdadeira com certas circunstancia e preferem se esconder, ou evitar a resolução dos problemas, enquanto Sam, autista, não consegue mentir e muito menos sossegar até entender e solucionar um problema pessoal.

A série prova que “ser normal” é uma definição pouco clara, objetiva e lógica quando se trata de seres humanos. Em muitas falas os personagens são confusos, perdidos e assustados com os conflitos que aparecem, assim como Sam, Casey, Doug e Elsa se sentem deslocados, sozinhos e diferentes. Essa comparação entre as reações de Sam e de sua família, em conjunto a compaixão e amor que eles compartilham entre si mesmo com tantos conflitos, frustrações e problemas, revela o ponto chave que Robia tentou mostrar com a série: a diferença não nos separa e, sim, nos une.

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Identificar, entender e compreender as pessoas portadoras do transtorno é algo que nossa sociedade pouco gerencia, articula e promove. Uma série sobre o espectro dentro de uma das plataformas de streaming mais consumida mundialmente é uma maneira de aproximar nossa sociedade neurotípica e confusa dessa perspectiva tão única e humana que é o autismo.


tem 18 anos. escorpiana viciada café e amante de gatos. estuda jornalismo na Unesp e escreve muito desde que se entende por gente. tem um jeito doce mas gosta de boteco e de cerveja de garrafa. escuta mais MPB e pagode do que a voz da razão.

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