
“Enterrado no Quintal” (2021) / 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Enterrado no Quintal tem, em certo sentido, muito do cinema de Michael Mann em seu retrato violento e soturno de uma história de vingança pela periferia. A direção de Diego Bauer até emula o trabalho de Mann, mas o brasileiro tem a destreza de articular uma personalidade própria ao trabalhar a imagem digital se apropriando da textura chapada e dos ruídos na imagem para criar uma força dramática forte.
Essa característica é o que torna o ótimo jogo de construção de espera, antecipação e entrega que Bauer faz nos 15 minutos muito intensos de filme. Acompanhamos Isabela, uma mulher que desenterra um revólver de seu quintal e inicia a busca por vingança de seu padrasto agressor do passado.
O ritmo intenso e dinâmico se faz presente pelo deslocamento da câmera na garupa da moto de Isabela, em um movimento que situa o espaço urbano de um bairro periférico como um ambiente hostil tal qual o deserto dos westerns.
Se há uma proximidade com o trabalho de Michael Mann, não poderia ser diferente na relação com os espaços. Bauer usa de uma câmera na mão agitada e trêmula que capta com perfeição a atmosfera de palpitação que Isabela se encontra, no turbilhão de emoções que a personagem passa e, sobretudo, na criação de um espaço efetivamente violento e perigoso.
Nestes movimentos disruptivos da câmera, Enterrado no Quintal assimila em sua encenação a força dramática da jornada de vingança, tanto por esse experimento imagético das possibilidades do digital, quanto pela potência da trajetória da narrativa.

Em dado momento, a protagonista confronta um homem que a ameaça com um estilete enquanto ela lhe mostra sua arma. Mesmo de rosto coberto por seu capacete é possível sentir o clima de tensão e a centelha de uma erupção.
Por isso, quando temos a sequência do encontro fatídico, a câmera alterna sua dinâmica para mostrar duas pessoas que se enxergam em vias invertidas depois de tantos anos de sofrimento: se Isabela sofreu no passado em sua condição de impotência, agora ela empunha a arma que lhe dá a possibilidade posição de poder pelo uso da violência.
E assim, Enterrado no Quintal nos entrega a curta e catártica experiência de expurgo dos males de uma vida por meio da vingança, da brutalidade e, sobretudo, da força do drama presente na imagem digital.