
Sejamos todos peripatéticos!
“Merlí”, série catalã da Netflix, se inspira em “Sociedade dos Poetas Mortos” para mostrar a relação de um professor de filosofia com os seus alunos.
Nota da Colab: o texto a seguir contém spoilers.
Aprender filosofia enquanto assiste uma série divertida parecia um sonho distante até que a Netflix lançou, em 2015, a produção original catalã Merlí. A trama gira em torno do professor de filosofia que dá nome ao seriado e sua relação diferenciada com seus alunos e com a instituição educacional.
Merlí Bergeron (Francesc Orella) é um educador que foge da curva da conformidade, desafiando a pedagogia tradicional e, acima de tudo, preza para que seus alunos tenham tesão pela filosofia. Garanto que é esse sentimento que fica ao final de cada episódio, o tesão pelo pelo pensar.
Tudo começa quando seu filho, Bruno Bergeron (David Solans), tem que morar com ele após a mãe se mudar para Roma. O problema é que Merlí está desempregado e acaba de ser despejado de seu apartamento, o que o leva a morar com sua própria mãe, a famosa atriz Carmina Calduch (Ana María Barbany). Contrariado e sem opção, Bruno vai morar com o pai e a avó, mal sabendo que no mesmo dia o pai conseguiria um emprego para ser professor em sua escola.
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Logo no primeiro dia, Merlí descobre que será o tutor da turma de seu filho que, de início, prefere não revelar o parentesco. Ele também causa desconforto entre os professores, ao mesmo tempo em que fascina seus novos alunos, por propor uma aula diferente, fora da classe. Ele leva a classe à cozinha do Insituto Angel Guimera para explicar sobre os peripatéticos: filósofos que caminhavam para refletir – acabando por se tornar o apelido “carinhoso” de Merlí com a turma.
Por conta da sua forma nada ortodoxa de ensinar, o protagonista cativa cada mais os alunos, incluindo Pol Rubio (Carlos Cuevas). O garoto, mesmo tendo repetido de ano duas vezes e sendo um dos piores alunos da sala, é o que mais se interessa pela filosofia e mais indaga o professor, logo se tornando seu preferido. Futuramente na trama, quando Pol larga os estudos para trabalhar por conta das dificuldades financeiras da família, Merlí é o único que o convence de que ele deve sim voltar ao Instituto e se formar.

Outra relação incrível e profunda que Merlí desenvolve é com Ivan Blasco (Pau Poch), que já não ia às aulas a meses por ter desenvolvido síndrome do pânico devido ao bullying que sofria na sala. A escola determina, então, que um professor deve ir até a casa do garoto para lhe passar o conteúdo enquanto ele não melhora.
Quem se responsabiliza pela tarefa é Eugeni Bosc (Pere Ponce), professor de literatura e “arqui-inimigo” de Merlí. Por ser totalmente o oposto do nosso protagonista, Eugeni não aceita as atitudes liberais do colega e desaprova o fato do Instituto não tomar uma ação. Merlí considera que designar uma pessoa extremamente ortodoxa para lidar com um aluno na situação de Ivan não seria correto, indo até a casa dele sem conhecimento do corpo docente.
Ao longo dos primeiros episódios, Merlí se esforça para interagir com Ivan, já que o jovem não consegue se expressar e passa o dia todo em seu quarto no computador jogando ou lendo notícias. Pouco a pouco, o sábio professor vai conseguindo que o menino supere seus traumas: ele volta a falar, começa a arrumar a casa e tomar banho e, por fim, consegue criar coragem para sair de casa. Mas voltar ao Instituto ainda é um grande desafio, afinal seus colegas o chamavam de esquisito, riam na cara dele e o isolavam. Com paciência e um bom jogo de cintura, Merlí conversa com a sala, dizendo que todos somos diferentes e devem recebê-lo bem – seu retorno é marcado por uma festa, em uma das cenas mais tocantes de toda a série.

Bruno também não fica de fora dos ensinamentos do pai. Ele acaba aceitando contar aos colegas que é filho de Merlí, mas por muito tempo mantém outro segredo: ele é homossexual e apaixonado por Pol. A única pessoa que sabe disso é sua melhor amiga Tània Illa (Elisabet Casanovas), com quem ele acaba brigando por ela alertar o amigo de que seria impossível que ele e seu amor platônico tivessem um romance, visto que ele não corresponde com sua orientação sexual. Na segunda temporada, com a chegada de Oliver Grau (Iñaki Mur), gay assumido, Bruno se sente mais à vontade para assumir sua sexualidade perante aos colegas.
Você deve estar estar se perguntando: tá, mas onde entra a filosofia nisso? Bem, o que deixa a série interessante é que os personagens começam a se questionar e a crescer como pessoa justamente pelas discussões que Merlí traz durante as aulas de filosofia. Pelo fato de ele ser um professor mais aberto e acessível do que os outros, ele acaba se tornando um espécie de confidente e conselheiro dos jovens quando eles enfrentam algum problema pessoal. Mesmo que eles não queiram, o protagonista acaba intervindo de alguma forma que resulta em algo positivo. Isso mostra o papel fundamental que professores têm na vida dos indivíduos, eles são responsáveis pela nossa formação como cidadão.

De forma leve e descontraída, a série, influenciada por Sociedade dos Poetas Mortos (1989), aborda ao longo de suas três temporadas temas complexos e presentes na vida de todo indivíduo: a descoberta da sexualidade, problemas financeiros e familiares, bullying e amizades problemáticas. Inicialmente, Merlí pode parecer ser alguém manipulador e conquistador, mas no desenrolar da trama vemos que a maioria de suas atitudes têm uma boa intenção. Duvido que no final você não deseje ser um de seus peripatéticos!