
A despedida de Logan
“Logan” é uma interessante tomada no personagem do Wolverine, em um filme de atuações fortes e um roteiro sólido.
EExtremamente importante para o sucesso obtido nos filmes de super-heróis, a 20th Century Fox foi uma das pioneiras ao trazer os X-Men para as telas, iniciando o movimento de adaptações dos quadrinhos que domina o mercado hollywoodiano atual. Com uma alternância visível entre filmes bons e ruins, longas mais leves e sombrios, a jornada da equipe da Marvel nos cinemas já rendeu alguns personagens marcantes, dentre eles o Wolverine. Agora, 17 anos depois de sua primeira aparição, Hugh Jackman volta a interpretar o personagem em um filme que, finalmente, entende a essência de seu personagem.
É a partir dessa essência de Logan (2017), um homem que tem sua humanidade destruída pela violência e pelas marcas do passado, que o filme nos apresenta a última história de Jackman no papel. Em um futuro na bagunçada cronologia da franquia os mutantes estão quase extintos, assim como a esperança na situação melancólica de vida do protagonista. Wolverine passa seu tempo trabalhando como motorista de limousines, enquanto nas folgas protege e cuida de Charles Xavier (Patrick Stewart), que vive de problemas mentais devido a idade. Toda essa rotina amargurada é ameaçada quando Laura (Dafne Keen), uma jovem garota misteriosa, cruza o caminho do herói precisando de ajuda para ser levada em segurança até um refugio que a protegera dos mercenários que a perseguem.
Em conformidade com o entendimento de qual o cerne das temáticas que envolvem Logan, o filme segue os passos de Deadpool (2016) ao optar por produzir um longa com classificação para maiores de 18 anos. Essa restrição de público abre uma licença narrativa e visual que transforma o filme e o tratamento do personagem. Nas mãos de Michael Green e Scott Frank, roteiristas da produção, vemos o herói em seu pior momento: seu fator de cura já não é tão forte, a maneira com que anda cambaleando, seus olhos avermelhados de cansaço e as marcas das dores do seu passado (tanto as cicatrizes que marcam o corpo, quanto os traumas das memórias que viveu) constroem toda a dureza vivida até ali. É uma maneira inteligente de abordar a violência tematicamente, uma vez que a produção não economiza nas sequências de ação, tratando de como as marcas de Logan são, também, um efeito da própria agressividade do personagem.

A direção de Mangold é impecável nas cenas de ação, mostrando que o herói não é mais o incansável lutador de outrora e que o uso de suas garras também o machucam. As sequências de ação exploram perfeitamente as semelhanças na ferocidade e as diferenças na vitalidade, entre Laura e Logan, com ele mais lento e incapacitado, procurando confrontos mais corpo a corpo, e ela plenamente ágil e sagaz, utilizando de seu tamanho a seu favor, escalando inimigos enquanto os esfaqueia com suas garras duplas. Mangold não economiza no sangue e abusa dos quadros ostensivamente violentos, mas não de forma gratuita. Ela é importante para a construção daquele ambiente visceral e selvagem. Ainda, o diretor enche a tela ao capturar os cenários áridos daquele futuro melancólico, usando de planos abertos extremamente plásticos, que são contrapostos a modernidade colorida do cassino que abriga os viajantes em sua trajetória.
A entrega de um filme verdadeiramente violento que trata de um personagem igualmente bruto, não é a maior virtude de Logan. A relação que se cria entre Wolverine, Professor Xavier e X-23 é incrível, muito por parte de um roteiro equilibrado entre ação violenta e diálogos que demonstram a relação paternal de Logan e Charles, também sustentadas pela química que os atores construíram ao longo dos 17 anos juntos na franquia. As atuações, inclusive, são impecáveis. Jackman é intenso e carismático, como de costume, mas trazendo um peso e uma melancolia maiores ao personagem. Ele continua entregando as explosões raivosas comuns do mutante, mas quando é exigido em duas cenas profundamente dramáticas, o australiano trás a tona de maneira tocante os resquícios de sentimentos humanos de Logan. Patrick Stewart domina as cenas em que aparece ao interpretar o mentor dos mutantes em sua decadência. Stewart é perfeito na postura corporal e na balbucia da fala, terminando por construir a caracterização de um Professor X nunca antes visto: sem controle dos seus poderes, de seu corpo e de sua presença serena e sensata. Mas quem rouba a cena é a estreante Dafne Keen. A atriz mirim personifica X-23 com olhares amedrontadores de curiosidade, gritos violentos de raiva e alguns relances de uma doçura infantil.
Boyd Holdbrook também se destaca como Donald Pierce, o andróide líder do grupo de mercenários, chamado de Os Carniceiros, que persegue o trio na tentativa de capturar Laura. Holdbrook sustenta o personagem, agregando uma personalidade asquerosa a um antagonista que é diminuído por uma infeliz escolha dos roteiristas, tornando-o um capanga de um outro vilão. Esse pequeno deslize narrativo não compromete a ótima construção de personagens feita no primeiro ato e que é melhorada no segundo, ao acompanharmos Logan, Laura e Charles interagindo em seu caminho de fuga pelos EUA.

Nessa jornada que emula características de road movie e alguns elementos estéticos de western, Logan se confirma como a melhor representação do Wolverine no cinema. Um filme que ao entender a essência de seu personagem, consegue dar vida a uma digna última aventura de Jackman no papel, encerrando uma jornada de 17 anos que assim como as memórias de seu protagonistas, ficaram marcadas na história das adaptações de quadrinhos.