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Viagens no tempo são fantasias que revelam o quão frágeis nós somos. No bom sentido. Apegar-se aos recortes cronológicos ou situar-se numa determinada marcação do calendário é uma manifestação de consentimento com a efemeridade. É de onde derivam-se traduções intensas de angústias perenes, como a saudade e a nostalgia, fazendo da relação com o mundo material um fim em si mesmo. Nossos corpos seguem como veículos nessa estrada pavimentada por horas, minutos e segundos.

Muitos autores, cansados de trabalhar numa mesma linha temporal, resolvem extrapolar suas narrativas para vasculhar possibilidades largadas na lixeira. É como pegar aquele velho rascunho amassado e rabiscado e dar a ele um novo lar. Revela-se aí uma ideia de apego às tentativas e um desapego ao produto final. Uma fuga da realidade temperada por noções combinadas de esperança, curiosidade e escapismo.

Quando passado, presente e futuro deixam de impor regras e se transformam em possibilidades, as histórias se revelam menos como fruto de abstrações e mais como um ninho de efervescências. Daí temos uma mistura do que era com o que deveria ter sido; com o que não foi, mas pode ser. Os medos se atenuam enquanto as frustrações se convalescem; as previsões certeiras de tragédias evitáveis dão um propósito aos personagens que habitam o multiverso das mentes coletivas.

Histórias assim podem assumir várias funções. Ao mesmo tempo que soam saudosistas, podem também reafirmar culturas e valores de uma geração vigente. Quando Marty McFly coloca sua existência em cheque ao interferir no primeiro encontro de seus pais, seu propósito passa a ser o de remendar os furos feitos no passado para garantir um futuro que lhe pertence (ou melhor: ao qual pertença). Não é a toa que De Volta Para o Futuro é um dos grandes marcos culturais dos anos 80. É uma carta de acolhimento a uma faixa etária que vive não por conta dos erros do passado, mas apesar destes, e que teria nas mãos a responsabilidade de um algo promissor.

A medida que o tempo passa e nosso apego pelos personagens cresce, esperamos uma resolução para seus conflitos. Uma resposta que não precisa ser definitiva, mas que ajude a fechar um capítulo sem nos enforcar na beira do precipício (sim, alguns autores são covardes!).

Um dos ingredientes para o sucesso do universo cinematográfico da Marvel é esse “amor de mãe” com seus protagonistas. Todos recebem um espaço para se desenvolver de forma que o vínculo entre eles e o espectador seja estabelecido gradativamente. Por isso não queremos simplesmente entregar nossos amigos ao final de Vingadores: Guerra Infinita. Quando Vingadores: Ultimato restabelece uma nova chance no tempo, percebemos a força dos reencontros.

O que me faz pensar como viajamos no tempo por conta própria em tantos momentos da vida. Cada vez que ligamos pra alguém distante ou mandamos aquela mensagem: “ce sumiu, heim?”, abrimos um portal para reviver emoções latentes, algumas até duvidosas, e destrancar o mistério das caixas de conflitos. Na ampla necessidade da troca de interações e da satisfação com a consciência, reside um pequeno abrigo para se apegar às oportunidades perdidas.

cena de “Vingadores: Ultimato”, em que o Capitão América retorna de uma viagem no tempo sentindo os efeitos do envelhecimento

Um singelo filme sul-coreano, dirigido por Hong Sang Soo, me fez refletir bastante sobre esse tema. Certo Agora, Errado Antes tá a quilômetros de distância de ser uma ficção científica. Entretanto, um martelinho cerebral me fez pensar: isso pode ser uma viagem no tempo! Não explicitamente (ou mesmo intencionalmente), mas a narrativa sobre duas versões de um mesmo acontecimento concentra um dos pilares desse tipo de história. E essa leitura particular me fez amar mais o filme, os personagens e suas respectivas situações. Especialmente quando vemos a garota escolhendo cores diferentes para pintar a mesma tela, ou quando uma confissão feita logo de cara ajuda a estreitar os laços recém estabelecidos com alguém.

Uma das minhas experiências mais marcantes com essa coisa de querer voltar ao passado para calar os traumas do presente foi assistindo a um curta brasileiro. Barbosa, de Jorge Furtado, conta a história de um homem amargurado com o resultado da copa de 1950, cuja final envolveu a derrota do Brasil para o Uruguai em uma virada por 2 a 1. O protagonista, vivido por Antônio Fagundes, consegue voltar aquele dia e se posiciona bem pertinho do goleiro da seleção, que se chamava Barbosa. Quando chega o momento esperado para o gol da vitória deles, o homem, bem intencionado, chama atenção do goleiro. A distração repentina vira o motivo do segundo gol. E agora a culpa não é mais só do Barbosa. Sem querer, o viajante mantém as coisas como são; menos pra ele.

Queremos a todo instante entender melhor esse negócio de ficar velho e saber para onde vamos. Somos mais curiosos quando a pergunta é: como chegamos? Como grandeza física, o tempo não é lá muito bom em nos dar respostas. Partindo de uma espiral iniciada por uma grande explosão, seus ciclos exponenciais aumentam a desordem dessa casa maluca que misteriosamente habitamos. A derrota é certa quando ousamos enfrentá-lo a qualquer custo. Em meio a equações e ficções, poderíamos ao menos nos entender.

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