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"The Post: A Guerra Secreta" se edifica como uma importante ode ao jornalismo de qualidade e um lembrete para a importância da mídia na sociedade.

“The Post: A Guerra Secreta” se edifica como uma importante ode ao jornalismo de qualidade e um lembrete para a importância da mídia na sociedade.


ÉÉ inegável a importância que Steven Spielberg tem na história do cinema. Considerado um dos responsáveis pela criação dos filmes blockbusters com o lançamento de Tubarão (1975), o cineasta também tem seu nome ligado a produções consagradas em diversas formas e gêneros dentro do cinema.

Sua identidade autoral, sempre presente e manifestante em seus longas-metragens, varia de acordo com essa diversidade de filmes que o diretor se propõe a realizar, como o clima de aventura presente em franquias como Indiana Jones e Jurassic Park (1993), as abordagens singelas e intimistas com que trata da família em filmes como E.T. – O Extraterrestre (1982), As Aventuras de Tintim (2011) e O Bom Gigante Amigo (2016), ou nas tensões que cria em seus dramas mais sérios e soturnos como A Lista de Schindler (1993), Munique (2005), Lincoln (2012) e Ponte dos Espiões (2015).

Com seu novo filme, Spielberg combina esses seus traços para fazer uma ode ao bom jornalismo e a liberdade de expressão. Se recentemente Spotlight: Segredos Revelados (2015) também flertou com o debate a respeito do papel do jornalismo e da mídia em momentos e casos importantes da história, The Post – A Guerra Secreta não cai nas escolhas genéricas e engessadas que dramas históricos se permitem a cair, entregando um filme que, graças a maestria de seu diretor e ao ótimo trabalho do elenco, tem muito a dizer sobre o mundo contemporâneo.

Na trama, acompanhamos um dos momentos mais críticos e importantes para a imprensa estadunidense quando, após o vazamento de um importante relatório confidencial sobre as ações do exercito americano no Vietnã, o então presidente Nixon proibiu o New York Times de publicar quaisquer informações a respeito do assunto.

Desta forma, vemos a publisher do The Washington Post, Katherine Graham (Meryl Streep), na difícil posição de permitir ou não que o seu redator-chefe Ben Bradlee (Tom Hanks) produza matérias a respeito do tão falado dossiê e que podem influenciar no momento crucial de abertura de capital que o jornal se encontra. Desta forma, o roteiro de Liz Hannah e Josh Singer cria um jogo de tensões em conflitos morais e políticos, uma vez que Graham precisa defender os interesses econômicos de sua empresa, que também acabam por se cruzar com os interesses políticos dos aristocratas de Washington, enquanto Bradlee se torna a personificação da liberdade de expressão e da mídia como força vigilante das instituições.

Dentro destas tensões criadas pelo roteiro, Spielberg utiliza de sua identidade como cineasta para dar mais nuances aos personagens e transformar o filme em um thriller jornalístico cheio de dualidades. Estas, vistas nos questionamentos que rondam o longa a todo momento, transformam a narrativa em uma crescente tensão graças as escolhas do diretor, que adiciona um caráter familiar e intimista à trama ao trabalhar a personagem de Streep e sua relação com o jornal e com figuras importantes da cúpula política, mas também transforma o exercício jornalístico em uma aventura diária (sempre visto com movimentos de câmera interessantes que circulam a redação do The Post e seus profissionais).

Se a estrutura narrativa trafega entre duas principais linhas personificadas em dois personagens, ora as dificuldades de Kay e outrora os desafios da redação do jornal, sempre ligados a Bradlee, nada mais comum do que o filme depender das atuações de seu elenco, principalmente daqueles que encabeçam os debates. Assim, Spilberg enquadra seus atores com uma câmera móvel que se aproxima e se distancia de cada um de acordo com as necessidades de cada cena, transformando o longa em uma sucessão de momentos que poderiam soar cafonas e clichês com os tradicionais discursos impactantes em que o interprete conquista seu momento para ganhar indicações ao Oscar, mas que nas atuações de Streep e Hanks são entregues com o tom correto.

Meryl Streep e Tom Hanks são responsáveis por darem vida à Kat Graham e Ben Bradlee, respectivamente

O segundo, dá vida não só a um jornalista fervoroso e dedicado a produzir matérias impactantes, mas a um personagem que não soa datado por se relacionar a toda a mídia de qualidade que tem sido transformada em tempos de Fake News e mudanças das instituições como conhecemos nos dias de hoje. Meryl Streep entrega mais uma excelente atuação, permitindo que a personagem revele suas nuances a medida que os acontecimentos da trama vão exigindo suas mudanças e amadurecimento emocional em um meio dominado por homens, transformando Kay em uma mulher cada vez mais forte e pronta para o jogo político e de pressões que a presidência do jornal se mostra ser.

Inteligentemente, Spielberg foge de didatismos temáticos e morais para que o público seja convidado não só a embarcar na narrativa mas também à problematizar o que está acontecendo. A própria escolha de filmar Nixon sempre de longe e com as costas para a câmera evidencia a vontade de resgatar na mente de cada um o personagem cartunesco e já consagrado na história norte-americana e nas várias outras representações de Hollywood. Com o desfecho do longa deixando claro que tudo o que foi presenciado naquela projeção foi imprescindível para que o escândalo de Watergate viesse a tona, o longa se encerra deixando claro que as decisões tomadas por Kay Graham e pela equipe do The Washington Post deixaram um importante legado para a liberdade de expressão e para o jornalismo nos Estados Unidos.

Steven Spielberg (ao centro) com Meryl Streep e Tom Hanks durante as gravações do filme

Se a atmosfera sessentista do longa é impecável na reconstituição dos ambientes, com um design de produção e uma direção de arte afiadas, sustentadas ainda pela fotografia acinzentada e sombria de Janusz Kaminskio longa se edifica como uma importante ode ao jornalismo de qualidade, a liberdade de expressão e um lembrete para a responsabilidade que a mídia possui no seu papel de vigilante social. Um discurso que, levantado e sustentado por Spielberg, transformam The Post – A Guerra Secreta em um retrato jornalístico e político importante para o mundo contemporâneo.


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