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Em seu terceiro ano, "Westworld" se perde dentro do Novo Mundo, mas ainda entrega uma produção elevada com atuações fortes e direção afiada.

Em seu terceiro ano, “Westworld” se perde ao desbravar o Novo Mundo, mas ainda sim entrega uma produção de conceito expansivo marcado por atuações fortes.


Nota do Colab: este texto contém leves spoilers gerais.

 

EUm conglomerado de parques temáticos para adultos é o centro da trama de Westworld, série cujo nome vem da principal atração da Delos Incorporated. Na produção da HBO, a ficção-científica encontrou o thriller de mistério e o velho-oeste em uma trama criada e roteirizada pelo casal Lisa Joy e Jonathan Nolan, trazendo no elenco nomes como Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, Anthony HopkinsEd Harris, Tessa Thompson e James Marsden.

Em um futuro próximo, até então desconhecido, a tecnologia no mundo evoluiu a ponto de ser capaz de criar Inteligências Artificiais super desenvolvidas, incorporadas em corpos humanoides e realistas que imitam não só a aparência humana, mas também se relacionam com os mesmos de forma imperceptível. Tal tecnologia é o principal produto da Delos, que construiu gigantes parques temáticos inspirados por épocas e culturas e os populou com os chamados Anfitriões, que seguem Narrativas bases pré-estabelecidas em prol de entreter os visitantes e fomentar esses mini-mundos.

 

O Labirinto

Na primeira temporada de Westworld, que por sua vez é uma adaptação reboot de um filme de mesmo nome (1973) e recebe o subtítulo de O Labirinto, acompanhamos principalmente a saga de Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood), a Anfitriã mais antiga da Delos. Através de quebra-cabeças, charadas e enigmas, o telespectador se vê no meio de um labirinto, buscando a saída e respostas para o quê a trama significa e para onde ela irá. Mas não só o espectador se encontra nessa investigação, mas também o misterioso e perigoso Homem de Preto (Ed Harris), um homem determinado a adentrar nos níveis mais obscuros do parque em busca não só de respostas, mas para todo o sentido do “jogo” criado pelo ambicioso e enigmático Robert Ford (Anthony Hopkins), diretor dos parques e arquiteto de Westworld.

No meio desta narrativa, as histórias se desenrolam e conhecemos outros personagens-chave para esta trama, como Maeve Millay (Thandie Newton), uma Anfitriã dona de um bordel, Bernard Lowe (Jeffrey Wright), chefe do departamento de Comportamento, e Teddy Flood (James Marsden), um Anfitrião cuja Narrativa estabelece uma trágica história de amor com Dolores. Todos eles estão conectados de alguma forma, sendo fundamentais não só para a história de Dolores, como a arquitetura de Robert Ford e a resposta do Labirinto.

Os personagens de Westworld, da esquerda pra direita: Teddy, Bernard, Dolores, Maeve e Home de Preto

Dez episódios são suficientes para Lisa Joy e Jonathan Nolan não só apresentarem o conceito de sua série, mas reintroduzirem um mundo fascinante e cheio de personalidade, repleto de peculiaridades e, de muitas formas, muito similar ao nosso. Westworld, como demonstrados diversas vezes ao longo da produção, é apenas um mundo de escape, onde as pessoas (mais ricas, é claro, afinal fica logo evidente que tais parques são de alto custo) podem extravasar o estresse causado pelo mundo real e “deixar” seus verdadeiros “Eus” fluírem soltos, sem repercussões. Assim, vemos um mundo onde os Visitantes podem matar os Anfitriões a vontade, fazer sexo com eles, estupra-los, tortura-los, ou até mesmo apaixonar-se. Tudo é permitido. O limite é a imaginação.

ORIGEM
Westworld (1973) é dirigido pelo famoso autor norte-americano Michael Crichton, baseado em um roteiro original escrito por ele. Crichton é o responsável por expandir o seu conceito de “parques temáticos” de Westworld com os livros Jurassic Park (1990) e O Mundo Perdido (1995), uma série literária que deu origem à famosa franquia blockbuster O Mundo dos Dinossauros (1993–).

 

A Porta

Com o mistério do Labirinto desvendado, uma Porta se abre e a segunda temporada de Westworld expande o seu próprio mundo ao adentrar em outros Parques e mostrar a repercussão dos atos da primeira temporada. Vemos, basicamente, uma crise interna nas atrações e um poderoso jogo de poder, em busca de decidir que manda mais e quem está no controle – em diferentes formas da palavra.

Novamente, vemos nossos personagens em novos dez episódios, ganharem novas camadas e serem ainda mais construídos (como o que os movem, seus objetivos, sua humanidade, seus pontos fracos), enquanto personagens secundários ganham espaços nessa teia de aranha de conspirações e teorias. Pessoas como Charlotte Hale (Tessa Thompson), diretora-executiva da Delos, e Ashley Stubbs (Luke Hemsworth), chefe de Segurança dos parques, ganham mais protagonismo e se encontram à Dolores, Maeve e Bernard no centro de toda a trama.

Joy e Nolan não perdem a oportunidade de tratar de outras mazelas da nossa sociedade, sem perder a identidade da série mesmo ao sair um pouco do gênero de velho-oeste e adentrar, por exemplo, ao gênero de samurai. Arquétipos continuam sendo a principal força motora da produção, que brinca e desconstrói com a ideia do herói e de sua jornada, da donzela em perigo, do vilão, ou do velho sábio. Novamente, há muito mais do que o olho pode ver e ninguém é quem parece ser.

 

O Novo Mundo

Em um final de temporada explosivo e chocante, Westworld sai da sua área de conforto e adentra O Novo Mundo. Partindo de uma ideia de “descobrindo novas terras”, como Pedro Álvares Cabral e as Américas, a série deixa o território dos parques para se infiltrar no mundo real. Aqui, estamos no ano de 2058, em uma trama que determina a localização dos parques e tem Los Angeles como o principal pano de fundo. É assim que a série perde sua identidade visual “faroéstica” e passa a ter o estilo da ficção-científica pura e simples como principal gênero de uso.

 

Bem-vindos a 2058

Estamos 38 anos no futuro. Mas fica nitidamente claro que o mundo de Westworld não é o nosso mundo. Na realidade da Delos Incorporated, o globo passou pelo que parece ser uma Terceira Guerra Mundial, determinou leis internacionais e super restritas de controle de informação e privacidade, está ultra-integrada com a tecnologia e parece ser semi-sustentável com sua arquitetura simbiótica que trás belíssimas panorâmicas de um urbano incorporando o verde – resultado principalmente das belíssimas skylines de Singapura, local que serve de fotografia principal da terceira temporada.

A skyline do mundo de Westworld

É através deste mundo que damos continuidade à jornada de Dolores. Após sua emancipação própria na primeira temporada (uma ficção-científica de Inteligência Artificial sempre acaba nos robôs tomando consciência, não é mesmo?) e sua jornada de vingança e de sair do controle da Delos na segunda temporada, vemos a inteligente e estrategista AI se camuflar no mundo real em busca da emancipação de sua espécie, em um plano que promete incendiar aquele mundo.

Em oito episódios, Lisa JoyJonathan Nolan e seu grupo de roteiristas apresentam esse novo mundo na medida em que Dolores avança dentro dele, mostrando ao telespectador, assim como fez nas temporadas anteriores, como estas respectivas realidades funcionam e como a nossa protagonista é capaz de navegar neles. É importante frisar o talento de Evan Rachel Wood, que interpreta a personagem principal de forma exemplar e dá à donzela-que-vira-femmefatale não só uma identidade mas uma profundidade digna de um ser-humano, mostrando que uma AI é capaz de extrapolar a sua frieza habitual e demonstrar aspectos de humanidade, como a esperança.

Paralela a Evan, Thandie Newton sai de um papel que parece secundário para protagonizar muitas das cenas explosivas de Westworld, dando à sua personagem, Maeve, igual profundidade e personalidade, e um certo “Q” de anti-heroísmo, contrapondo-a à Dolores. Mas enquanto a adoração do telespectador por Dolores se mantém relativamente estável ao longo dos episódios, Maeve vai ganhando mais adoração no curso do seriado, mostrando que, eventualmente, o protagonismo pertencerá a ela.

 

Falta Rumo?

Diferente de suas duas primeiras temporadas, Westworld mostra uma perda de fôlego com o seu terceiro ano. Com dois episódios a menos que o habitual, o programa não se encontra muito bem neste novo mundo, demonstrando certo desconforto em tramas que dão voltas e tentam personificar em seus personagens, sem grande êxito, a ideia do perigo de ninguém saber qual o plano de Dolores – que irá recrutar Caleb Nichols (Aaron Paul), um ex-soldado e atual criminoso, cheio de problemas pessoais psicológicos, visto socialmente como um “ninguém”.

PARQUES TEMÁTICOS
Há um total de seis parques (conhecidos) no mundo de Westworld: Westworld (velho-oeste; Parque 1), Shōgunworld (Japão feudal; Parque 2), Warworld (Segunda Guerra Mundial; Parque 3), Medieval World (mundo medieval; Parque 4), um não identificado do subúrbio norte-americano (por encomenda; Parque 5) e The Raj (Índia colonial; Parque 6). Com excessão do Parque 5, todos os outros são vistos (em grande ou pequena escala) na série.

O problema é que essa busca por respostas, personificada pelos personagens, apenas deixa o telespectador ainda mais confuso da reta final (não “confuso” de um jeito inteligente, de que há algo incrível a ser revelado na frente, como em O Labirinto e A Porta). Somos então forçados a assistir um cenário que muito lembra alguém tentando enxergar e bater no vento. Na busca pelas soluções deste enigma, por exemplo, nem mesmo Bernard sabe o que está procurando (e ele deixa isso claro em diálogos), seguindo um rastro que o leva a diferentes lugares e no fim não serve para absolutamente nada.

O ponto mais interessante deste novo ano é ver, em alto e bom som, a ideia de “além do que o olho pode ver”, somado ao “você não sabe de tudo”. Ainda que nem mesmo o telespectador saiba qual é o plano completo de Dolores (e, sinceramente, até mesmo no final da temporada não fica 100% claro qual o objetivo final da personagem), tendo pequenos vislumbres na medida que eles vão acontecendo, todos os outros personagens chegam a uma conclusão comum: Dolores quer destruir a humanidade – literalmente – e libertar sua espécie. A parte interessante vem a partir do momento em que o espectador percebe que, bem, não é exatamente isso e está todo mundo tendo uma ideia equivocada do endgame da protagonista – que se mostra exímia na estratégia e está sempre a frente de tudo e com soluções para diferentes cenários.

 

Crítica Social

E na atual jornada de Dolores que Westworld encontra sua principal crítica para o mundo real. Ficções-científicas são, nada mais nada menos, do que ideias e ideais exagerados do nosso presente, apresentado no corpo de um mundo futurístico e revolucionário, onde determinados problemas são amplificados. E em Westworld, esse problema é a questão do rastreamento de informação e da personificação qualitativa dos nossos famosos algoritmos, que são usados para determinar não só a personalidade de uma pessoa, mas também prever suas ações e tomar controle sobre as decisões do rumo de sua vida.

Mesmo sem estragar a grande surpresa revelada pela solução do O Labirinto ou A Porta, a terceira temporada incorpora esse problema através de uma AI chamada Rehoboam, capaz de transformar todos esses dados geridos sobre uma pessoa em predições certeiras do futuro da humanidade. Isso torna possível para a Incite, uma empresa concorrente da Delos, tomar controle secreto sobre a História futura do mundo, traçando, moldando e manipulando todo seu percurso. A trama de O Novo Mundo acontece a partir do momento em que Engerraund Serac (Vincent Cassel), dono da Incite, precisa desse algo específico da Delos, revelado pelo O Labirinto/A Porta, para concretizar a supremacia de sua criação.

Ainda que Westworld traga uma temporada inferior as anteriores, a série não perde tanto de seu poder de criar algo único e trazer um programa bem produzido, com um roteiro afiado, repleto de análises profundas sobre a humanidade, desconstrução de arquétipos e um mundo repleto de camadas. Talvez, o maior problema seja que ainda não podermos ver o quadro completo, tornando a temporada uma espécie de “temporada de transição” para algo grandioso que ainda está por vir, resultando em uma história cambaleante, personagens um pouco sem rumo e arcos de “linguiça enchida”. E, é claro, há a problemática gerada pelo costume de assistir duas temporadas confinadas dentro de um parque, por mais fisicamente grande que ele seja, para então sermos imediatamente catapultados para o mundo real, onde não há Anfitriões andando livremente ou não há pessoas por trás das Narrativas – bem, não visivelmente.

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