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"We're Here" leva para a HBO três drag queens de renome, em uma série documental carismática que garante divertimento e visibilidade.

“We’re Here” leva para a HBO três drag queens de renome, em uma série documental carismática que garante divertimento e visibilidade.


EO conteúdo queer nunca esteve tão em alta. A última década tem sido crucial para perceber uma crescente quantidade de produções inclusivas, que não só abrem espaços para discussões, como também as normalizam. Uma década em que, por exemplo, RuPaul’s Drag Race se tornou mundialmente relevante, ganhando prêmios e catapultando drag queens para inúmeros projetos. E é graças a esta abertura que certas produções ganham vida, como é o caso de We’re Here.

Produzido pela HBO, We’re Here é uma série documental liderada por três ex-Drag Racers. No curso de seis episódios de quase uma hora cada, Bob the Drag Queen, Eureka O’Hara e Shangela Laquifa Wadley viajam os Estados Unidos em busca de conhecer pessoas em dificuldade. A ideia é transformá-las em drag queens por uma noite, preparando-as para um show de uma só noite em suas respectivas cidades.

Diferente de outros programas de transformação, como a prima não-tão-distante Queer Eye, é que o seriado limitado da HBO coloca como frente e centro a arte drag. As três especialistas em questão são três personalidades famosas em suas respectivas temporadas de Drag Race, sendo amadas pelo público pelo seu talento e carisma. Experts em áreas diferentes, elas se unem para ajudar pessoas a dar vida aos seus próprios manifestos pessoais através de uma arte secular.

 

O resto é drag

We’re Here é sobre o poder da arte drag. Se vestir de forma exagerada e performática abre espaço para as pessoas poderem encontrar a própria personalidade e a própria voz. Ouvir que “drag salva vidas” pode parecer um pouco irrealístico para o ignorante, mas se abrir para esta experiência e ouvir as histórias por trás dessa afirmativa é transformador. E o espectador não precisa acreditar apenas pela audição, uma vez que ele pode ver isso acontecendo diante de seus olhos.

Com a garantia do cômico devido as Queens, a série surpreende ao ir além e trazer um lado emocional e até mesmo difícil de digerir. Com o selo de qualidade HBO, a produção encontra personagens fidedignos às suas respectivas realidades, saindo da zona de conforto e levando o drag para locais nunca antes visto. Assim, vemos histórias reais e cruas. Uma mãe arrependida por conta de seu passado religioso fervoroso, que a fez condenar a própria filha quando ela assumiu sua sexualidade. Um casal formado por um homem trans e mulher cis, renegados pela família. Um homem hétero que sofreu depressão por conta da masculinidade tóxica. A existência de pessoas gays e não-binárias em reservas indígenas.

Bob, Eureka e Shangela fazem um trabalho excelente em fazer a ponte entre o telespectador e os personagens, estabelecendo vínculos com estas pessoas e agindo como Mãe-Drag para cada uma delas. Assim, conhecemos suas histórias, suas lutas e suas buscas não só por uma realidade mais inclusiva, mas uma comunidade de suporte mais presente. E assistir tudo isso é uma montanha-russa de emoções. Uma hora estamos debulhando em lágrimas de emoção, em outra nosso coração aperta e a garganta fecha, noutra estamos gritando ao som da música e sentindo a maior felicidade do mundo. É o preço que se paga por um programa de qualidade.

 

Lutando supremacistas

We’re Here faz uma inteligente escolha de viajar pelo interior dos Estados Unidos, estabelecendo acampamento (literalmente) em pequenas cidades que, em grande parte das vezes, hasteiam bandeiras da Confederação. Assim, vemos lugares majoritariamente brancos e conservadores recebendo três carros alegóricos em forma de uma bolsa (Bob), um elefante (Eureka) e um laço (Shangela), que por sua vez representam a marca registrada de suas respectivas Queens.

Visitar lugares tão polêmicos tem uma finalidade muito heróica. O mundo já sabe que cidades como Nova Iorque, Los Angeles ou outros grandes epicentros sociais tem uma comunidade LGBTQIAP+ latente. Mas encontrar esses espaços em lugares tão pequenos e que, muitas vezes, trazem consigo uma sociedade orgulhosamente supremacista, é um desafio interessante.

Mas estas comunidades estão lá. E esta é parte da proposta de We’re Here.

We’re Here” é parte do lema da comunidade queer mundial, que grita “Nós Estamos Aqui. Nós Existimos“. Mostrar que pessoas LGBTQIAP+ existem nestas pequenas cidades é bater de frente com a ideia de ser queer é coisa de cidade grande. E mostrar que não só eles estão lá como estes lugares também contam com a presença de aliados é uma poderosa ferramenta. Ao unir estes dois mundos tão interligados, o programa da HBO normaliza a existência das minorias e a de pessoas que lutam ao nosso lado por pura decência humana e cristã.

 

Moral da história

Usar a arte drag para contar essas histórias é uma tomada genial no gênero de programas de transformação, no qual a HBO imprime sua própria personalidade. E o polimento desse formato dá espaço para que Bob, Eureka e Shangela se tornem ainda mais humanas e tridimensionais. Acompanhar a evolução deste trio desde RuPaul’s Drag Race e vê-las construindo algo tão único é acalentador. E utilizar esse segmento para entrar em uma realidade tão pouco explorada como essas pequenas cidades norte-americanas é revolucionário.

É claro que nada é uma fantasia e ainda há muito preconceito. Em diferentes momentos do programa, habitantes dessas cidades avisam às Queens que eles chamaram a polícia para escoltar elas para longe de seus respectivos estabelecimento. Em outro momento, após o trio sair de uma loja de conveniência, um homem entra no local e avisa que nunca mais irá fazer compras ali em vista das “aberrações”.

We’re Here parte de um pressuposto verídico de que a comunidade LGBTQIAP+ está em todos os lugares e não há porque esconder. O programa mostra que você não precisa se desprover de religião ou de sua própria herança cultural para ser queer ou se aliar ao movimento. E também mostra que não importa o tamanho do local, nós sempre iremos precisar de um senso de comunidade. Duas pessoas desconhecidas, que compartilham de um mesmo ideal, fazem uma nova família. E o mundo queer é formado por famílias escolhidas.

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