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"Patrulha do Destino" é uma surpresa bastante positiva, em uma série que mistura o sobrenatural, o imprevisíveis e o drama cômico.

“Patrulha do Destino” é uma surpresa bastante positiva, em uma série que mistura o sobrenatural, o imprevisíveis e o drama cômico.


PPoucas são as vezes em que a gente se depara com uma produção que, por lógica, não deveria funcionar e que de alguma forma funciona. Mais do que isso, não só funciona, como ainda consegue construir e entregar um universo coeso e real. Patrulha do Destino é uma dessas situações, em uma série arrojada marcada pela qualidade de desenvolvimento de seus complexos personagens e pelas atuações fortes – mas que, paralelamente, desconhece completamente o conceito de limites.

A série, originalmente do serviço de streaming DC Universe e agora parte do catálogo HBO Max, acompanha um grupo peculiar de pessoas com potencial para serem heróis. Isolados em uma mansão em uma pequena cidade dos Estados Unidos, essas pessoas são unidas pelo sentimento de auto-depreciação e autopiedade, decorrentes de acidentes que transformaram seus corpos e suas vidas. Auto-exilados, o destino acaba girando contra (ou a favor?) eles, colocando-os em constantes situações de apocalipse e forçando-os a lutar a favor da humanidade.

 

Os heróis

Patrulha do Destino, que no Brasil é exibida pela HBO, nos apresenta um grupo de seis pessoas. Conhecemos então Rita Farr (April Bowlby), uma ex-atriz da Era de Ouro de Hollywood, que após ser exposta a uma gás tóxico, tem suas moléculas alteradas para um estado de elasticidade na qual ela não consegue controlar. Cliff Steele (dublado por Brendan Fraser, com atuação corporal de Riley Shanahan), por sua vez, é um famoso ex-piloto da NASCAR, cujo cérebro é implantado em um corpo robótico de quinta categoria após ele sofrer um acidente de carro que destrói seu corpo.

Larry Trainor (dublado por Matt Bomer, com Matthew Zuk atuando corporalmente) é o terceiro membro, tendo sido um piloto da Força Aérea estadunidense. Após ter um encontro físico com uma força cósmica em um de seus vôos de teste, Larry sofre um acidente que queima todo o seu corpo, levando-o ainda a se tornar mortalmente radioativo ao se tornar o receptáculo da tal força.

Da esquerda para a direita: Rita, Larry, Cliff, Niles, Jane e Victor

Diane Guerrero integra a Patrulha do Destino como Jane, a personalidade-dominante de uma jovem garota chamada Kay (Skye Roberts). Após sofrer traumas durante a infância, a jovem garota passa a desenvolver múltiplas personalidades com o propósito de se defender. Assim, 64 personalidades distintas habitam Kay, sendo que cada uma é munida de super-poderes diferentes.

O time é completado com Victor Stone (Joivan Wade), o Ciborgue, um jovem meio-humano e meio-robô que, em busca de unir-se à Liga da Justiça, decide buscar respostas existenciais ao lado da Patrulha, devido sua amizade com Niles Caulder (Timothy Dalton), o Chefe. Este último é um médico que dedicou sua vida em busca do sobrenatural, doando sua mansão como asilo e possuindo algum tipo de ligação com a vida de cada um dos seus residentes.

 

A série

Patrulha do Destino faz um exímio trabalho em conectar o completo absurdo e insano a um time de super heróis nada (NADA) convencionais. É até mesmo irônico pensar que são estas são pessoas que tem em suas mãos o destino do mundo, ao mesmo tempo em que se torna completamente crível que, bem, não poderia sem ninguém além deles.

Acontece que, talvez, este seja o mais realístico que super-heróis podem ser. Um grupo de pessoas completamente desgraçadas pela vida, lidando com seus próprios demônios pessoais enquanto tentam garantir que a continuidade da vida não seja interrompida. E é preciso frisar que estamos falando de pessoas que realmente foram destruídas pelas eventualidades da vida. Pessoas estas que estão em um processo de cura que os roteiristas não tem nenhuma pressa em acelerar, uma vez que na vida real as coisas realmente levam tempo. O que torna tudo ainda mais interessante, já que Patrulha do Destino começa com nossos heróis ainda no estágio de completa negação e isolamento – vale frisar que “começa” não é necessariamente no sentido de “o episódio piloto”. E alguns deles estão nessa fase por, literalmente, quase um século.

Aqui não há uma pessoa vestida de colant vermelho e azul para representar a justiça. Ou uma em botas de ouro segurando um laço representando a verdade. Há, no entanto, um grupo de personagens que em situação nenhuma deveria dar certo em circunstância alguma, em uma série que não deveria fazer nenhum sentido e muito menos ser sustentável. Mas que, de alguma forma, funciona perfeitamente bem, entregando alguns dos melhores enredos já vistos em uma série de super-heróis, com atuações tão tridimensionais e complexas que poderiam muito bem render alguns Emmys se a Academia considerasse produções de super-heróis mais dignas de indicações.

 

As atuações

Diane Guerrero, que em Orange Is The New Black pôde brincar um pouco com uma personagem meio “no limite” do drama e da comédia, entra de cabeça em uma personagem que redesenha completamente a linha da sanidade. Crazy Jane é, por si só, um emaranhado de personagens. São diferentes personalidades, com diferentes nuances, que quando chegam à superfície (literalmente e figurativamente) são facilmente diferenciadas não só pelo departamento de maquiagem, mas também pela artista que a interpreta.

Jane é, para todos os efeitos, a protagonista desta história. Seu fio condutor é interessante e misterioso, em camadas que vão sendo lentamente descascadas para mostrar, ao fim, como uma inocente garotinha teve sua infância destruída por um pai abusivo e o que ela “criou” para poder se defender. Suas personalidades não são exatamente o produto de uma pessoa com problema mentais (embora, claro, seja isso também), mas sim um mecanismo de sobrevivência de uma inocente que também não conhece a extensão de seus super-poderes.

Niles e Dorothy

Na segunda temporada de Patrulha do Destino, Jane, assim como as outras personagens femininas, adentram uma simbologia que é apresentada através da personagem de Dorothy (Abigail Shapiro). E sim, seu nome é uma referência direta à Dorothy de O Mágico de Oz, assim como toda a sua caracterização e o enredo que ela carrega.

Dorothy cai em cima de uma situação que foge completamente do seu controle, sendo amparada pela Patrulha, que lida com seus próprios problemas. Porém, ela é uma garota inocente que desconhece a sua própria força e seu próprio limite, entrando em uma jornada que também simboliza o crescimento e amadurecimento de perder a sua inocência como uma garotinha, e dar início a uma vida como uma mulher e as consequências que isso traz. Em Patrulha do Destino, essa transição é desenhada pela sua primeira menstruação, colocando-a em perigo uma vez que sua cabeça é domada por esses amigos imaginários que não são tão imaginários assim – e um, em particular, não vê a hora de sair e ser o catalizador, nesta temporada, do fim do universo.

April Bowlby continua sua jornada em dar vida a uma personagem que ainda é assombrada pelo seu passado, causando constante dúvidas de potencial no seu presente. Mas ao lado de Matt Bomer, a dupla Rita e Larry encontram familiaridade em suas histórias, levando-o a construir essa sub-narrativa de amizade que só beneficia ambos e que, por sua vez, conseguem criar familiaridade com o público.

Rita e Larry

Rita, assim como Jane, representa esse grupo de mulheres que são constantemente maltratadas pelos membros de suas famílias e pela sociedade que as rodeiam, sendo obrigadas a encontrarem apenas em si mesmo a própria força para se retirar do fundo do poço (também de forma figurativa e literal). Já Larry é parte de um grupo de homens (e pessoas) que ainda sofrem pelo medo de assumir sua própria identidade, tendo que duelar contra a própria LGBTQIAP+fobia internalizada que o impede de viver um grande amor – e que eles se martirizam por um longo pedaço de suas vidas.

 

A jornada e o insano

Patrulha do Destino não tem medo de contar essa histórias com calma e zelo, tendo cuidado para não idealizar ou não estereotipar essas lutas. É tudo parte de uma jornada. E uma jornada que podemos ver, pouco a pouco, estes personagens se permitindo sair desse primeiro estágio de negação. E para você tem uma noção do quão longo é este processo, é apenas na segunda temporada da produção que podemos ver resultados tangíveis disso.

Mas não se engane. Só porque este é um momento premeditadamente arrastado, não quer dizer que a série seja arrastada e ruim. Muito pelo contrário. É uma montanha-russa de emoções que são impossíveis nomear sem comprar o bilhete e se aventurar por si mesmo. É uma mistura do drama, do absurdo e da comédia, que constrói uma unidade bastante singular para a produção e dá a ela algo que, talvez, nunca tenha sido mostrado anteriormente no gênero.

Ao longo dos 24 episódios que compõe as duas temporadas de Patrulha do Destino, você verá coisas nunca imagináveis se você não tivesse misturados todos os tipos de drogas e entorpecentes, tomado absolutamente todo o álcool disponível no mundo e ainda sido girado sem parar por uma hora.

Bundas canibais assassinas? Temos. Uma rua capaz de se comunicar e que se teletransporta? Temos. Extremo orgasmos coletivos causados por um homem cujo poder vem de flexionar seus músculos? Sim. Jesus faixa preta em luta livre que xinga pelos cotovelos? Tá na conta. Uma sociedade de feiticeiros liderados por um pouquinho da índia? Presente. Um mundo que existe dentro do peido de um burro? Claro. Uma barata gigante e um rato gigante se beijando e fazendo sexo no meio de uma cidade? Mas é óbvio!

Mas, acredite se quiser, não há uma única situação em Patrulha do Destino que não faça sentido ou não esteja lá por algum motivo. A única pergunta que realmente importa é: você vai se permitir?

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