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“Grace and Frankie” alerta para os perigos da discriminação etária, em uma quinta temporada divertida que foca em encontrar independência na terceira idade.


Lançada em maio de 2015 pela Netflix e estrelando as veteranas da sétima arte Jane Fonda e Lily Tomlin, Grace and Frankie é uma série cômica-dramática que estreou sua 5ª temporada no dia 18 de janeiro deste ano. Desde seu primeiro ano, a obra consegue equilibrar drama e risadas para apresentar, de uma forma inovadora, reflexões e críticas que quebram padrões e estereótipos sobre a terceira idade.

A história acompanha a jornada de superação e o processo de amizade das duas mulheres, após a chocante revelação de que seus respectivos maridos são gays e mantém um relacionamento há 20 anos. Com a eventual separação, as duas decidem buscar refúgio no mesmo local, mas uma delas não quer a presença da outra durante o processo. Simples, essa é premissa que rege as cinco temporadas da obra criada por Marta Kauffman (criadora da famosa série dos anos noventa Friends) e Howard J. Morris (roteirista da série de comédia Eu, a Patroa e as Crianças).

 

Casa na Praia

O elenco de peso de Grace and Frankie vai além das duas estrelas, com personagens e atores de mais de setenta anos. Embora seja facilmente mirada para um público mais velhos, devido ao assuntos que abordam, a série conseguiu alcançar o público mais jovem sem muito esforço. A produção da Netflix é um produto de muito humor, crítica social e maturidade, em um ambiente de pura descontração graças aos talentosos atores que exploram das mais diversas situações do cotidiano para dar vida às histórias de seus respectivos personagens.

Frankie e Grace, respectivamente, em seus “habitats” naturais

Jane Fonda interpreta Grace Hanson, uma mulher vaidosa, preocupada com sua aparência e idade. Independente, ela criou do zero (como vive relembrando) uma empresa de cosméticos chamada Say Grace (que, em português, é um jogo com o seu nome e a palavra “Graça”, traduzindo-se para “Dê Graças”). Mãe de duas filhas, a matriarca da família Hanson é considera por muitos insensível, egocêntrica e até antipática.

Sempre usando maquiagem, apliques no cabelo, roupas de grife e com um copo de martini na mão, a personagem se sente desolada com a traição de Robert (Martin Sheen), seu marido. Para tentar seguir com a sua vida, ela decide ir morar na sua casa de praia, mas esquece que o refúgio foi uma compra em conjunto com os Bergstein.

Sol e Robert, respectivamente

Lily Tomlin interpreta Frankie Bergstein, uma hipponga, ativista ambiental, artista e professora. Sempre fazendo uso de roupas largas e praticante de meditação, não é difícil vê-la fumando maconha ou tomando chás alucinógenos. Casada com Sol (Sam Waterston), que a traiu com Robert, ela constantemente faz discursos pacifistas e revolucionários, entrando em conflito direto com Grace, que preza o consumismo, a postura e se preocupa com a opinião dos outros.

Por mais que ambas estejam passando pela mesma situação, a reação e comportamento delas são completamente opostos, facilmente explicáveis pelo tipo de relacionamento marital que possuiam. Enquanto Frankie rejeita a raiva pelo ex-marido por considera-lo seu melhor amigo, Grace se enraivece com a traição de Robert e o evita ou o trata mal. A primeira tinha uma casamento saudável e um companheiro durante uma vida cheia de retiros espirituais, maratonas de séries e ativismo. A segunda vivia num casamento sem comunicação, proximidade ou relações sexuais e afetivas.

Mesmo com a diferença entre elas criando conflitos e a forma de lidar como evento seja diferente, o fato de estarem passando pela mesma situação as une, acabando por aceitar e tolerar a companhia uma da outra. Mas não demora muito para o óbvio: Frankie e Grace acabam se tornando grandes amigas.

 

A Força da Família

A trama de Grace and Frankie ganha ainda mais vida e consistência quando personagens secundários começam a aparecer e ganhar protagonismo. Embora a história carregue um enredo autêntico que cria humor em cima de situações enfrentadas por idosos e promover uma crítica social acerca disso, os episódios vão além e mostram os filhos Hanson eBergstein em suas narrativas problemáticas e subenredos que dinamizam a série.

Brianna (June Diane Raphael) e Mallory (Brooklyn Decker) são as filhas de Grace e Robert. Um pouco distantes, as irmãs seguem chocadas com a decisão do pai e, ao longo da série, desenvolvem seus próprios clímax, que conversam com os das protagonistas. Brianna herdou a empresa de Grace e é muito parecida com a sua mãe, com uma personalidade frígida, antipática e autoritária, enquanto Mallory é mais sensível, simpática e carinhosa, tendo sua própria familha formado pelo marido e quatro filhos.

Da esquerda pra direita: Brianna, Sol, Mallory, Bud e Coyote.

Nwabudike (Baron Vaughn), ou só Bud, e Coyote (Ethan Embry) são filhos adotivos de Sol e Frankie. Criados por uma família judaica com pais alternativos, foram ensinados desde pequenos a se abrirem sobre sentimentos e inseguranças. Bud é advogado, como seu pai, e negro. Coyote é professor de música, mas foi afastado após entrar em uma clínica de reabilitação e tenta manter sua sobriedade.

 

Além do Número

Ao mesmo tempo em que diverte com seus personagens e premissas, Grace and Frankie nos alertar sobre as limitações e mudanças físicas que a velhice traz, além de nos aproximar de um novo contexto: a discriminação etária. A produção aborda, de uma forma certeira e interessante, a mudança na forma que somos vistos e tratados após certa idade, seja por parentes, amigos e a sociedade como um todo.

No decorrer das temporadas percebemos constantemente como a idade interfere na visão de mundo, não apenas das protagonistas, como de qualquer um que gire em torno delas. Todos criam limitações para Grace e Frankie, acarretando a problemática que elas mesmo acabam criando essas situações, como ao optar por não entrar em um site de relacionamento, não ir à baladas ou não usar determinadas roupas.

A amizade de Frankie e Grace acaba levando-as a empreender juntar, tornando-as donas de um império de vibradores para a terceira idade

Contudo, juntas, elas percebem como essas limitações apenas as privam de viver como querem. As perspectivas da dupla mudam quando elas percebem que, já que a sociedade vive relembrando-as de como as resta “pouco tempo de vida”, elas deveriam viver da forma que mais desejam. Com isso, Hanson e Bergstein enxergam inúmeras problemáticas que envolvem a terceira idade, por fim decidindo focar em desmitificar a crença que a idade limita as vontades, desejos e objetivos.

Além das questões de saúde, Grace and Frankie nos faz lembrar que a velhice traz algo mais doloroso do que a dor física: a emocional. No começo, a série foca bastante na prerrogativa do “falta pouco tempo”, colocando Grace e Frankie na constante situação de ir a enterros. Em um episódio, Grace comenta que na Terceira Idade isso acaba se tornando algo rotineiro, “um por semana”, levando as duas a revezarem diariamente para atender o telefone fixo – elas só recebem ligações lá se for sobre os funerais.

A saúde mental é um outro fator. Muitas situações acabam frustrando e magoando as personagens, ao ponto de sentirem que a sociedade tem razão: elas estão velhas. Esquecer algo muito importante, o caminho de casa, um almoço no restaurante, onde colocou os remédios, os óculos, etc. Qualquer uma dessas coisas é motivo para causar esse sentimento de invalidez, agravado pelas dores físicas, a incapacidade de conseguir andar, agachar ou correr e, as vezes, a necessidade de ajuda para algo simples como atravessar a rua.

As limitações físicas, por mais que tratadas de uma forma cômica, decepciona e desmotiva ambas. Mas a amizade delas, o suporte que uma dá a outra, consegue fortalece-las, mesmo com ambas sendo pessoas muito opostas em atitudes, pensamentos e até princípios. Aquilo que as separa é justamente o que acaba aflorando o melhor uma na outra. Grace ajuda Frankie a manter os pés no chão, a ser realista e assumir e cumprir suas responsabilidades, enquanto Frankie ajuda Grace a expressão sentimentos, se abrir e ser mais gentil com quem ela ama.

Com muita empatia e companheirismo, elas se consolam e conseguem quebrar barreiras juntas, relembrando das belezas que a vida na terceira idade traz: poder olhar para o passado e se orgulhar de seus feitos, seja ele a criação de uma empresa ou a realização de uma exposição de telas. Grace e Frankie enxergam suas limitações, mas não se limitam com isso.

 

InVisíveis

A quinta temporada de Grace and Frankie foca em problematizar a realidade da nossa sociedade, que trata os idosos como pessoas invisíveis ou irrelevantes. Muitas vezes, Grace e Frankie não são vistas ou ouvidas, sendo ignoradas pelo caixa do supermercado ou durante uma reunião uma reunião de negócios.

A falta de uma fila para idosos em estabelecimentos ou um semáforo abrir rápido demais são algumas das muitas questões que assolam o dia-a-dia dos idosos, alertando, principalmente ao público jovem, o quanto isso passa batido diante dos nossos olhos. Algo, inclusive, que deveria mudar, tendo em vista que a média de vida humana cresce com o avanço da tecnologia e da medicina. O mundo já tem uma grande população de idosos, e ela requer não só reconhecimento e respeito social, mas também medidas adaptativas para suas limitações ou problemáticas, principalmente considerando que muito em breve seremos nós nesse meio.

Da criação de filas preferenciais e semáforos mais lentos até vibradores sexuais para pessoas mais velhas: Grace and Frankie nos mostra como a idade muda, mas as vontades e objetivos não. E se a promessa de que um dia seremos velhos também não for o suficiente, Grace faz muito bem em lembrar: essas pessoas fazem parte de um grande e inexplorável mercado consumidor, apenas esperando por sua vez.

A produção da Netflix é sensível com assuntos e problemáticas atuais, não tratados e avaliados em um plano mais geral, conseguindo abordar desde o mais íntimo, como o que tange relações interpessoais e casamentos, até questões coletivas, como filas preferenciais e o viver socialmente atendendo o pedido da sociedade como um todo. Grace and Frankie é uma série sobre amizade, recomeços e discriminação etária, e consegue provar que há beleza na terceira idade ao tratar de temas sérios com leveza, empatia e vulnerabilidade.


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