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"Big Mouth" retorna para a sua segunda temporada na Netflix com um roteiro ainda mais afiado, sem medo de explorar das consequências da puberdade.

“Big Mouth” retorna para a sua segunda temporada na Netflix com um roteiro ainda mais afiado, sem medo de explorar das consequências da puberdade.


– Como é que eu vou encarar o pessoal da escola?

– Sei que agora isso é vergonhoso, mas um dia vocês vão se lembrar dessa época com carinho. Talvez até tirem uma coisa linda dela.

– O quê? Um programa sobre crianças se masturbando? Isso não é pornografia infantil?

– Puta merda! Espero que não! Mas se for em animação… podemos no safar. Não é?

Nada melhor do que um dos diálogos existentes no season finale da primeira temporada de Big Mouth para exemplificar o que é a série. Criada e baseada nas experiências vividas durante a adolescência e o florescer da sexualidade de Jennifer Flackett, Mark Levin, Nick Kroll Andrew Goldberg, a segunda temporada da série chegou na Netflix no último mês de outubro. Embasada por um humor desbocado e jocoso, que não se preocupa em momento algum com o que deixa ou não de mostrar, seja alegoricamente ou no próprio sentido mais direto e cru, a produção nos convida a acompanhar o cotidiano dos jovens Nick (Nick Kroll), Andrew (John Mulaney), Jessi (Jessi Klein), Jay (Jason Mantzoukas) e Missy (Jenny Slate), que ao adentrar na adolescência passam a precisar lidar com os efeitos da puberdade, cada um da sua maneira e em seu ritmo.

https://www.youtube.com/watch?v=dqhh5So-jA4

De cara a produção se destaca pelo roteiro dinâmico e profundo, que sabe como trabalhar sua temática e seus personagens em episódios curtos, porém recheados de humor, aventura e de temas maduros. Todo o humor despretensioso, que beira o politicamente incorreto, torna os acontecimentos da série alegóricos e, muitas vezes, representações reais de acontecimentos que praticamente todas as pessoas vivenciam quando jovens, explorando de ironia, acidez, metalinguagem e de algumas quebras da quarta parede para tornar tudo ainda mais interessante e ousado.

O trabalho de roteiro, assinado pelos criadores da série e que recebe contribuições de diversos roteiristas a cada episódio, é eficaz ao equilibrar o humor desbocado com o peso das situações vexatórias, incomodas, marcantes e cômicas, assim como das consequências e desdobramentos que os jovens da trama passam. São momentos que criam oportunidades para falar, de maneira descomplicada e hilária, sobre as mudanças corporais e hormonais vividas neste tempo, como o aumento da libido sexual.

Big Mouth também explora assuntos referentes a conturbada relação com os pais, o primeiro beijo, o vício em pornografia, as dúvidas quanto a própria orientação sexual, os efeitos da criação familiar na formação do caráter e do comportamento de um jovem, e até mesmo as diferenças na atmosfera e nos valores de núcleos familiares diferentes. Neste ponto, vale dizer que a produção aproveita para dar atenção aos personagens adultos e mais maduros do enredo, explorando-os como ótimos personagens secundários para agregarem na construção de toda a bagagem e contexto dos pequenos protagonistas, mas também trazem possibilidades temáticas e narrativas interessantes para uma série que se propõe a falar sobre os desafios e efeitos de uma das épocas mais conturbadas para qualquer pessoa.

No que diz respeito a novidade, o segundo ano de Big Mouth chega com ainda mais frescor e profundidade por focar ainda mais nas consequências e desdobramentos do que acontece com cada uma das crianças. A principal adição à narrativa é, justamente, o personagem que simboliza toda a desgraça e vergonha que um jovem pode passar na adolescência, ficando marcado para sempre em sua própria cabeça ou se envergonhando para seus amigos e colegas: o Mago da Vergonha (David Thewlis).

Altamente cínico e irônico, o personagem rouba a cena por ser o catalisador de todos os acontecimentos marcantes para a vida pessoal de cada jovem. Consequentemente, o Mago centraliza, representa e externaliza o sentimento de medo, apreensão e culpa que eles sentem perante as situações em que suas respectivas famílias se encontram, as mudanças corporais que sofrem e atitudes que tomam a partir dos efeitos causados por seus Monstros dos Hormônios.

Além dos medos e receios de um adolescente, Big Mouth é certeiro ao trabalhar os efeitos que essa parte da vida pode causar em um jovem, seja em um curto espaço de tempo (como nos casos de Jay e Jessie) ou a longo prazo (como na situação vivida pelo Treinador Steve). Se por um lado Jay é a resposta breve dos efeitos que uma família disfuncional pode gerar sobre um jovem e Jessie a representação de uma adolescente em crise com o turbilhão de mudanças emocionais, hormonais e, em seu caso específico, afetivas e familiares, o Treinador Steve representa o exagero de um adulto com comportamento patologicamente desenvolvido por marcas e traumas de uma infância e adolescência problemáticas em diversos sentidos.

Ainda dentro das responsabilidades e efeitos na formação e criação de um adolescente, a série retoma um diálogo iniciado na primeira temporada, quando trataram da internet como um facilitador do contato com a pornografia, para aprofundar e abranger essa conversa para uma esfera mais robusta. Não só a facilidade ao acesso à pornografia, mas deixar que a internet assuma a posição de fonte de conhecimento e formadora de valores para questões ligadas às mudanças no corpo, sexualidade, gênero e orientação sexual, não é uma posição benéfica para uma criança e, muito menos, responsável por parte dos pais.

Com 10 episódios curtos, todos por volta de 25 minutos de duração, a série continua como uma rápida, dinâmica e gostosa experiência de assistir, muito em parte também da animação colorida, que foge de padrões comuns para representar as emoções e anseios, além das brincadeiras e experimentações em cores e texturas tão divertidas ao longo da temporada. A volta dos números musicais continua agregando a narrativa, funcionando como a externalização dos sentimentos das personagens e não propriamente como uma ferramenta narrativa de desenvolvimento da história, fugindo de qualquer tentativa de mesclar elementos de musicais à trama. O que fica ao final é a refrescante e embaraçosa lembrança de uma época conturbada que não volta mais. Uma memória que Big Mouth claramente não deixa de gozar.


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