fbpx
"Atypical" está de volta na Netflix com uma segunda temporada mais madura, agora retrando a busca de Sam pela independência.

“Atypical” está de volta na Netflix com uma segunda temporada mais madura, agora retrando a busca de Sam pela independência.


Atypical é uma séria de comédia dramática, original da Netflix, escrita por Robia Rashid. Tendo sua estreia em agosto de 2017, a produção logo ganhou o público do streaming, sendo renovada para uma segunda temporada que estreou na sexta-feira, 7 de setembro.

A narrativa conta a história de Sam (Keir Gilchrist),um adolescente no espectro autista apaixonado pela Antártica e pelos pinguins do ártico (estando sempre os desenhando), anota “regras de convivo social” e briga com sua irmã mais nova, Casey (Brigette Lundy-Paine). A trama se desenrola quando o personagem busca novas experiencias e independência social.

A série ganha um ar informativo tanto para questões que envolvem o autismo quanto a Antártida. O personagem principal é fascinado pelo continente e quando se sente tenso repete nomes de pinguins para se acalmar. Sam também possui um quarto decorado com gelo, orcas e pinguins de pelúcia, além dos tons de azul nos papeis de parede. Durante os episódios, o protagonista narra em off informações interessantes sobre os animais, as explorações, condições e curiosidades do ártico que, ao mesclados com as cenas, podem ser interpretados como metáforas as situações de sua família e relações.

As informações sobre o espectro do autismo chegam para nós através de personagens secundários, como a mãe de Sam, Elsa (Jennifer Jason Leigh) e sua psicóloga Julia (Amy Okuda), que explicam o transtorno. Passamos a entender o autismo como uma condição ou um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida e compromete as habilidades de comunicação e interação social.

Lançado em maio de 2013, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) define o autismo sob um novo termo médico e global: Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), sendo entendido pela presença de “Déficits persistentes na comunicação social e na interação social”. Logo, os pacientes são diagnosticados em grau de comprometimentos em relação ao transtorno, existindo, assim, tipos e níveis de autismo.

As pessoas sem esse espectro são classificadas como neurotípicas (abreviação de neurologicamente típico): pessoas que realizam ligações neurológicas típicas nas interações sociais e na comunicabilidade. Em contra partida, quem possui o espectro do autismo possuí conexões diferentes para essas circunstancias, gerando reações, diálogos e até expressões atípicas.

Conseguimos conhecer o autismo mais de perto aos termos contato direto com os raciocínios de Sam. Ao longo dos episódios, o personagem narra seus pensamentos e emoções e podemos ouvir Sam conversando conosco como se fossemos seu terapeuta, sobre seus medos, frustrações, relações, objetivos, pensamentos e como tudo isso passa pelo seu espectro. Assim, a história se torna rica ao revelar a perspectiva de Sam em relação a sua família, amigos e situações.

É interessante como o personagem carrega consigo um pequeno caderno, onde escreve pensamentos, desenha animais e anota regras de convívio social. Sam é metódico e adora regras; quando se sente perdido nas interações ao não entender uma reação ou frase, ele realiza pesquisas na internet ou perguntas para pessoas. Quando chega em uma conclusão, cria e anota regras para lidar melhor com suas interações.

Outro fato decisivo no drama são as relações pessoais de Sam, que ora o confundem e ora o confortam. A mais intensa, conflituosa e resiliente de Sam é com sua irmã Casey, irmãos que brigam, mas sempre são presentes um para o outro. Casey é uma adolescente cheia de objetivos, sonhos e um tanto racional em suas relações, mas quando trata de seu irmão, o protege, o consola e mais do que isso, o entende. Quando Sam começa a ter crises de pânico, é ela quem o abraça pelas costas e o aperta, até ele acalmar, ou lê uma página do Wikipédia sobre um explorador famoso da Antártida. A relação deles se fortifica a cada episódio e é fácil notar o carinho, amor e compreensão que ambos têm, cada um em seu devido espectro.

Na mesma linha de ajuda, está Zahid (Nik Dodani).O melhor amigo de Sam trabalha com ele em uma loja de informática, é descontraído, engraçado e bastante inconveniente. Embora tenha uma visão não convencional sobre a realidade das coisas, ele é visto como a pessoa mais sábia por Sam ao ensinar-lo como conquistar uma garota ou fazer macarrão. A forma como Zahid enxerga e lida com o protagonista configura em uma empatia na relação. A naturalidade da amizade exalta uma relação entre pessoas, como qualquer outra, e não uma relação entre Sam e um neurotípico.

Com uma narrativa descontraída, reflexiva e bem-humorada, Robia criou uma trama que explica, exalta e humaniza o espectro do autismo, seus desafios, conceitos, preconceitos e impacto, tanto pessoal quanto social. Com a produção, ela consegue provar que as situações atípicas, forma do comum, são as mais humanas, sensíveis e verdadeiras.

 

Segunda Temporada

O gênero comédia dramática está sendo bem explorado pelos produtores de conteúdo por abarcar um roteiro que gira em torno de uma trama na qual é retirada pitadas de comédia, assim como em BoJack Horseman, Please Like Me, Final Space, e principalmente, Atypical. O drama começa quando notamos, na primeira temporada, como a condição de Sam não afeta apenas ele, mas toda sua família e intensamente sua mãe. Elsa desabafa em um grupo de apoio que se sente constantemente tensa ou com medo. Ao ouvir o telefone tocar, imagina que algo aconteceu com Sam, que foi humilhado por alguém, esqueceu de olhar para os dois lados antes de atravessar a rua ou teve uma crise na escola por se incomodar demais com sons e cheiros.

A dependência social de Sam é reforçada por ela que, por medo, não deixa seu filho ocupar novos espaços, conhecer outras pessoas e viver novas situações. A proteção materna é elevada a décima potência, ao notarmos que ela não protege seu filho do mundo e, sim, seu filho autista do mundo. A personagem deixa sua vida e desejos de lado para cuidar e protege-lo a todo custo. A série se torna conflituosa quando o próprio Sam quer viver coisas novas e diz querer ter uma namorada. A partir disso, podemos enxergar como pequenas coisas como flertar, são tão complexas e cheias de repertório social, que o protagonista busca adquirir.

Depois dessa atitude na primeira temporada, o personagem continua tentando se encaixar na sociedade ao ter novas experiencias, algo que antes o assustava tanto ao ponto de nem tentar. A segunda temporada de Atypical mostra as novas tentativas e experiências de Sam e insinua seus próximos objetivos que, por mais difíceis que aparentam, ele tenta realizar. Além disso, um grande passo no elenco é definido por Robia que insere oito atores autistas para os papeis dos colegas do grupo de apoio de Sam, em uma iniciativa de inclusão social que traz grande peso e diferencial para a nova temporada.

A série começa a desfocar um pouco de Sam para dar a personagens secundários o desenvolver de suas próprias tramas. Elsa comete erros com Doug (Michael Rapaport), pai do jovem, e enfrenta problemas no casamento. Casey se muda de colégio e se depara com novos desafios, amizades e sentimentos, antes desconhecidos pela personagem. Essa última mescla entre os desafios que adentram a rotina da personagem e de sua família, nos faz pensar como os neuróticos não conseguem lidar de forma genuína e verdadeira com certas circunstancia e preferem se esconder, ou evitar a resolução dos problemas, enquanto Sam, autista, não consegue mentir e muito menos sossegar até entender e solucionar um problema pessoal.

A série prova que “ser normal” é uma definição pouco clara, objetiva e lógica quando se trata de seres humanos. Em muitas falas os personagens são confusos, perdidos e assustados com os conflitos que aparecem, assim como Sam, Casey, Doug e Elsa se sentem deslocados, sozinhos e diferentes. Essa comparação entre as reações de Sam e de sua família, em conjunto a compaixão e amor que eles compartilham entre si mesmo com tantos conflitos, frustrações e problemas, revela o ponto chave que Robia tentou mostrar com a série: a diferença não nos separa e, sim, nos une.

Identificar, entender e compreender as pessoas portadoras do transtorno é algo que nossa sociedade pouco gerencia, articula e promove. Uma série sobre o espectro dentro de uma das plataformas de streaming mais consumida mundialmente é uma maneira de aproximar nossa sociedade neurotípica e confusa dessa perspectiva tão única e humana que é o autismo.


Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Back To Top