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"Peça do Casamento" é uma síntese da vida de um casal, regada por uma atmosfera de contradições, diversão e estranheza.

“Peça do Casamento” é uma síntese da vida de um casal, regada por uma atmosfera de contradições, diversão e estranheza.


AApresentado e patrocinado pelo Banco do Brasil, Peça do Casamento estreou nacionalmente em Belo Horizonte como parte das comemorações de cinco anos do Centro Cultural Banco do Brasil – Belo Horizonte (CCCBB-BH). O roteiro e a direção são assinados por Guilherme Weber, consagrado ator e dramaturgo, enquanto Eliane Giardini e Antonio Gonzalez materializam no palco as turbulências que buscam, em vão, estancar a sangria de um relacionamento.

Adaptado a partir da obra homônima de Edward Albee (“uma versão minimalista de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, comenta o diretor), o ascender das cortinas já torna o espectador defronte aos reflexos da plateia enquanto revelam-se os espelhos estrategicamente posicionados. Mergulhamos numa jornada mental sobre as entranhas do matrimônio sacral e suas feridas acumuladas. Não se trata de uma crítica velada à monogamia. Sobretudo, abrimos as portas da percepção para encararmos a nós mesmos e como somos percebidos pelo público alheio.

A representatividade de idiossincrasias é um tema recorrente na arte contemporânea, principalmente nas manifestações escancaradamente politizadas. A abertura para novas ideias é um grande passo para assimilar novas concepções não só no contexto da dramaturgia, como da vida nua e crua em sociedade. Nos dias de hoje, uma trama como a de Peça do Casamento serve para conciliar as fraquezas das tradições com as impurezas do desejo e da curiosidade; conflitos que reforçam a polarização e a incessante busca pela aprovação que governa nossos espíritos. Consequentemente, percebemos que não adianta: somos mais do mesmo.

Eis o paradoxo da inserção social nas civilizações globalizadas. Até mesmo pelo ideal ocidental burguês de vida familiar, a monogamia é apresentada aqui como um construto falho e indigesto. “Os melhores casamentos são os arranjados”, exclama a mulher num tom enigmático misturando ironia e arrependimento. Essa fixação pela cara-metade surge como uma necessidade sobressalente, cuja urgência aparente se consolida na passagem do tempo.

Envelhecer é um processo natural. Envelhecemos uns aos outros. Se pararmos para pensar, nunca estamos de fato sozinhos. Estamos sim, angustiados, e criamos uma sensação de vazio. Agredimos o livre arbítrio ao fugir da realidade e buscar o preenchimento na reciprocidade do próximo. Num tom humorístico de Peça do Casamento, podemos ver na figura do casal o sacrifício da identidade em troca da representação mais efêmera e traiçoeira da felicidade.

À direita surge a esposa intercalando com risadas uma leitura prazerosa. Curte o momento. Nenhum sinal de preocupação. Podemos sentir a estabilidade pútrida e a falta de novidade imperando no recinto. À esquerda, o marido impõe-se numa postura ereta e cheia de vigor, prestes a emitir o duro comunicado: “Eu estou deixando você!”. Quando estamos acomodados no cotidiano, preocupados com temas superficiais, tendemos a esquivar de qualquer possibilidade de ruptura. Uma nota de falecimento, uma notificação de multa, uma carta de demissão… ou um término de uma relação. A negação é, instintivamente, o primeiro passo. É quando se pretende voltar e cultivar as ilusões, agora já quebradas e fracamente sustentadas pela ignorância em definhamento.

Acompanhamos a discussão e descobrimos gradualmente as motivações do rompimento. Nada necessariamente concreto. O apagar da velha chama adquire uma celebração reservada em meio às representações de desejos, traições, segredos e confissões. Muita história se passou, porém nada suficiente para persistir. Uma esperança surge quando as tensões esquentam e as diferenças se explicitam. Mediante a novidade e a descoberta de novos contornos, vê-se retornada a curiosidade e a busca pelo gozo instantâneo. Chega de satisfações. Celebra-se o momento, a carne e as novas situações.

O núcleo da trama de Peça do Casamento consiste numa extensa revisitação ao histórico do casal. Mais precisamente, nas cômicas leituras que a esposa faz, a mando do marido, de seu “registro de trepadas”. Não há nada especial; sucessos e fracassos em doses equivalentes moldam a impressão de um casal comum, não fosse o fato de agora sabermos em primeira mão. Revelações da intimidade são um terreno fértil para a construção de fantasias. O público se estranha e se diverte, ao mesmo tempo em que se identifica.

Somos guiados pelas contradições. Num momento, o confronto; em outro, a submissão. Como síntese, o cenário mais otimista seria o da aceitação. Um doloroso “Eu sei!” pode ser a mais segura das decisões; a peça que falta para estabelecer, de fato, algum comprometimento.


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