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No ano em que Roger Waters, ex-Pink Floyd, vem ao Brasil para sua turnê, nossa Colab presta uma homenagem ao pai, super fã da famosa banda.

No ano em que Roger Waters, ex-Pink Floyd, vem ao Brasil para sua turnê, nossa Colab presta uma homenagem ao pai, super fã da famosa banda.


Nota da Colab: A história é sobre o meu pai. O texto é em homenagem a sua bela história que conta da relação do Pink Floyd com a sua vida. Algumas partes da história são romantizadas

 

EEra 1964. Aqui no Brasil, estava sendo implantada a Ditadura Militar. Nos jornais, as notícias sobre manifestações de estudantes que acabaram sempre com a repressão de policiais eram capas principais. No Estadual Central, famosa escola de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, havia um estudante que cursava o seu Ensino Fundamental. Ia para casa apreensivo e com medo, de mais uma vez pelas ruas, ter os seus olhos irritados pela bomba de gás lacrimogênio. “Eu andava a avenida Amazonas com o coração apertado, pensando em meus irmãos, se estavam bem. Se já tinha comida em casa. E a minha mãe, onde poderia estar?”, afirmou.

A história desse estudante é árdua. Trabalhou desde muito novo e com 11 anos já servia cafezinho na ótica. De lá, ia para a escola a pé, e da escola pegava o circular para chegar finalmente em casa. Exausto. Com uma infância em que brincar, se divertir, nas ruas foi o seu segundo plano. Hoje, a sua feição não esconde essa trajetória estreita, difícil de seguir. Com o cabelo grisalho, em seu sorriso é possível perceber marcas de dor.

Na escola, se dedicava à matemática e a média de notas era excelente. Um dia, pediu ajuda a seu irmão, que hoje, já é falecido: “Apollo, me ajuda com a matemática?”, conta com um enorme sorriso em tom de deboche. Parecia estar passando o filme em sua cabeça deste dia, que hoje, para ele, é como se o tempo não tivesse passado. Apollo respondeu com um “eu posso te ensinar a ter um bom gosto musical”. Foi aí, neste dia, em que esse menino conheceu uma paixão, que até então não conhecia. “Uma sensação transcendental”: essa frase o faz fechar os olhos e imaginar. Apollo colocou o seu disco preferido para tocar na vitrola. Era o álbum The Dark Side Of the Moon, do Pink Floyd. Ele, estático, apreciava cada faixa do álbum. A sua preferida era difícil de dizer. Afirma hoje que é a sua banda favorita.

Em 1975 foi o primeiro contato entre o estudante e o Pink Floyd. Se passara dois anos do lançamento do álbum The Dark Side of The Moon. A ida da ótica para a escola e da escola para casa ficou muito mais divertida, já que ele só pensava em chegar e ligar a vitrola para escutar a voz daqueles que o deixa a flor da pele. Em meio aos anos de terror da ditadura militar, a banda era um refúgio. E se encaixava muito bem em sua realidade, já que o caráter do Pink Floyd foi de sempre conter uma crítica em suas letras. O garoto, apesar de novo, já conseguia captar nas entrelinhas. E o motivo é simples: foi graças a sua vivência. Esse é um dos motivos que agradece por ter tido uma vida que cobrou muito, adquiriu sabedoria. “Hoje, olhando pra tudo isso, eu vejo o lado positivo, me tornei uma pessoa sábia”, e se orgulha desta afirmação.

Voltando um pouco no tempo, enquanto em 1964 a Ditadura era implantada no Brasil, na Inglaterra o Pink Floyd estava criando forma. É interessante observar o paradoxo: no Brasil, a censura dos artistas estava para vir, enquanto lá na Europa a imaginação fluía entre os jovens músicos, sem a repressão do governo. A banda teve diferentes nomes antes de se concretizar como Pink Floyd (Sigma 6, Tea Seat e The Abdabs), mas o até então vocalista na época, Syd Barret, deu a ideia de um nome alternativo: The Pink Floyd Sound, que logo foi reduzido, tirando o Sound, mas David Gilmour chamou-os por The Pink Floyd até 1984. O primeiro álbum do grupo, The Piper at the Gates of Dawn, concretizou o estilo de rock psicodélico, a característica marcante do Pink Floyd. Em menos de cinco anos, a banda estourou com todos os seus sucessos. Todos eles deixavam o garoto belo-horizontino com uma sensação de leveza.

Até nos tempos de hoje, ele conta que o seu ritual do fim de semana era ir para a área externa que têm em sua casa e colocar para tocar o seu amado Pink Floyd. O que sente falta é da companhia do irmão e de sua vitrola. Ele continua tendo os discos, mas a vitrola, infelizmente, estragou. Lamenta, mas não se importa tanto. “As tecnologias desses tempos modernos passaram todas essas músicas pra internet, ai ficou fácil”, afirma em tom de brincadeira. Depois de The Dark Side Of the Moon, ele teve contato com o álbum The Wall. “Para mim um dos melhores, eu adoro a composição de Roger Waters”. A sua música favorita é Mother e o motivo é crucial para a composição desta narrativa: “Eu não entendia inglês, hoje compreendo algumas palavras. Mas na época, associei a palavra “mother” à “mãe”, e ela me faz recordar de minha mãe”. E conclui com um tom de brincadeira “e não é que “mother” significa “mãe” mesmo?!”.

Logo quando saiu o DVD do The Wall, ele já foi à procura nas locadoras. Na época, locava o filme toda sexta-feira: chegava do trabalho, fazia um lanche, abria uma cerveja e saboreava a sonoridade da banda se compondo com todas àquelas imagens. “O que eu mais gosto desse DVD é de ver a autoridade dos professores com os estudantes. Lembro da minha época. Já levei palmadas nas mãos. Não podíamos falar sobre certos assuntos. Tudo era muito autoritário”, conclui.

“Eu sei que o pai do Roger Waters foi morto na Segunda Guerra Mundial, e em muitas de suas letras, esse fato está presente. O meu pai foi para a Segunda Guerra Mundial”, balbucia estas palavras e olha pensativo em direção da janela. Eu sempre me emociono escutando esta história. Além desta vida difícil que teve, o garoto não conheceu o seu pai. Mas acalme-se, leitor, ele não morreu na guerra. José Matias Junior, um soldado jovem, foi convocado para defender o Brasil na Itália. Viu amigos morrerem, e acima de tudo: ele matou muita gente. “Meu pai nunca se orgulhou disso. Mamãe contava que ele se sentiu mal por ter tido que matar sem ter a opção de ir contra. Um tempo depois que voltou, morreu de ataque do coração. Não resistiu a essas lembranças terríveis”, uma lágrima quer sair de seus olhos, mas continua firme em sua fala –  “A história de Roger Waters lembra a minha”. O garoto realmente se identifica com a banda. Pink Floyd marcou a sua vida.

“Ah, você não vai se esquecer de comentar sobre Wish You Were Here, né?”, ele me lembra deste outro álbum incrível. Quase ia me esquecendo durante a nossa conversa. Este álbum foi lançado em 1975. O irmão do garoto, Apollo, conseguiu o disco de um colega de escola, comprou, é claro, por cinco mil cruzeiros (hoje, em conversão, algo em torno de R$ 1,80). Mais um motivo que o fazia passear pelos campos de sua imaginação. Até hoje, a sua favorita é, com certeza, Shine On You Crazy Diamond. A música é progressiva, utilizando de vários instrumentos para a sua composição sonora – e é isso que admira. Ainda, associa a música a sua filha. “Eu não sei por que, mas a música me lembra da minha querida filha”, brinca. Apollo repetia essa música quantas vezes fosse preciso, até que os irmãos adormecessem. Muitas vezes, eles dormiam no sofá mesmo, só para terem o prazer de escutar todas as faixas. A mãe não deixava a vitrola ficar nos quartos, e por isso, permaneciam na sala de estar.

Continuamos a conversa e mostro o vídeo do show atual de Roger Waters, em que ele brinca com a música Pigs (Three Different Ones), associando a imagem de um porco à Trump. Ele cai na gargalhada, dizendo adorar a ironia e a criatividade de Rogers Waters. Animals também está na listinha do garoto de álbum favorito, principalmente Pigs e o motivo, ele explica com uma aparência de gratidão, chega a ser cômico: “Meus irmãos sempre me chamaram de leitão. Eu era gordinho e porque eu adorava uma carne de porco, nunca tínhamos o luxo de comer uma carne boa. E quando isso acontecia, sempre pedia um porco. Realmente, tudo do Pink Floyd se relaciona com a minha vida“. Animals tem influência do punk rock e fazia associação à Revolução dos Bichos do livro Animal Farm. Todos os animais que são nomeados em suas faixas são usados como metáfora dos membros da sociedade contemporânea. O álbum teve como o líder de criação Roger Waters e marcou a sua era de liderança da banda.

O garoto com todos estes seus álbuns favoritos mudou os seus pensamentos. Conseguiu refletir mais e apreciar os mínimos detalhes da vida, seja pela janela do ônibus que pegava, seja por uma nota boa tirada, e até mesmo colocando Shine On You Crazy Diamond na vitrola de seu irmão. A sua infância pode não ter sido gozada de tantas brincadeiras, mas foi construída aos moldes daquela realidade.

Hoje, depois de ter cursado o curso que queria, é feliz. Finalmente vai realizar um sonho, no dia 21 de outubro, de ir ao show do Roger Waters, no Mineirão, com a sua amada filha: “Para mim, a melhor companhia para este show, é estar ao lado dela. Mal posso esperar”.  Ah, me esqueci de dizer o seu nome. O estudante da história se chama Marciano Matias. Hoje ele é Engenheiro Civil, vive bem com a sua família e distribui gratidão por onde passa. Por viver muito nas nuvens depois que conheceu o Pink Floyd, todos diziam que o garoto vivia em Marte. “Mas vivo mesmo. Desfrutando de sonhos”.


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