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Com um cenário musical brasileiro repleto de músicas ofensivas, alguns artistas promovem um quadro mais inclusivo e seguro musicalmente.

Com um cenário musical brasileiro repleto de músicas ofensivas, alguns artistas promovem um quadro mais inclusivo e seguro musicalmente.


NNo dia 28 de agosto, MC Livinho lançou a música Covardia. A primeira frase do refrão anuncia: “Vou abusar bem dessa mina”. Diversos internautas não receberam bem a letra da música, considerada, por eles, apologia à violência contra a mulher e ao assédio sexual. O cantor se defendeu das críticas, chamando os que reclamaram da letra de “família mimimi”. Em um vídeo postado em seu canal, afirmou: “Essa música não tem nada a ver com abuso. Quem me conhece sabe minha índole, meu caráter e a minha criatividade”.

Sabe-se que o Brasil é um país essencialmente conservador, que recentemente foi considerado o pior país da América Latina para se nascer mulher (de acordo com relatório da ONG Save the Children). Considerando que a mídia pode refletir os sintomas da sociedade, não é de se espantar que os produtos culturais estejam impregnados de diversos tipos e estereótipos.

Nos últimos cinco anos, grupos minoritários tem conquistado mais espaço no Brasil, manifestando-se cada vez mais em diversos âmbitos (tanto nas ruas quanto nas redes sociais). Diversas pautas foram levantadas por essas minorias, dentre elas, a questão da representação midiática: não seria mais aceitável se conformar com representações excludentes, normativas em nossa sociedade.

Em sua música, Karol Conka mostra muito do seu lado ativista, cantando sobre liberdade sexual, a independência da mulher, a luta contra o preconceito e a força feminina

Em março deste ano, foi lançada a página do Facebook Arrumando Letras, que tem o objetivo de corrigir letras de músicas desrespeitosas. Em entrevista a diferentes veículos, a autora da página, Camila Queiroz, afirmou que frases abusivas geralmente não são questionadas porque muitas atitudes preconceituosas já estão enraizadas na cabeça das pessoas. Em entrevista ao site do Correio Braziliense, ressaltou: “Eu queria mostrar que o machismo ainda é muito naturalizado pela sociedade. Mesmo ele estando presente todos os dias nas nossas vidas — em músicas, nas ruas, no trabalho – ainda passa despercebido por nós”.

A página, que conta com cerca de 258 mil curtidas, já problematizou músicas de diversos gêneros. Camila reafirma com frequência que a página não foi criada para reforçar nenhum tipo de preconceito musical. “Eu tento demonstrar, a cada postagem, como o machismo está inserido em todos os gêneros musicais e como as canções são, na verdade, reflexo da nossa sociedade que é, ainda e desde sempre, patriarcal e misógina”, disse ao Correio Braziliense.

Uma das letras mais problematizadas por coletivos feministas é o hit Vidinha de Balada, da dupla Henrique e Juliano. No refrão da música, estão os seguintes trechos: “Vai namorar comigo, sim! (…) Se reclamar, cê vai casar também”. Diversas mulheres identificam, nessas passagens, uma romantização de relacionamentos abusivos, já que o eu lírico demonstra exercer controle sobre a parceira.

Pabllo Vittar, drag queen brasileira, viu sua fama alavancar durante o ano de 2017, conseguindo uma carreira de sucesso sólida e tornando-se uma porta voz ativa para as causas LGBTQ+

Outro hit considerado extremamente problemático foi a canção Química, do cantor Biel. O trecho “Você me fala que não / mas eu te provo que sim” evidencia um comportamento de desrespeito em relação à palavra da mulher. O mesmo cantor, em junho de 2016, foi acusado de assédio sexual por uma jornalista. Durante a entrevista, Biel chamou a repórter de “gostosinha” e afirmou que “a quebraria no meio” caso tivesse oportunidade de ter relação sexual com ela.

As falas de Biel ficaram registradas em vídeo e áudio, já que a entrevista estava sendo gravada. Ao denunciar o garoto, a jornalista, que fez o possível para preservar sua privacidade, perdeu o emprego – tornando-se mais um caso em que a vítima foi punida por ter denunciado um episódio de assédio. A repercussão do caso não parou por aí: o assunto chegou aos Trending Topics do Twitter e, dias depois, Biel perdeu diversos contratos publicitários. O cantor insistia: “mas foi só uma brincadeira…”.

Outras músicas de sucesso comercial, como o funk Lei do Retorno (de Mc Don Juan e Mc Hariel) e Every Breathe you Take (The Police), são citados nas redes sociais como maus exemplos para os ouvintes. Também por meio das redes sociais, é possível perceber um crescente movimento de questionamento da própria problematização destas canções. Muitos consideram exagero reclamar de letras de música, já que, para essas pessoas, existiriam pautas mais importantes a serem abordadas. A fala de Livinho sobre a repercussão da sua nova música, chamando de “mimimi” as críticas que recebeu, evidencia esse tipo de pensamento.

É importante, sim, fazer uma diferenciação entre o eu lírico e o perfomer da música: nem sempre o cantor concorda com o que está cantando. Porém, não se pode ser simplista e ignorar que todo produto cultural passa alguma mensagem para o receptor. Gerações que crescem assistindo ou escutando representações excludentes podem vir a incorporar as mesmas como normativas, sem nenhum tipo de questionamento. Hiperssexualização de garotas adolescentes, comportamentos abusivos, estereótipos desrespeitosos: todos esses elementos são facilmente encontrados em diversos clássicos e hits da cena musical – nacional e internacional.

Como forma de resistência, além das problematizações, outra mudança é perceptível nos últimos anos: grupos minoritários passaram a produzir mais conteúdo. Essas produções geralmente são mais engajadas, e é perceptível uma maior preocupação com a mensagem que será passada para o ouvinte/espectador. A cantora Karol Conka, por exemplo, se apresenta com o intuito de reinventar o cenário musical brasileiro, compondo músicas que falam de temas tabus, como o prazer sexual feminino.

https://www.youtube.com/watch?v=08FmKU1WfQU

É o caso também da icônica Pabllo Vittar, cantora drag queen que alcançou mais de 100 milhões de visualizações no clipe de sua música mais famosa, K.O.. A partir do momento em que mulheres, negros e membros da comunidade LGBTQAIP+ começam a produzir conteúdo e ganhar reconhecimento, a cena cultural se torna, finalmente, mais diversificada e, consequentemente, menos excludente.


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