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Em memória do grande Jóhan Jóhannsson, um artista que compunha canções e trilhas sonoras capazes de mais sentido e vida ao cinema.

Têm vezes que o mundo e a vida nos presenteiam sem ter que pedir ou esperar. Seja com uma linda paisagem, uma boa xícara de café ou um simples gesto fora do script; algo que devemos cultivar sempre é o de experimentar coisas novas e observar. Ser corajoso o bastante para inventar e curioso o suficiente para prosseguir. Curiosidade, aliás, que nunca pareceu faltar para Jóhann Jóhannsson.

Nascido em Reykjavík, capital da Islândia, Jóhannsson começou sua carreira musical no final dos anos 90, lançando projetos coletivos que, aliando muitos gêneros em voga da época, buscavam um denominador comum. Ídolos conterrâneos e contemporâneos como Björk e o coletivo Sigur Rós também serviam de influência. Muito antes de escrever sua primeira trilha sonora, Jóhann era um ávido colecionador de timbres que ditariam o rumo de uma carreira fulminante na música e no cinema.

Eu o descobri quando A Teoria de Tudo (2014) recebeu indicações ao Globo de Ouro em 2015 para Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Filme de Drama e, mais discretamente, Melhor Trilha Sonora. Como tímido entusiasta da cultura islandesa, fiquei curioso quando li o nome de Jóhannsson (um nome bastante típico em seu país) entre os indicados. Já nutria muita vontade de conferir a cinebiografia de Stephen Hawking. Com um islandês até então desconhecido fazendo a trilha sonora, a vontade só aumentou. Veio a premiação e, também, uma surpresa: mesmo concorrendo com os medalhões Hans Zimmer, Alexandre Desplat e Trent Reznor (este, por Garota Exemplar, minha preferência na época), o novato abocanhou o prêmio e assegurou sua primeira indicação ao Oscar.

Assim como John Williams e Steven Spielberg ou Ennio Moricone e Sergio Leone, Jóhann Jóhannsson e o emergente diretor Denis Villeneuve formaram uma rentável parceria, provavelmente uma das mais marcantes entre diretores e compositores desta década. Vieram três filmes, Os Suspeitos (2013), Sicario: Terra de Ninguém (2015) e A Chegada (2016). Todos foram muito bem recebidos pela crítica e ajudaram a difundir o nome de Villeneuve em Hollywood.

As abordagens que Jóhannsson trazia para os filmes de Villeneuve sempre foram bastante intrigantes. As trilhas não buscavam se apoiar em leitmotifs fáceis e tampouco faziam questão de reforçar sensações pontuais na tela. Semelhante às composições de Clint Mansell, Steven Price ou Mica Levi, suas trilhas compõem trabalhos que buscavam contornar e investigar todo o perímetro de suas cenas, como se conseguíssemos enxergar objetos fora de foco ou fora de quadro, ou mesmo adivinhar os pensamentos de um personagem específico. Uma tendência que vem só ganhando força, especialmente no circuito de séries e filmes independentes.

Voltemos a fita. Antes de ganhar renome na sétima arte, Jóhannsson projetou sua carreira como músico e compositor experimental. Sua breve passagem o marcou como um dos nomes mais promissores da música clássica moderna, bem como da música ambiente (mais especificamente, do drone – gênero em que uma ênfase especial é dada ao sustento de uma única nota de sintetizador). Sua discografia constitui terreno fértil para renovar as amplitudes que um determinado tom ou timbre podem provocar. Recomendo o que poderia ser uma espécie de divisor de águas: And in the Endless Pause There Came the Sound of Bees, que serviu para acompanhar o curta-metragem Varmints (indicado ao BAFTA em 2009). Com variável sutileza, esse disco dialoga uma elegante peça orquestral com instrumentações mais modernas, resultando em uma reflexão convidativa sobre as paranoias que nos acometem em meio a tanto estímulo sobrenadante.

O que, enfim, caracterizava a música de Jóhannsson? Difícil dizer. São muitas amálgamas sonoras canalizadas por uma mente criativa e, arrisco opinar: objetiva. Talvez seja isso! Objetividade. A música de Jóhann era como um mapa que, apesar das curvas, encruzilhadas, pistas e reviravoltas, giravam em busca de um objetivo.

Abusando de uma interpretação bastante sintomática, creio ser esse objetivo a confrontação do papel que uma espécie autodenominada racional tem perante o planeta que habita. Sua inquietude pelos contrastes do progresso e do abandono subsequente, evidenciado no álbum Fordlândia, ou mesmo suas angústias refletidas em cada breve faixa de Orpheé, seus malabarismos equacionais de piano apresentados no filme sobre Hawking ou suas investigações lexicais que pintaram o estandarte de A Chegada denotam um artista confuso quanto à sua posição carnal, porém ciente de suas projeções futuras. Como todo cidadão moderno, Jóhannson reflete sobre vigas que se erguem e vidas que se seguem em prol de estimular nossas percepções para além deste mundo.

Se for para destacar uma, diria que Melancholia é a sua música que mais me instiga. Não possui a urgência nem a sobriedade como muitas outras peças criadas para Sicario, porém existe algo nela tão intenso, tão profundo e tão explícito. O feroz dedilhado de violão assume a figura de um rolo compressor sobre cada vida que nos deixa, cada ferida que surge e cada cicatriz que fica. Uma leitura bastante fiel para uma película recheada de desilusões, conspirações e pessimismo que merecerá, ainda por muito tempo, ser reconhecida.

Jóhann Jóhannsson com o Globo de Ouro de “Melhor Trilha Sonora”, por seu trabalho em “A Teoria de Tudo”

Pois apesar de vivermos na correria, tropeçando em tudo quanto é sarjeta e escalando tudo quanto é muro, ainda ousamos acomodar as nossas mentes para apreciar um lindo pôr do sol. Mais alguns minutos e a noite se inicia. Por meio de sua obra, essa é a imagem do artista que nos deixou e que se consolida.

Descanse em paz, Jóhann Jóhannsson.


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