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Grammy 2018: A maior premiação da música e as contradições do evento

O GRAMMYs 2018 é marcado por um viés político mais latente, em uma noite que continua mostrando os problemas raciais da indústria da música.

O GRAMMYs 2018 é marcado por um viés político mais latente, em uma noite que continua mostrando os problemas raciais da indústria da música.


AApós 15 anos seguidos acontecendo em Los Angeles, a edição 2018 da maior premiação do mundo da música retornou pra Nova York e consagrou, na noite do último domingo de janeiro, o cantor havaiano Bruno Mars como o maior vencedor da cerimônia. O artista, de 32 anos, venceu todas as categorias as quais disputava, com o álbum 24K Magic, levando para casa um total de seis gramofones: Disco do Ano, Música do Ano, Gravação do Ano, Performance R&B, Música R&B e Álbum R&B. O terceiro álbum de estúdio do cantor foi um dos grandes sucessos de 2017 e responsável por colocar o Funk norte-americano de volta as paradas musicais de todo o mundo.

Outro destaque do evento foi o rapper Kendrick Lamar, segundo grande vencedor da noite, que levou cinco prêmios. O músico levou os gramofones de Melhor Álbum de Rap, por DAMN., Melhor Performance, Melhor Canção, Melhor Videoclipe e Melhor Performance de Rap Cantado, por LOYALTY., parceria com a cantora Rihanna.

Já o rapper Jay Z, o artista com maior número de nomeações na noite, concorrendo a oito categorias, saiu do Madison Square Garden sem nenhum prêmio. Indicada a duas categorias o super sucesso mundial Despacito, do cantor Luis Fonsi, em parceria com Daddy Yankee e adição de Justin Bieber no Remix, que ficou durante 16 semanas no topo da Billboard Hot 100, também não conquistou nenhuma vitória. O prêmio de Artista Revelação, entregue a novos artistas, ficou com a cantora Alessia Cara.

 

Performances

O responsável por abrir a noite foi o artista Kendrick Lamar. Mantendo as características de suas apresentações com o viés político e de denúncia, inicialmente a música XXX, do álbum DAMN, foi apresentada com toda a grandeza do rapper. Diversos bailarinos vestidos em uniformes militares e uma bandeira dos Estados Unidos projetada no telão compuseram o show. Em seguida, Bono e Edge, da banda irlandesa U2, surgiram no palco, marcando a transição para a canção DNA, um dos maiores sucessos de Lamar.

Kendrick Lamar durante a sua performance de abertura dos Grammy Awards, entre The Edge (esquerda) e Bono (direita)

O comediante David Chapelle também participou da apresentação, fazendo intervenções. “Eu só queria lembrar vocês que a única coisa que dá mais medo do que ver um negro sendo honesto nos Estados Unidos é ser um negro honesto nos Estados Unidos”, disse Chapelle. O final da apresentação foi marcado por bailarinos vestidos de vermelhos que encenaram serem atingidos por diversos tiros.

Ao piano, a cantora Lady Gaga optou por fazer uma apresentação mais simples e intimista, acompanhada do produtor musical Mark Ronson. Cantando a música Joanne (em versão piano) e Million Reasons, a artista fez uma homenagem a sua tia, que a inspirou a compor seu último álbum.

Lady Gaga cantou, ao piano, a música-título “Joanne”, num piano coberto por gigantescas asas, em homenagem à sua tia

Outra que escolheu uma performance mais delicada foi a artista P!nk. Com a música Wild Hearts Can’t Be Broken, presente em seu último trabalho Beautiful Trauma, a cantora emocionou o público com os vocais potentes. Além disso, a apresentação foi acompanhada de uma interprete de línguas de sinais.

Com um clima dos anos 90, em sua primeira participação no Grammy, a rapper Cardi B se uniu a Bruno Mars para apresentarem a versão ao vivo do remix da musica Finesse, colocando todos para dançar.

E por falar em dança, Luis Fonsi, e Daddy Yankee fizeram uma verdadeira festa latina no palco da premiação interpretando o hit Despacito.

Quem também se apresentou pela primeira vez no evento, foi a cantora SZA. Cantando Broken Clocks a artista que já vinha impressionando pela estreia na premiação com cinco indicações pelo álbum Ctrl (Artista Revelação, Música R&B, Colaboração de Rap, Álbum Urban Contemporâneo e Performance R&B), chamou atenção pela voz e segurança no palco.

A edição 2018 do Grammy também marcou a volta da cantora barbadiana Rihanna ao evento. A artista, que não se apresentava na premiação desde 2015, cantou o sucesso Wild Thoughts, ao lado do DJ Khaled e de Bryson Tiller, em uma performance tropical repleta de coreografia.

Rihanna durante a performance de “Wild Thoughts”, com DJ Khaled (direita) e de Bryson Tiller (esquerda)

Antes de anunciar a apresentação de Kesha, a cantora Janelle Monáe discursou sobre o Time’s Up, movimento/manifesto contra os recorrentes casos de assédios em Hollywood e pela igualdade de gênero.

“Para aqueles que se atrevem a tentar nos silenciar, apenas uma coisa: o tempo acabou! Nós dizemos basta para a desigualdade salarial, a discriminação ou o assédio de qualquer tipo e o abuso de poder. Não está acontecendo apenas em Hollywood, ou em Washington, também está aqui na nossa indústria (…) Então, vamos trabalhar juntos, mulheres e homens, como uma indústria da música unida empenhada em criar ambientes de trabalho mais seguros, pagamento igual e acesso para todas as mulheres”

Em seguida a cantora Kesha subiu ao palco cercada por um time de mulheres poderosas, formado por Cyndi Lauper, Bebe Rexha, Andra Day, Julia Michaels e Camilla Cabello, para cantarem Praying, do seu mais recente álbum Rainbow. A artista, que enfrentou uma longa batalha judicial ao acusar seu produtor Dr. Luke de abusos sexuais e psicológicos, emocionou a todos com uma performance de tirar o fôlego. Além dessas cantoras, diversas estrelas que estavam no evento apareceram usando uma rosa branca em solidariedade ao Time’s Up.

Kesha (ao centro, no microfone) durante a performance de “Praying”, que contou com a participação de Bebe Rexha e Cyndi Lauper (à esquerda) e Camilla Cabello, Julia Michaels e Andra Day (à direita)

Em seguida a banda U2 foi apresentada por Camila Cabello que ressaltou a importância dos imigrantes na construção dos Estados Unidos. “Sou uma orgulhosa imigrante cubana-mexicana, nascida no leste de Havana, e agora estou aqui na frente de vocês no palco do Grammy, em Nova York. Tudo o que sei é, como sonhos, essas crianças não podem ser esquecidas e vale a pena lutar por elas”, disse a cantora, com orgulho. Com esse tom político a banda irlandesa se apresentou do lado de fora do estádio, em um palco montado em frente ao Rio Hudson e com a Estátua da Liberdade como cenário eles cantaram a canção Get Out of Your Own Way.

Entre as apresentações de destaque da noite estão as parcerias entre Elton John, que se prepara para sua ultima turnê, e Miley Cyrus. Juntos os cantores apresentaram a música “Tiny Dancer“.

Sam Smith contou com o auxilio de um coral para performar a canção Pray.

Os veteranos Sting e Shaggy se apresentaram com a musica An Englishman in New York.

Joe Saylor, Jon Batiste e Gary Clark Jr formaram um trio incrível na homenagem a Chuck Berry e Fats Domino, lendas do rock que morreram em 2017.

O grupo country Little Big Town cantou a música Better Man, composta por Taylor Swift e que levou o prêmio de Melhor Performance de uma Dupla ou Grupo Country.

Childish Gambino, ou Donald Glover, mostrou a sensualidade em uma apresentação da faixa Terrified, presente no álbum Awaken, My Love!. No evento, Gambino ganhou o primeiro Grammy de sua carreira. A premiação também contou com a apresentação emocionante da música 1-800-273-8255, do rapper Logic com participação de Alessia Cara e do cantor Khalid.

 

Polêmicas

Não é de hoje que a cerimonia do Grammy é criticada pela dificuldade em reconhecer o talento daqueles que não apresentam características de homens e brancos. Esse quadro tem sido ainda mais comentado nos últimos anos, principalmente nos assuntos ligados as questões raciais, incluindo tentativas de boicotes.

Desde o início da premiação, em 1959, até hoje, apenas 11 artistas negros venceram a categoria de Álbum do Ano, a mais importante da noite, sendo eles Stevie Wonder, em 1974, 1975 e 1977 com os respectivos álbuns Innervisions, Fulfillingness’ First Finale e Songs in the Key of Life; Michael Jackson, em 1984, com Thriller; Lionel Richie, em 1985, com Can’t Slow Down; Quincy Jones, em 1991, com Back on the Block; Natalie Cole, em 1992, com Unforgettable With Love; Whitney Houston, em 1994, com a trilha sonora de O Guarda-Costas; Lauryn Hill, em 1999, com The Miseducation of Lauryn Hill; Outkast, em 2004, com Speakerboxx/The Love Below; Ray Charles, em 2005, com Genius Loves Company; Herbie Hancock, em 2008, com River: The Joni Letters e Bruno Mars, em 2018, com 24K Magic.

Em 2017 o cantor Frank Ocean publicou uma carta aberta criticando os organizadores do evento e destacando a vitória de Taylor Swift, com o álbum 1989, em relação a Kendrick Lamar, com To Pimp a Butterfly, em 2016, vitória que o artista não considerou justa.  A cantora Solange Knowles criticou a derrota da irmã Beyoncé, com o álbum Lemonade, para Adele, com 25, em 2017. Injustiça que foi lembrada pela própria cantora britânica na hora de fazer o seu discurso de ganhadora.

Embora muitos artistas negros acumulem inúmeros prêmios Grammy, uma das críticas é em relação as categorias em que esses artistas geralmente vencem. Muitas vezes as classificações em R&B e Rap servem para encaixar determinados músicos e mante-los longe dos principais prêmios da noite.

 

“As únicas categorias que eles conseguem me encaixar são de rap, talvez porque eu tenha feito rap no passado ou pelo fato de ser negro, não consigo entender. Assim como não consigo entender porque ‘One Dance’ não foi indicada. Digo, eles tem algumas obrigações pop e eu fiquei de fora. Fiquei de fora e tenho uma das maiores músicas do ano, que é uma música pop e me orgulho por isso. Eu amo o mundo do rap, amo a comunidade do rap, mas eu escrevo canções pop por uma razão: eu quero ser como Michael Jackson, como os artistas que me inspiram. E essas canções são pop, mas eu nunca ganho crédito por isso”.

– Drake em entrevista ao programa na rádio Beats 1, em 2017

 

Outra crítica que o evento enfrenta é o baixo reconhecimento dado a artistas femininas, facilmente exemplificada pela categoria Best Pop Solo Performance. Com artistas como Kesha concorrendo ao prêmio, com a poderosa Praying, música em que fala sobre o assédio que sofreu e encontrar paz e perdoar seu abusador, foi Ed Sheeran quem carregou o gramofone para casa (figuradamente, uma vez que o cantor não estava presente), vencendo as quatro mulheres que concorriam com ele (P!nk, Kelly Clarkson, Kesha e Lady Gaga). A vitória do britânico acabou gerando grande repercussão na internet, sendo uma desgostosa surpresa para a maioria dos que assistiam, com alguns apontando que a cara feita por Kesha durante o anúncio provava que até mesmo a cantora não tinha gostado nem um pouco do vencedor.

Vale lembrar ainda que, embora nos últimos dois anos o prêmio mais importante da noite tenha ficado com duas mulheres, na edição de 2018 apenas a cantora neozelandesa Lorde foi indicada como Melhor Álbum. A categoria contava com Bruno Mars, Jay Z, Kendrick Lamar e Childish Gambino.

A situação se agrava depois que revista Variety e o site TMZ publicaram uma matéria informando que Lorde teria recusado se apresentar no Grammy por receber um tratamento diferenciado dos outros a artistas masculinos indicados em sua categoria. Os organizadores não teriam oferecido uma performance solo a cantora e demostraram como única possibilidade de apresentação uma homenagem, em grupo, ao cantor Tom Petty.

De acordo com o estudo “Inclusion in the Recording Studio?”, realizado pela Dra. Stacy L. Smith, do Annenberg Inclusion Initiative, divulgado em janeiro de 2018, entre 2013 e 2018 somente 9,3% dos indicados ao prêmio foram mulheres. Na 60ª edição do Grammy a situação foi parecida com a do ano de 2013 em quantidades de indicações femininas, 8,2% e 8%, respectivamente. Já na cerimônia anterior, apenas 6,4% dos indicados eram de artistas femininas.

A categoria de Artista Revelação, que esse ano premiou Alessia Cara, única mulher vencedora entre as principais categorias, é a que mais possui mulheres indicadas, com 36,4%. O prêmio de Canção do Ano fica em segundo lugar com 21,3% das indicações para mulheres. Se esses números já impressionam, a categoria de Álbum do Ano, com 6,1% e Produtor do Ano com 0 mostra que ainda falta muito para que os prêmios distribuídos durante o evento entre em sintonia com os discursos reproduzidos em seu palco.

Alessia Cara durante o seu discurso como ganhadora da categoria “Artista Revelação”

Durante o período analisado, a pesquisa ainda revelou que no total pelo menos 471 homens (89%) foram indicados mais de uma vez ao Grammy. No entanto, apenas 58 mulheres (11%) tiveram esse mesmo resultado. Logo após a premiação o presidente do Grammy, Neil Portnow, ao ser questionado pela revista Variety comentou as críticas ao baixo número de indicações e mulheres vencedoras. Segundo Portnow, as artistas precisam “se impor”.

“As mulheres que têm criatividade em seus corações e almas, que querem ser cantoras, engenheiras, produtoras e que querem fazer parte da indústria em nível executivo… Elas precisam se impor, porque creio que elas seriam bem-vindas. Eu não tenho experiência pessoal com esses tipos de problemas que elas enfrentam, mas acho que cabe a nós, como uma indústria, dar boas-vindas a todos, criando oportunidades para todas as pessoas que querem ser criativas e, assim, criando a próxima geração de artistas”.

O comentário acabou causando controvérsias, levando cantoras como P!nk, Charli XCX e Iggy Azalea a darem uma resposta ao atual presidente do Grammy. Por sua vez, Portnow voltou a falar com a Variety, retratando-se.

O questionamento que fica é em que momento a premiação irá parar com discursos e shows em prol da diversidade e igualdade, apenas pela busca da audiência e realmente começará a apoiar essas causas?


Confira os principais vencedores da 60ª edição do Grammy Awards abaixo:

 

ÁLBUM DO ANO

24K Magic – Bruno Mars

 

GRAVAÇÃO DO ANO

24K Magic – Bruno Mars

 

MÚSICA DO ANO

That’s What I Like — Bruno Mars (Christopher Brody Brown, James Fauntleroy, Philip Lawrence, Bruno Mars, Ray Charles McCullough II, Jeremy Reeves, Ray Romulus & Jonathan Yip)

 

MELHOR ARTISTA REVELAÇÃO

Alessia Cara

 

MELHOR PERFORMANCE POP SOLO

Shape Of You — Ed Sheeran

 

MELHOR PERFORMANCE POP DE DUO OU GRUPO

Feel It Still — Portugal. The Man

 

MELHOR ÁLBUM VOCAL POP

÷ (Divide) — Ed Sheeran

 

MELHOR PERFORMANCE DE R&B

That’s What I Like — Bruno Mars

 

MELHOR MÚSICA DE R&B

That’s What I Like — Bruno Mars

 

MELHOR ÁLBUM R&B

24K Magic — Bruno Mars

 

MELHOR ÁLBUM URBAN CONTEMPORÂNEO

Starboy — The Weeknd

 

MELHOR PERFORMANCE DE RAP

HUMBLE. — Kendrick Lamar

 

MELHOR MÚSICA DE RAP

HUMBLE. — Kendrick Lamar

 

MELHOR PERFORMANCE DE RAP/SUNG

LOYALTY. — Kendrick Lamar Featuring Rihanna

 

MELHOR ÁLBUM DE RAP

DAMN. — Kendrick Lamar

 

MELHOR ÁLBUM DE ROCK

A Deeper Understanding — The War On Drugs

 

MELHOR MÚSICA DE ROCK

Run – Foo Fighters

 

MELHOR ÁLBUM POP LATINO

El Dorado – Shakira

 

MELHOR CLIPE

HUMBLE. – Kendrick Lamar

 

MELHOR CANÇÃO PARA MÍDIA VISUAL

How Far I’ll Go – Moana (Lin-Manuel Miranda)


A lista completa de vencedores pode ser conferida no site do Grammy.


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