Em “Affair”, Gloria Groove nos leva da carência ao desapego por meio de um discurso musical intimista e profundo.
OO ano era 2018 e uma música com batidas do funk e vocais potentes ganhava nossos ouvidos. Bumbum de Ouro lançava de vez a artista Gloria Groove aos olhos e escuta do público no meio musical, após algumas colaborações na dublagem de filmes – como a versão dublada do live-action de Aladdin da Disney.
Corta para 2020 e outra aposta sonora de Gloria conquista por causa da honestidade e entrega. Desta vez, embalada pelo ritmo R&B e mantendo sua voz encorpada no EP Affair, somos levados a passear pelas sensações de alguém que sofre por um amor mas aprende a superar com maturidade e empatia.
Durante as cinco faixas provamos a versatilidade de uma artista que sabe usar de seus mecanismos sonoros e ainda surpreende por se colocar de várias formas artisticamente. Affair é sobre ela mas também é sobre nós.
AFFAIR

Desde o começo a sensação é de intimidade, seja na letra ou no tom de voz, e a certeza de que a coragem em compartilhar tanto com o público, de maneira emotiva e direta, só poderia vir de uma artista que já teve muito isso na vida.
Gloria Groove nos abraça por muitos momentos ao longo das faixas mas também provoca a não permanecer na zona de conforto. Se no começo da trajetória sonora proposta a impressão é de fraqueza e impotência em Vício, o caminho até Radar, última canção do EP, termina confiante e sem deixar questões mal resolvidas para trás.
Somos convidados a vivenciar as reflexões amorosas, que na contemporaneidade mostram outros contornos e complexidades evidentes mas antes invisibilizadas. Poderia ser a história de qualquer um de nós mas na voz de uma drag queen assume outras questões como a limitação e a falta de estímulos para viver relacionamentos, considerados normais em pessoas heterossexuais.
Ao final, percebemos que o affair (“caso”, em português) de Gloria Groove é muitas vezes com o ouvinte também, que, ao longo da experiência musical, vai lidando com os estímulos e situações a cada etapa do relacionamento até se entregar ao mais forte, o amor próprio. As músicas falam sobre ela mas também sobre nós, ao tornar público sentimentos que, por pressão ou medo, muitas vezes conservamos no privado.
VERSATILIDADE
Se para você a prática artística de Gloria Groove se restringia apenas ao funk ou pop, Affair comprova e não deixa dúvidas que o talento vai muito além. A cantora se permite e aposta no R&B, ritmo musical mais lento e melódico em relação aos dois primeiros marcantes de sua carreira, enquanto o discurso genuíno de fraquezas e conquistas emocionais vai se fortalecendo ao longo das faixas.
“É com muito orgulho que lanço a versão completa de AFFAIR, este EP audiovisual que me permitiu mergulhar de cabeça no R&B, um estilo que já me acompanhava desde sempre em minha jornada artística. São canções modernas, envolventes e apaixonadas que juntas contam uma história de amor e tensão: um affair”
– GLORIA GROOVE PARA O PORTAL POPLINE.
Gloria Groove apresenta seu trabalho mais ousado até o momento e parece apresentar o estilo que melhor combina com seu tom de voz e os recursos que geralmente explora, como as mudanças de entonação por vezes percebidas nas canções.
Nesse sentido, o ouvinte é colocado como companhia para junto reconhecer as dificuldades e construir o manifesto de quem descobriu em si a melhor voz para ultrapassar vícios. É a potência de quem assume o protagonismo da própria história e se identifica com quem se tornou.
Fica a vontade de a ouvir mais nessa pegada intimista e a empolgação para tudo que a artista ainda pode contribuir na cena musical brasileira. Além de uma grande voz nos palcos, Groove é certamente referência para a vida de muitos, como eu, que se identificam com suas dores e experiências consideradas “desviantes”.
Se no EP o radar guia uma situação amorosa, na vida deixa o convite para, cada vez mais, valorizarmos personalidades como Gloria Groove, que usam do seu potencial e trajetória para tratar de vivências silenciadas e mais, inspirar quem ainda não descobriu o amor em sua forma mais consistente, consigo mesma(o).
*O trio de produtores formado por Pablo Bispo, Ruxell e Sergio Santos aparecem em todas as cinco composições, além do apoio de Iza em Suplicar e Arthur Marques em Radar.