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Em "AmarElo", Emicida entrega um álbum tocante, bonito e que respira música boa para confrontar a intolerância do mundo contemporâneo.

Apoiado em um discurso positivo e afirmador, Emicida propõe um experimento social capaz de levar o público a repensar sobre o meio onde vive.


CCalmo, solar, reflexivo. Esses são alguns dos adjetivos capazes de caracterizar AmarElo, novo álbum do rapper brasileiro Emicida, lançado no fim de outubro. O projeto marca uma nova fase da vida e carreira do artista, apostando em um tom menos afrontoso e combativo, refletindo seu último disco Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015). Dando espaço para canções melódicas e outros gêneros como o samba, o gospel e o pop, o disco não deixa de lado sua crítica social e política que, nesse trabalho, convida para o pensar, para o interior, em tempos onde a intolerância parece ditar o ritmo da vida moderna.

 

AmarElo

Capa do álbum

Fato é que Emicida compõe um trabalho consistente em trazer suas origens e seu modo de vida através das letras e batidas das onze canções, incorporadas ao seu vocal propositivo. Poemas e escritos de Belchior e Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) ganham vida no rap bem estruturado, conduzido pelo próprio cantor, que, a vontade, parece querer finalmente mostrar sua voz.

Para isso, convida também um time de artistas que trazem ao álbum a diversidade e um ritmo globalizado, que vai desde o português de Portugal do rapper Papillon, até o inglês misturado com espanhol e iorubá do duo franco-cubano Ibeyi, passando ainda pela batida esperta dos japoneses da Tokyo Ska Paradise Orchestra, que caem no samba em Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo). Tudo isso acompanhado da sonoridade e do português claro de Emicida.

TÍTULO
O título do novo disco reflete o gosto de Emicida pela literatura. AmarElo vem de um poema de Paulo Leminski (1944-1989), que diz “Amar é um elo / Entre o azul / E o amarelo”. Outra referência veio de Manuel Bandeira e os girassóis do poema Pensão Familiar.

AmarElo evoca a paz, a justiça (ou a falta dela), a sensibilidade política e a consciência dos desafios da vida desigual e tumultuada. Nesse sentido, Emicida convida artistas como Zeca Pagodinho para cantar a amizade, Dona Onete e Pablo Vittar, que expõe suas cicatrizes junto com Majur e compõem um manifesto contra a violência e o silenciamento dos LGBTQIA+ e demais minorias.

https://www.youtube.com/watch?v=PTDgP3BDPIU

Ainda, o rapper traz Fernanda Montenegro, que dá voz aos versos de Ismália, nome da oitava faixa do disco e inspiração para o poema famoso do poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens. Obra-prima do simbolismo, percorreu os séculos 19 e 20 e agora, em pleno século 21, ganha fôlego pelas rimas de Emicida e a narrativa profunda de Fernanda, que declama a tragédia da moça envolvida por amor. Uma das faixas mais surpreendentes do álbum, Ismália relembra os 111 tiros da polícia que executaram cinco jovens em Costa Barros (RJ) e também os 80 disparos de fuzil direcionados ao carro do músico negro Evaldo Rosa, no Rio de Janeiro, durante operação do Exército.

“As asas que Deus lhe deu / Ruflaram de par em par / Sua alma subiu ao céu / Seu corpo desceu ao mar”, rimou Alphonsus. “Hasthags Preto no topo, bravo! / Oitenta tiros te lembram que existe pele alva / e pele alvo”, rima Emicida, enquanto expõe a diferença colocada pela exclusão social a que são submetidos os negros no Brasil.

https://www.youtube.com/watch?v=4pBp8hRmynI

“Pra mim, Ismália é mais contemporânea do que tudo. É a metáfora do que o salto da cidadania plena significa para a população não branca do Brasil. Ela tenta tocar aquela lua, mas despenca na pedra”

EMICIDA EM ENTREVISTA AO PORTAL UAI.

 

Rap Sensível

O material ganha força ao trazer o sentimento como protesto, tirando do rap aquela postura determinante e abrindo para o diálogo, convidando inclusive o ouvinte a repensar sobre a própria realidade a cada faixa. AmarElo estrutura uma narrativa que ultrapassa os estereótipos, o jeitinho brasileiro e revela a verdadeira riqueza do Brasil e do mundo: a mistura de raças, crenças e costumes que juntos, formam um som forte e unido, em que os julgamentos não tem espaço.

O produtor musical Nave comanda os sons de Emicida, contribuindo para conectar AmarElo a outras sonoridades. Instrumentos antes ausentes nos trabalhos do rapper agora aparecem e ajudam a compor as melodias e batidas, seja por meio do piano de Marcos Valle, os tambores da África, o samba, e até mesmo, o soul, a bossa nova e o pop bem construído.

“Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino / Purugunta onde vai / Purugunta onde vai”, canta Dona Onete na abertura de Eminência Parda. O trecho, também do século 19, refere-se a um clamor dos escravos da região de Diamantina, cidade de Minas Gerais, recuperado pelo linguista mineiro Aires da Mata Machado Filho (1909-1985), autor do livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais.

Emicida em entrevista para a Revista Trip

A capa do disco também não foge das participações e é fruto de uma parceria de Emicida com a fotógrafa Claudia Andujar, responsável pela imagem dos curumins da capa do disco. “Ter três crianças indígenas na capa, num período em que estão vendo a sua cultura e o seu modo de vida ameaçados, é colocá-las para encarar o Brasil dizendo: ‘Sério mesmo? Vai acontecer tudo de novo?”, destaca o artista no texto de apresentação do novo álbum.

CATÁLOGO
Entre discos, EPs e mixtapes, este é o 12° trabalho de Emicida. O artista também tem uma gravadora, a marca de roupas Laboratório Fantasma e o podcast NÓIZ, além de movimentar o canal no Youtube com o quadro Vem de Zap e participar de debates no programa Papo de Segunda, no GNT.

As mulheres também assumem seu espaço e fazem a diferença em AmarElo. Ao ouvir todas as faixas, vamos sendo conduzidos pelos vocais por vezes sofisticados e representativos de tantos artistas já citados e outros nomes especiais, além de Montenegro com toda sua experiência e lucidez, sobretudo, social e política.

https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_n952FcmuRRQ9afA2YMOx9OKZ3m7tunI_g

Tendo como inspiração suas vivências e memórias marcantes, Emicida traz à tona, de uma vez por todas, a esperança em forma de música, em meio a intolerância que ganha cada vez mais espaço, seja no cotidiano, nos noticiários e, até mesmo, nos discursos de internet e dos representantes ao redor do mundo. Por fim, resta-nos amar.


PLAYLIST


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