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Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.


Que o cinema mundial volta as câmeras para cenários de guerra não é novidade, desde confrontos de âmbito internacional, quanto embates geopolíticos marcantes. Em Mosquito (2020), o cineasta português João Nuno Pinto faz um filme de guerra – afinal sua ambientação e toda a narrativa são sustentadas em um militarismo forte – que tem como principal interesse não o potencial épico destas narrativas, mas sim em representar a contradição cega e violenta do homem branco colonizador.

Desde o primeiro plano do filme, quando chega à Moçambique, o soldado Zacarias (João Nunes Monteiro), está visivelmente incomodado. Infectado com malária, Zacarias é deixado para trás para reencontrar sua tropa quando curado. Entre eles, uma caminhada de 5 dias pelas paisagens de uma Moçambique exótica e selvagem que ganha contornos de delírio na medida em que a febre toma conta do soldado.

Durante a projeção, João Nuno Pinto nos guia por uma jornada de contradição do personagem que simboliza o olhar do colonizador branco. O protagonista enxerga os personagens negros que se relaciona sempre como exóticos, em uma relação servil, escravocrata, de distanciamento e, sobretudo, de diferença.

O principal interesse de Mosquito é desnudar a contradição e escancarar a deturpação do olhar humano, do homem branco eurocentrico e de sua posição de colonizador que se assusta com os horrores da guerra, com a barbárie que ele mesmo ajuda a criar, mas que não percebe a violência de sua própria posição de colonizador e de seu preconceito subjugante.

Esse olhar cego se manifesta na encenação proposta pelo cineasta especialmente quando ele desfoca a imagem para colocar seu protagonista nesta posição de alguém que não percebe o que lhe cerca, especialmente quando na presença de Moçambicanos. Ao expor como o olhar do colonizador para o colonizado; – visto que em momento algum os negros retratados no filme estão em destaque no plano ou nas ações – evidencia-se como a política eurocentrica de colonização e de construção do mundo resultou nesse deslocamento da marginalização e de uma estrutura preconceituosa.

Quando essa dinâmica do olhar se altera para a admiração das paisagens, a fotografia de Adolpho Veloso e a movimentação de câmera se renovam para uma captura inquieta e agitada pelo exótico, trafegando entre o deslumbre das paisagens ao medo do ambiente como um todo.

cena de “Mosquito” (2020), filme português da 44ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo

A câmera é constantemente inquieta e ativa ao acompanhar caminhada de epifania de Zacarias. O jogo com o foco da imagem evidencia o sentimento de deslocamento dentro do exército, mostrando como o protagonista não se sente pertencente aquele espaço, ao mesmo tempo que ao desfocar as tomadas nas paisagens quentes de Moçambique reforçam a sensação de perigo constante que o jovem soldado sente na pele. Um desconforto e insegurança que é reforçado por um trabalho sonoro fenomenal que usa de sons diegeticos para amplificar a imponência e ameaça da floresta nas sequências noturnas ao rodear Zacarias de todos os barulhos selvagens possíveis para deixa-lo assustado.

Cabe, merecidamente, dizer que a fotografia de Adolpho Veloso é um espetáculo à parte. Nas sequências diurnas, Veloso utiliza da iluminação natural para capturar o clima tropical e quente de Moçambique, alternando a iluminação noturna para tons alaranjados provenientes da presença do fogo, criando não só planos esteticamente maravilhosos como nutrindo uma atmosfera surreal, quase que fabulosa para a trama.

A verdadeira força de Mosquito, para além de qualquer elogio, está na entrega que João Nuno Pinto faz do desfecho da jornada de Zacarias. Se o protagonista cruza a savana moçambicana em busca de seus irmãos de exército, quando ele termina sua jornada se depara com a percepção da monstruosidade da qual faz parte. É o momento em que o personagem se elucida da condição incoerente e contraditória que tem para si, como o personagem de uma violência imperialista e colonizadora que Mosquito se propõe a desnudar.

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