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70 anos de uma obra prima atemporal da literatura

Marcando os 70 anos de publicação, "1984", de George Orwell, se consolida cada vez mais como uma obra prima atemporal da literatura inglesa.

Poder concentrado e limitação das perspectivas dão o tom de 1984, um clássico que não se prendeu ao ano do título ou lançamento e permanece atual


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“Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”, talvez seja essa uma das frases mais famosas do livro 1984, escrito por George Orwell e publicado há 70 anos, em 1949. A expressão representa o lema do partido totalitário presente na obra e traduz todo o ideal de controle buscado pelos representantes do poder. Inspirado pelo stalinismo na União Soviética, o autor lançou, em meio ao fim da Segunda Guerra Mundial, o que mais tarde seria um dos clássicos da literatura inglesa, capaz de refletir sobre os mecanismos de autoridade, vigilância e ainda temas contemporâneos como o fascismo e a pós-verdade.

Parte da capa de “1984”, de George Orwell (Edição de 1960)

“Era um dia frio e luminoso de abril, e os relógios davam 13 horas”. Assim inicia a narrativa de 1984. Apostando na distopia como gênero, isto é, criações ficcionais que reproduzem um sistema de governo intolerante, ditatorial, baseado no poder absoluto e no controle ilimitado dos grupos sociais, Orwell produziu uma história potente sobre a repressão e crueldade de regimes totalitários.

ANIVERSÁRIO DA OBRA
Em 2019, a obra completa 70 anos da primeira publicação, cujo título original seria “O Último Homem Europeu”. No Brasil, o livro teve a sua primeira edição traduzida para o português publicada em 2009, 60 anos depois, pela Companhia das Letras.

 

1984

Capa do livro

A proposta de 1984 ganha vida por meio de Winston Smith, personagem principal da obra, que vive aprisionado no mecanismo totalitário de uma sociedade totalmente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém encontra-se fora da vigilância do Grande Irmão, a personificação literária de um poder arrogante e insensível, além de passar por cima dos princípios morais e sociais aplicados a cidadãos comuns, em um ambiente de esvaziamento do sentido histórico.

O Grande Irmão é o líder maior, incorporado na nossa geração como “Big Brother”, expressão explorada inicialmente pelo autor e influente na sociedade atual, que simboliza o aspecto do olho que tudo vê, sem quase nenhuma possibilidade de enganar ou mentir, pois está presente em todos os lugares e sabe de tudo que se passa em Oceânia, ambientação fictícia da obra. Tendo como marca o “bigodão preto e as feições rudemente agradáveis”, alcançou o poder após uma guerra em dimensão global, lembrando a Segunda Guerra. Neste episódio as nações foram extintas e três grandes estados transcontinentais totalitários foram criados.

O slogan “O Grande Irmão está de olho em você” e cartazes colocados em escala massiva estampam as ruas e a rotina dos habitantes do estado. O cotidiano é guiado ainda pelas “teletelas”, máquinas que identificam e captam os acontecimentos e as vivências das pessoas, enquanto a desinformação garante também o domínio social.

TELETELAS
A teletela de Orwell era baseada nas tecnologias de televisão pioneiras de antes da Segunda Guerra Mundial e dificilmente poderia ser vista como ficção científica. Nos anos 1930, a Alemanha tinha um sistema de videofone em funcionamento, e programas de televisão já estavam sendo transmitidos em partes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França.

Apoiado na narração em terceira pessoa, Winston vive com uma confusão constante, não acredita na ideia de o ano ser realmente 1984 e mostra para o leitor como é sobreviver em um ambiente conduzido por um regime frio, opressor e autoritário, principalmente na “Pista de Pouso Número 1”, região controlada pelo Partido.

 

1984 ou 2019?

A trama aposta em Londres como inspiração para a fictícia Oceânia, formada pela ex-Inglaterra, as ex-Américas, ex-Austrália, Nova Zelândia e parte da África, união resultante de conflitos e experiências chocantes. Mas, na verdade, reflete sobre estratégias de governo praticadas em todo o globo, seja para manter determinados interesses, manter um falso ideal na pessoas, ou até mesmo, conquistar pelo discurso de ódio, muito presente hoje especialmente nas discussões de internet e manifestações de representantes.

SUCESSO ALÉM DO TEMPO
1984 aparece entre os principais livros vendidos em todo o mundo e nas livrarias brasileiras até os dias de hoje. Nos Estados Unidos, foi campeão de vendas na Amazon em 2017, quando Donald Trump e sua equipe presidencial envolveram-se em declarações duvidosas relacionadas à eleição.

Não por mera coincidência, em Oceânia, os personagens se preparam para a “Semana do Ódio” e todos os dias precisam destinar dois minutos de suas vidas para o momento de ódio, no qual são expostos durante 120 segundos a um inimigo em comum. “Ao menos três quartos daquilo que Orwell narra não é utopia negativa, mas história”, já dizia o escritor italiano Umberto Eco quando teve contato com o relato de George Orwell.

O fascismo também não escapa das mãos de Orwell e ganha forma também no trabalho do protagonista. Winston trabalha na alteração de dados e informações do passado na busca de que os fatos e elementos da realidade estejam de acordo com a atual situação do bloco em que vive. Surpreendam-se ou não, mas o nome desse setor é Ministério da Verdade.

E os mecanismos de controle não param por aí. Além de condicionar o passado a uma nova elaboração constante, uma nova língua, anovafala”, impede todo pensamento crítico, ou seja, a consciência capaz de abalar as estruturas colocadas e defendidas pelo governo para manter seus interesses e suas propostas em segurança.

 

Exemplos Aplicáveis

A questão de 1984 é que muitos acontecimentos e formatos midiáticos modernos refletem o que já nos apresentava o autor em 1949. Programas como reality shows e a televisão como um todo facilitam um controle amigável, pois a qualquer momento o sujeito pode desligar ou trocar de canal. O dispositivo, no entanto, o atrai a todo momento para continuar preso a aquela ilusão de vida, enquadrada para promover um ideal a ser alcançado, além de ser almejado por muitos. Assim, as notícias também ganham formatos moldados pelas emissoras, situação que nem sempre fica clara ao espectador em geral.

Além disso, as redes sociais, principalmente o Instagram no cenário atual, reforça essa ideia de tornar público sua privacidade, e mais, os momentos bons da vida, fortalecendo a busca por bens de consumo, modos de vida e formas de comportamento que geram a “felicidade” ou a sensação de ser admirado. Dessa forma, o controle remoto e as funções dos smartphones tornaram-se as novas teletelas, mesmo que de maneira sutil na sociedade do espetáculo, preocupada sobretudo com as aparências.

 

O Poder da Obra

A obra de 416 páginas é baseada em pontos altos, com potencial de prender a atenção de diferentes perfis de leitores, sejam eles mais jovens ou mais velhos, ou ainda os que leem pela primeira vez ou releem com um novo olhar. Sem dúvida, 1984 ganha fôlego com a paixão de Winston pela personagem Júlia, funcionária do Departamento de Ficção, que traz consigo o desafio de superar a opressão despertada no protagonista, princípio até então naturalizado em uma sociedade em que as perspectivas são estruturadas no trabalho e na ordem e mais, na incapacidade de viver fora disso.

George Orwell

O fato é que, independente do tempo, passado ou futuro, a ideologia do Partido dominante em Oceânia não se preocupa com o bem estar e a harmonia da comunidade e do meio em que atua. Essa visão pode ser comprovada através de O’Brien, hierarca do Partido, que em um momento da narrativa explica a Winston que “só nos interessa o poder em si. Nem riqueza, nem luxo, nem vida longa, nem felicidade: só o poder pelo poder, poder puro”.

QUEM FOI GEROGE ORWELL?
George Orwell era o pseudônimo de Eric Arthur Blair, que nasceu em 1903 na Índia Britânica. Mudou-se ainda pequeno para a Inglaterra, onde estudou em escolas tradicionais, sempre demonstrando interesse pela escrita. Já adulto e com vários ensaios publicados, mudou-se para Paris, lutou na Guerra Civil Espanhola e publicou a novela A Revolução dos Bicho (1945), um de seus best-seller. Finalmente, em 1949, pouco antes da sua morte aos 46 anos de idade, publicou o clássico 1984, o livro de maior destaque do autor.

Certamente, George Orwell foi sagaz e comprovou sua sensibilidade política ao fazer do momento pós Segunda Guerra, uma oportunidade para, além de tentar se recuperar dos efeitos catastróficos, refletir sobre aspectos como a tortura e o uso da tecnologia. Para isso, no último romance antes de sua morte, produziu uma estrutura ficcional, porém muito familiar para nós, que, muitas vezes, mais parece ser história e falar do nosso tempo, seja ele o agora ou a época de lançamento de 1984.

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