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Da empatia ao feminismo, Fernanda Schindel conta como é ser uma escritora de primeira viagem.


Fotos tiradas pela nossa Colab Bruna Nogueira.


“Já teve dias em que parece que tudo o que conquistou com tanto esforço se esvai por água abaixo? Quando tudo na vida de Joana aparentava estar indo bem, e ela se via bem-sucedida em seu trabalho e feliz no relacionamento amoroso, sua vida, de repente, é soterrada por dias de decepção e angústia. Uma separação repentina – e sem explicações – e uma tragédia que acomete a mãe de Joana afeta toda a família. Porém, no instante em que Joana se vê sem saída, acaba descobrindo uma luz, a força espiritual capaz de trazer ensinamentos valiosos, curiosamente surgida quando mais precisava, e por quem menos se esperava”.

Essa é a sinopse do livro História de Joana, escrito pela brasileira de 27 anos, Fernanda Schindel, que publicou o primeiro livro que redigiu na vida em uma das editoras mais conhecidas no país, em uma única tentativa. A autora nasceu em Porto Alegre, estudou teatro na faculdade e após uma vida inteira apaixonada por artes e por viver personagens, resolveu criar sua própria história e conta como foi o processo escrita como uma autora iniciante.

Em seu romance de estreia, Fernanda apresenta uma mulher que tem tudo muito estável e muito certo até que um dia sua vida dela começa a desmoronar aos poucos. A escritora explica que a história é sobre “a realização de quando a gente percebe que está na hora de mudar, de se reinventar”.

“Nesse mesmo momento em que ela perde o trabalho e o marido acontece uma reconexão com a mãe dela, ela havia se afastado da mãe dela por questões de opiniões contrárias e ela acabou afastando todo mundo da família dela. Quando ela se vê sozinha quem dá suporte é a família, então ela tem uma reconexão com a mãe e as irmãs. São coisas assim que eu acho que todo mundo passa pelo menos uma vez na vida e que são fáceis de se identificar.”

Ao falar sobre como foi escrever seu primeiro livro, Schindel conta que sempre teve vontade e que constantemente tentou escrever, até mesmo quando era adolescente, mas sempre sentiu que seu próprio julgamento era maior do que sua habilidade de escrever. “Eu sempre quis fazer isso e sempre tive diários de coisas escritas. Quando eu precisei passar por uma operação na coluna, pensei que seria uma boa hora para sentar e juntar umas histórias. Algumas eram da minha vida, algumas de pessoas próximas a mim e algumas eu exagerava e inventava um pouco e aí surgiram as personagens”.

A autora explica que sentia vontade de falar sobre tudo e então começou a escrever muito. Diferente do que acontece com muitos autores, ela não passou pelo famoso bloqueio criativo – na verdade, foi o completamente oposto. Depois ter produzido bastante conteúdo, seu próximo passo foi fazer cortes para deixar a narrativa mais linear, com uma linha temporal dos acontecimentos mais clara. “Eu acho que no próximo livro eu vou fazer diferente, porque essas coisas de ter uma linearidade nas coisas me incomoda um pouco porque a gente não vive assim. A gente vive um dia e o outro dia pode não tem nada a ver com o que aconteceu antes, são coisas muito esparsas e pontuais que lá na frente a gente vê uma conexão, não é uma coisa tão óbvia assim. Então quero criar histórias mais cortadas ou histórias de várias pessoas”, afirma.

 

Processo de Publicação

Para a autora de primeira viagem, a parte mais difícil da escrita foi valorizar o seu próprio trabalho. Ela também comenta que ainda tem se esforça para explicar a história, já que ele foi uma combinação de experiências pessoais tão significativas que seu maior trabalho antes de publicar foi cortar informações. “Quando eu achei que eu tinha terminado, a primeira coisa que eu fiz foi mandar para a minha mãe e para a minha irmã. A minha irmã nunca terminou de ler, mas a minha mãe leu e disse que eu tinha que tentar publicar ele assim. Aí eu decidi mandar para as cinco editoras que eu considerava as maiores – e a primeira que eu mandei já aceitou o livro do jeito que estava”, conta.

A editora foi a Novo Século e o livro foi lançado sob o selo de primeiros livros de jovens escritores, conhecido como Talentos da Literatura Brasileira. Segundo a autora, a edição feita no livro foi mínima, já que ela cresceu lendo e sempre escreveu sobre tudo que lhe vinha à cabeça. Ao falar sobre o processo de publicação, Fernanda comenta que se sentiu mal orientada por parte da editora e lamenta a falta de um contato pessoal. “Eu não sabia nada e eu falei isso para a primeira pessoa que eu tive contato na editora. Aí eles fizeram tudo, da diagramação à publicação, mas eu acho que faltou um pouco me guiar, porque eu acho que eu faria algumas coisas diferentes. A única coisa que eu aprovei foram as capas. No final, eles não mexeram em quase nada, a não ser pontuação ou travessão, que eu não sabia muito. Mas quanto ao texto, eles não mudaram nada”, completa.

Durante a publicação de História de JoanaFernanda participou de algumas divulgações, mas diz que teve pouco contato com o público no geral, e recebeu mais retorno de seus amigos, familiares e conhecidos, que iam direto até ela para dar sua opinião. Após o lançamento do livro, a autora foi para o sul da França, encontrar com uma tia que mora na cidade de Seraincourt. Lá, ela se encontrou com outras mulheres que levam a escrita muito a sério, em especial a literatura feminina. “Minha tia trabalha com cultura há muito tempo e está sempre inserida nesses grupos. Quando eu cheguei lá, ela organizou esse evento em que nós doamos uma cópia do livro para a biblioteca da cidade e em troca eu palestrei. Eu pensei que não ia ter ninguém né, ninguém me conhece e sou brasileira! Quando eu cheguei lá tinha algumas pessoas, inclusive a prefeita da cidade!”, conta Schindel.

 

Literatura Feminina e Feminismo

Literatura feminina é uma literatura feita por mulheres para mulheres. Mesmo que não carregue a palavra “feminismo”, o gênero textual está intrinsecamente ligado ao movimento de empoderamento delas. São autoras relatando sua perspectiva de vida enquanto mulheres através de personagens principais que quase sempre são mulheres, com o objetivo de gerar identificação direta ou indireta com o público feminino. Vale a pena lembrar que o gênero não exclui de forma alguma os leitores homens, apenas relata vivências e experiências com as quais outras mulheres compreendem em um conceito mais íntimo. “A palestra na França foi muito importante porque a gente concordou que um livro escrito para mulheres pode ser lido por homens, mas ele vai ser entendido melhor por mulheres. Apesar da gente buscar uma igualdade, as mulheres ainda hoje passam por coisas que os homens não compreendem, então como a gente ainda não chegou em um ponto de total igualdade e compreensão entre os seres, algumas coisas de contextos sociais e até mesmo na área de trabalho são entendidas melhor por mulheres”.

O machismo impõe que mulheres se tornem mães e donas de casa, sempre pensando no conforto do outro. E a escrita, sob o ponto de vista da autora, pode re-significar isso. Muitas mulheres são criadas para cuidar do próximo, o que pode fazer delas serem mais empáticos, tornando-as capazes de entender melhor o problema do outro e escrever melhor sobre temáticas comuns e sociais. “Talvez seja uma questão cultural de criação, porque as mulheres praticamente em quase todas as culturas são produzidas para serem mães, então a gente tem que ter um conhecimento e uma relação empírica de se relacionar com qualquer ser e ajudar e confortar e dar carinho”, explica Fernanda.

Ao falar sobre a melhor parte de escrever um livro, a autora fala justamente sobre esse sentimento de empatia e o quanto ele significa para ela. “O mais importante de todo esse processo foi que eu provei para mim mesma que as coisas que eu sinto podem ser identificadas por outras pessoas e que isso pode se transformar em inspiração e motivação, conseguir tocar pessoas para mim foi o melhor”.

 

O Caminho para Novos Escritores

“Parece que eu fiz o movimento contrário, ao invés de conhecer a área para depois trabalhar nela, eu primeiro publiquei o livro para só depois conhecer a área. Eu tive muito contato com outros escritores, fizemos trocas de livros e a gente conversa, e eu vi que o que para mim basicamente não foi tão difícil, outras pessoas têm encontrado mais dificuldade.”

Publicar no Brasil não é uma tarefa fácil, ainda mais quando se leva em conta a crise editorial que está tomando conta do país. Em 2017, a Cosac Naify, uma das maiores editoras brasileiras, fechou as portas. Em 2018, a Livraria Cultura declarou falência, embalo que pode ser seguido pela Saraiva que tenta sair do vermelho, com dívidas que chegam a R$ 675 milhões, fechando uma loja atrás da outra.

No dia 27 de novembro, o editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, publicou uma carta aberta a respeito do atual cenário. “O livro é a única mídia que resistiu globalmente a um processo de disrupção grave. Mas no Brasil de hoje, a história é outra. Muitas cidades brasileiras ficarão sem livrarias e as editoras terão dificuldades de escoar seus livros e de fazer frente a um significativo prejuízo acumulado”, pontuou Schwarcz.

Diante de números nada animadores no mercado editorial, a pergunta paira: E para quem escreve? O que resta? Luiz acredita que ainda há esperança para livros impressos e finaliza sua carta aberta pedindo que os leitores divulguem e comprem mais exemplares. “Divulguem livros com especialíssima atenção ao editor pequeno que precisa da venda imediata para continuar existindo, pensem no editor humanista que defende a diversidade, não só entre raças, gêneros, credos e ideais, mas também a diversidade entre os livros de ambição comercial discreta e os de ambição de venda mais ampla. Todos os tipos de livro precisam sobreviver”, afirmou.

É preciso, no entanto, que se leve em conta que a crise que atinge as editoras agora é a mesma que vem afundando jornais e revistas no mundo inteiro. A tecnologia é vista por muitos como uma competidora desleal, mas é inegável a sua força. A venda e a divulgação de e-books tem sido cada vez maior, e é possível fazer dinheiro e uma carreira em cima desse meio. Não é atoa que o Kindle tem crescido cada vez mais no ranking de vendas da Amazon. O tablet de leitura se tornou até mesmo um veículo de publicação, publicando, no dia 4 de dezembro, uma coleção de 30 contos de autores brasileiros contemporâneos.

É importante ressaltar que Fernanda Schindel tem apenas 26 anos e escreveu porque sentia que precisava escrever, e não porque tinha a certeza de qualquer retorno financeiro ou apenas profissional. Não é um caminho traçado por muitos, mas talvez seja o melhor para quem sonha em ver um livro de sua autoria nas prateleiras de uma livraria. Enquanto houver leitores, haverá livros, seja qual for o formato. Se o mercado impresso está difícil, se lançar no mundo online pode acabar sendo até mais recompensador. Para jovens escritores ou para os amantes da literatura que não sabem por onde começar, Schindel deixa um conselho:

Comece a escrever por coisas com que você se relaciona, escreva da sua própria experiência, da experiência pelos olhos de outras pessoas, compreenda outros pontos de vista e coloque para tudo o que sentir. A gente sente muita coisa e só se dá conta quando a gente coloca para fora. Ficar segurando ou escrever só uma frase não é o suficiente, quanto mais você puder exercitar a visão sobre as coisas melhor escritor você irá se tornar”.


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