fbpx
Em exercício de provocação sensorial, Shyamalan faz de "Tempo" uma jornada de enfrentamento da perda do tempo de viver.

Em exercício de provocação sensorial, Shyamalan faz de “Tempo” uma jornada de enfrentamento da perda do tempo de viver.


AAo longo de sua carreira, alçada a alta expectativa após O Sexto Sentido (1999) e frequentemente questionada a cada novo filme que vinha ao mundo, M. Night Shyamalan se manteve fiel a uma essência de cinema e visão de mundo que lhe parecem fundamentais – até mesmo em obras “encomendadas”, como O Último Mestre do Ar (2010) e Depois da Terra (2013).

Esse mote principal que guia o seu trabalho está ligado a uma visão de como a vida por si só e a simples existência já são extraordinárias – uma visão que ele gosta de trabalhar pela via da tomada de consciência das personagens em experiências que tangenciam o místico e, porque não, o sobrenatural. Tempo reafirma a disposição do diretor a estes temas em mais um confronto com uma “anomalia natural” (como um personagem verbaliza em dado momento da trama), mas, desta vez, Shyamalan busca uma encenação um pouco mais radical e propõe, então, um jogo de provocação sensorial muito eficiente.

O que o novo filme faz muito bem desde a primeira cena é dar conta de outra virtude espalhada pela filmografia de seu realizador: a capacidade de construir um drama forte a partir de relações de intimidade entre as personagens.

É deste intimismo que acompanhamos uma família formada por um casal em crise (interpretados por Gael Garcia Bernal e Vicky Krieps) que se hospeda em um resort luxuoso, com seus dois filhos, a fim de superar o momento caótico da relação. Ao aceitarem a sugestão de passar uma tarde em uma praia paradisíaca afastada, a família se vê presa nesse reduto de beleza natural com outros pequenos grupos e casais, tendo que lidar com questões intrínsecas de cada um a partir de uma misteriosa e sinistra revelação: o tempo passa acelerado naquela praia e todos ali estão envelhecendo muito mais rápido do que o normal.

Nesse sentido, Shyamalan faz um filme de terror que não se pauta nos jump scares ou em uma atmosfera opressora. Em Tempo, o medo é alcançado a partir de uma das maiores dores do ser humano: justamente a passagem acelerada de tempo, os seus efeitos em nós e a iminência da morte. Porém, o principal anseio não é tanto a chegada do fim, mas sim a consciência de que não será possível viver o presente antes dele.

Convergindo as duas virtudes máximas já citadas aqui, os minutos iniciais tomam algum tempo para apresentar as personagens que ficarão isoladas em conjunto na praia só para que o espectador entenda a dinâmica de cada família e, minimamente, algumas características importantes de cada um dos indivíduos.

Deste primeiro encontro em diante fica evidente que a profundidade de Tempo não está nos diálogos inócuos que não discutem a passagem da vida ou a perda de oportunidades de vivermos bons momentos, mas sim na sequência ininterrupta de novas situações de provação e superação que as personagens vão passando, sempre trazendo uma resolução de reconciliação entre algumas delas.

O mais interessante é que Shyamalan entende a sensação de desnorteio das personagens e encontra uma forma de dar vida a ela por meio da encenação. A câmera do diretor pivota a todo momento, entre idas e vindas das extremidades da praia trafegando ao redor dos rostos atônitos de incompreensão dos atores.

Este uso de close-ups mais pontual, sempre capturando um elenco muito bem alinhado (especialmente Bernal e Krieps, assim como Alex Wolff e Thomasin McKenzie, que vivem as versões adolescentes das crianças) asseguram o intimismo, a humanidade e a verdade para toda essa visão sobrenatural e fantasiosa que Shyamalan constrói naquela ambientação. Ademais, a forma como ele enquadra é sempre pautada em uma deformação do ambiente por meio do foco e de um jogo com a profundidade de campo, brincando com as dimensões do que está em plano e causando uma forte sensação de estranhamento visual.

Já nos minutos finais, Tempo tem um encerramento conflituoso porque o diretor e roteirista encontra um desfecho tocante, íntimo e bonito que arremata tanto a temática quanto os acontecimentos do enredo, mas segue em sequência para uma exposição desnecessariamente. Uma pena porque Shyamalan é dos diretores que mais abraçam a fantasia e o ficcional como um elemento criativo e provocativo em seus filmes, algo que sobretudo o cinema hollywoodiano tem precisado cada vez mais frente a mesmice de longas que prezam por uma estética clean e realista pouco inspirada.

Mesmo assim, Tempo mostra que talvez seja mesmo hora de termos um pouco mais de fé no cinema e aproveitarmos mais de filmes de realizadores como Shyamalan, antes que estejamos velhos demais para percebermos que deixamos escapar o valor de bons momentos por motivos bobos.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Back To Top