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Pela Janela (2017) trabalha uma abordagem naturalista e o foco na simplicidade para tratar das pequenas belezas e durezas da vida.

Pela Janela (2017), co-produção Brasil/Argentina tem roteiro, direção e montagem assinados pela estreante Caroline Leone. Natural de São Paulo, Caroline já conseguiu deixar claro logo, com seu primeiro longa, que não está para brincadeira. Sua experiência como montadora certamente contribuiu para formar o olhar apurado que ela já demonstra logo de cara. O filme chega aos cinemas brasileiros depois de conquistar o prêmio FIPRESCI Award, concedido no Festival de Rotterdan pela Internacional Film Journalists a cineastas estreantes.

O foco principal do road-movie está em contar a história de Rosália (Magali Biff), uma mulher com 65 anos, que acaba de ser demitida de uma indústria de reatores onde trabalhou como chefe de produção por 30 anos. Vivendo uma vida completamente pacata e previsível, entre sua casa e o trabalho, com uma rotina muito bem definida, ela se vê completamente sem rumo e sem perspectiva após receber a notícia da demissão – que se deu em função de uma fusão na empresa. À convite do irmão (com quem divide a casa), ela acaba seguindo com ele numa viagem a trabalho, de carro, até a capital da Argentina, Buenos Aires.  Essa viagem servirá como uma espécie de catarse para Rosália uma vez que ela se vê, pela primeira vez, em um mundo completamente desconhecido e longe de sua rotina “confortável” e habitual.

O filme possui uma estrutura relativamente muito simples e esse é, justamente, um de seus maiores méritos. Com personagens claros e muito bem construídos, além de uma estética muito naturalista, um dos grandes trunfos da direção está no fato de que o filme consegue, durante toda a exibição, transportar o espectador para dentro da trama, acompanhando e vivenciando os dilemas não só daquela mulher como de quem convive com ela. Ficamos completamente hipnotizados pela jornada e pelas aventuras da dupla ao longo do percurso. A escassez de diálogos dá um tom mais realista e contribui para reforçar os signos e linguagens subjetivas presentes na narrativa de forma muito bem resolvida, fugindo dos didatismos, do romantismo e, principalmente, de mirabolâncias.

Podemos dizer que Pela Janela é um filme onde aparentemente nada acontece, mas tudo absolutamente acontece. E esse jogo criado com o espectador é bastante envolvente e sedutor, resultando numa obra crível e ao mesmo tempo, muito sensível. A montagem de Caroline Leone coloca o espectador no lugar dos personagens, trazendo uma visão diferente da que estamos habituados quando estamos diante de uma produção cinematográfica.

Pela Janela destaca a poesia do cotidiano e a beleza presente nas coisas simples da vida. É também um filme sobre a capacidade que temos de reinventarmos sempre que necessário. Destaque para a brilhante atuação da atriz Magali Biff, veterana dos palcos (são mais de 35 anos de carreira no teatro), mas que já demonstra uma intimidade surpreendente com a câmera. Tanto que ela poderá ser vista em mais dois filmes que serão lançados ao longo do ano: Deserto, de Guilherme Weber e Açúcar, de Renata Pinheiro.

No geral, as interpretações são bastante minimalistas, focada nas ações, na cumplicidade entre os personagens e também no olhar, características marcantes da produção. Cacá Amaral, no papel de José, o irmão de Rosália também dá um show de entrosamento com a protagonista.

Rosália (Magali Biff) ao lado de seu irmão José (Cacá Amaral)

Uma das cenas mais emblemáticas escritas por Leone é a passagem dos irmãos pelas Cataratas do Iguaçu. A longa sequência tem tomadas bastante fortes, evidenciando os dilemas, a cumplicidade entre os irmãos e exemplificando o ápice do processo de mudança da personagem, que vai se abrindo para a possibilidade do novo e para um processo de autoconhecimento ao longo dessa viagem.

O longa ainda se edifica como um retrato do Brasil atual, onde tantas Rosálias perdem seus empregos diariamente e são obrigadas a se reinventar para sobreviver. Apesar da escolha da roteirista por contar a história de uma mulher, a trama poderia se passar com qualquer outra pessoa. Outro ponto bastante interessante e corajoso do roteiro é que o filme aborda a velhice de um modo muito franco, mostrando como essas pessoas são substituídas no mercado de trabalho e como a sociedade convive com quem já passou dos 60.

Um dos grande méritos de Pela Janela é falar da realidade de uma forma que pode parecer despretensiosa, mas que vem carregada de simbolismos e de muita verdade. Definitivamente não se trata de um filme fácil e previsível, mas de um longa delicioso, muito bem construído e dirigido de uma forma que permite muitas leituras.


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