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OKJA: Manifestos e a Gastronomia Orgânica

"Okja", filme da Netflix, faz uma crítica pertinente ao mundo da gastronomia e do consumo, se inspirando em casos e pessoas reais.

“Okja”, filme da Netflix, faz uma crítica pertinente ao mundo da gastronomia e do consumo, se inspirando em casos e pessoas reais.


OO filme original da Netflix responsável pela polêmica no último festival de Cannes, Okja, é também uma produção que trabalha com gastronomia sob vários aspectos, mesmo que o faça, em alguns momentos, de uma forma indigesta. A referência está no fato de que o grande movimento referência na gastronomia atualmente estar na sustentabilidade, na comida orgânica e no vinho orgânico e biodinâmico, na tendência ao vegetarianismo e ao veganismo.

Chefs renomados fazem uma conversão parcial ou radical nesta direção, restaurantes vegetarianos em cidades cosmopolitas e com visão de mundo avançada como Berlim e Copenhaguen lideram esta referência, que abrange não apenas a comida mas um estilo de vida em geral. As cafeterias que utilizam de grãos orgânicos garimpados em comunidades que se tornam autossustentáveis devido a produção do café para a própria cafeteria, destas que são frequentadas por hipsters lenhadores que nunca viram um machado na vida e que chegam dirigindo suas bikes, pode ser um clichê contemporâneo, mas ao menos é um clichê saudável.

Importado da Escandinávia, este movimento nos EUA chegou pelo Brooklyn e desembocou finalmente em Manhattan, a ilha que transforma movimentos alternativos de grande aceitação da gastronomia em mainstream, profissionalizando-os no conceito nova yorkino e tornando-os menos espontâneos, mais formatados e vendidos por uma estratégia de marketing feroz.

Jean Georges Vongerichten e David Bouley são exemplos de dois Chefs de expressão internacional, radicados em Nova York, que agregaram recentemente ao seu trabalho a filosofia de sustentabilidade e da busca da qualidade de vida. Jean Georges o fez em seu mais novo restaurante dentro do ABC Carpets divulgando um cardápio que, além de ser totalmente orgânico, foi concebido para “emitir boas vibrações”; enquanto David Bouley reformou seu restaurante e cardápio em Tribeca renomeando-o como Bouley Botanical.

David Bouley na cozinha de um de seus restaurantes

Em julho passado, Bouley divulgou um “Jantar Vegetariano Sensual” com a proposta de uma “Biohacking adventure”, parte da experiência maior do projeto “The Chef and The Doctor” que abrange uma experiência de “multiculinária” em uma série de vários pratos com foco na saúde e em parceria com médicos reconhecidos internacionalmente.

Especificamente neste “Jantar Vegetariano Sensual” a parceria é com Ben Greenfield, descrito no convite como um “coach de human body e de human brain”, ex-boybuilder, triatleta ironman, consultor de anti-envelhecimento, palestrante e autor do livro “Beyond Training: Mastering Endurance, Health and Life”.

No evento, Greenfield discutiu seu “unique set of cuttin-edge brain and body biohacking techniques” seguindo de um “wellness” inspirado jantar de muitos pratos criado e preparado por David Bouley. O jantar foi totalmente vegetariano, onde os participantes além de degustaram produtos orgânicos frescos de verão ainda o fizeram num ambiente cercados por 400 espécimes de plantas cultivadas pela técnica biodinâmica da “Greenhouse” de Nova Inglaterra.

 

OKJA e o Lado Negro da Indústria da Sustentabilidade

A temática e o sucesso de Okja é puro ano de 2017 por ser mais um filme-manifesto (ótimo, por sinal) do diretor, por tratar do tema da sustentabilidade e do vegetarianismo na alimentação opondo seus ativistas e as corporações que comercializam o conceito e por ter conseguido entrar na competição oficial do cult Festival de Cannes, mesmo tendo sido apenas lançado na plataforma de streaming da Netflix.

Okja acerta em tudo: na proposta da megacorporação Mirando de criar um porco gigantesco que teria vindo de uma fazenda “remota” no Chile, de desenvolvê-lo durante 10 anos por “pequenos produtores” em vários paraísos ecológicos do mundo para depois comercializar seus cortes de carnes abundantes, supostamente orgânicos, saudáveis e ecologicamente sustentáveis à preços baratos. É enfim, o tema do momento.

Na verdade, o porco era transgênico e sua criação pelos pequenos produtores em santuários ecológicos foi apenas a absorção e utilização pelo mainstream do conceito estrutural dos adeptos da sustentabilidade, usado aqui como o marketing para o lançamento do produto. Os planos da empresa, contudo, sofrem um baque quando a menina sul coreana criadora da porca Okja se une à um grupo de “ativistas vegetarianos pacíficos” para resgatar Okja na festa de lançamento do produto em Nova York.

É brilhante a cena em que a criadora do projeto e presidente da empresa, interpretada por Tilda Swinton, da pânico da falência eminente devido a postagem no Youtube da tumultuada tentativa do resgate de Okja pelos ativistas na Coréia do Sul à certeza do sucesso ao ter a ideia de converter a menina e absorver sua figura que atende a toda a expectativa do momento – sendo “jovem, bonita, mulher, ecológica e autossustentável” – como imagem de sua empresa.

O tom do filme é muito ajustado, alternando comédia leve com cenas fortes, como o retrato frio de abatedouros, fazendo um manifesto a favor dos animais e contra os interesses das grandes indústrias. Okja critica e denuncia o marketing “orgânico” vazio, mas ri, também, de clichês como o do apresentador dos programas “fofos” de animais vestido com bermuda e chapéu (Jake Gyllenhaal), dos ativistas – na cena em que um deles passa fome porque se recusava a comer até mesmo uma fruta por estar supostamente carregada de agrotóxicos e por ter sido transportada por caminhões que liberam gás carbônico – e da alta gastronomia – na cena onde os degustadores (tastings) provam e avaliam com empáfia porções mínimas e elegantes do porco gigante em louça branca estilizada.

Cena de Okja, filme da Netflix

É curioso pensar que o “filme-manifesto” que Okja se mostrou ser foi vítima, por sua vez, de outro posicionamento forte, feito por Pedro Almodóvar, presidente do júri em Cannes, que se posicionou contra a participação de filmes que não serão exibidos no cinema na corrida pela Palma de Ouro. Como os que antigamente defendiam a supremacia do “mistério” das novelas de rádio sobre a linguagem da TV, o antes ousado e inovador Almodóvar assumiu uma postura conservadora defendendo a sagrada experiência de ir até a sala de cinema, em detrimento de assistir a um filme – mesmo que ótimo – unicamente por um serviço de streaming, ou no sofá de casa.

Mesmo perdendo, a presença de Okja em Cannes foi ponto para a Netflix, a empresa que num momento de conservadorismo do mercado infelizmente começou a cancelar séries ousadas – felizmente decidiu fazer o episódio final da série Sense8 em 2018 – mas que renovou de forma irrevogável o formato de exibição, o conteúdo e a linguagem em séries e filmes.


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