fbpx
"O Poço" trabalha o terror para levar o espectador a questionar o sistema capitalista que vivemos e a falta de ações para o bem coletivo.

“O Poço” trabalha o terror para levar o espectador a questionar o sistema capitalista que vivemos e a falta de ações para o bem coletivo.


UUma prisão vertical onde tudo que se tem para fazer é esperar a hora da comida. É com essa premissa simples que O Poço, novo longa espanhol da Netflix, tem seu inicio. O filme que parece ter uma camada simples de terror sanguinário revela, aos poucos, críticas e analogias a respeito do sistema capitalista e da vida em sociedade na contemporaneidade.

https://www.youtube.com/watch?v=IKoURpr85pI

De forma óbvia, Galder Gaztelu-Urrutia usa seu filme para nos inserir em uma amostra rudimentar da estruturas capitalistas. Nesta amostra, existem apenas três tipos de pessoas: “as de cima, as de baixo e as que caem”, como é explicado logo no inicio. As pessoas de cima têm acesso ao principal recurso, a comida abundante, sem se preocupar com as de baixo que dependem da sua boa vontade para se alimentar. Aos poucos, a loucura do encarceramento alcança dos mais afortunados até os menos, transformando-os nas pessoas que caem.

Rapidamente, nos vemos imersos na história de Goreng, interpretado brilhantemente por Ivan Massagué, já veterano do gênero de terror por conta do filme O Labirinto do Fauno, que logo se mostra como mais afortunado que a maioria de seus colegas. O protagonista entrou voluntariamente no poço, iniciando sua jornada em um piso intermediário, onde a comida ainda chega. No entanto, o que parece fortuna apenas complica a situação do personagem, que não está preparada para lidar com o funcionamento do sistema.

Logo é possível perceber a principal mensagem anticapitalista de O Poço. Em um sistema onde os recursos não são divididos de maneira igualitária, até a pessoa mais inocente precisa ir ao extremo para sobreviver. Assim, acompanhamos o protagonista em um processo de transformação em um canibal, percebendo a violência como única forma de comunicação ali dentro, passando por uma queda na sua esperança ao ser traído diversas vezes, enquanto escuta os gritos de quem se encontra em um piso baixo demais para sobreviver.

Com um cenário enxuto, a obra consegue fazer com que cada ação dentro do poço seja um motivo de desconfiança. Cada frase, cada olhar, juntamente com os delírios de Goreng, serve para nos inserir no terror de estar constantemente em um sistema injusto, de recursos abundantes e ao mesmo tempo escassos, onde o egoísmo humano toma proporções inimagináveis, se tornando quase um passatempo.

Apenas um “Messias” poderia ajustar um sistema tão grandioso e é exatamente este papel que Goreng toma para si, sacrificando seus privilégios na busca de um bem maior. Na tentativa de uma divisão justa e igualitária, vemos o protagonista de O Poço enfrentar os sete pecados capitais, representado pela visão que cada outra figura que perpassa seu caminho tem não só do lugar onde estão, mas também pela relação que possuem com os objetos que levaram ali para dentro. A Gula, por exemplo, é representada no personagem que ameaça rasgar a barriga de seu companheiro de cela para comer o alimento dado a ele. A Ganância, por sua vez, está no homem que opta por levar dinheiro para como seu objeto para “o poço”.

Em uma sequência brutal, somos obrigados da forma mais cruel a entender que a solidariedade espontânea talvez não seja uma opção quando já estamos acostumados com todo um sistema de opressão e rigidez. De forma explicita, a obra explica a necessidade de uma revolução para que a mudança aconteça. No entanto, a mudança precisa vir de cima, literalmente. Ao entenderem que a violência é o que já se espera deles, os personagens articulam um plano para mandar uma mensagem final de solidariedade.

Assistir O Poço, pode parecer uma tarefa fácil de início, mas com certeza não é. Toda a violência exposta e a angústia que o longa causa é apenas uma mera ilustração de uma realidade muito mais assustadora que vivemos, onde os personagens não tem um limite de tempo para sair da miséria. Quando percebemos isso, o peso do enredo aumenta muito, e temos que lembrar de que assisti-lo trata-se de uma tarefa muito árdua, mas também extremamente necessária. Algo que podemos relacionar à jornada de descenso e ascensão de Goreng.

O Poço é facilmente um daqueles filmes que a história ganha profundidade conforme é discutida. A experiência individual pode ser engrandecedora, levantando novos pontos tanto dentro da própria discussão proposta pelo filme, quanto em novas desenvolvidas ali.

Em minha opinião, a obra passa longe de uma mensagem de esperança, sendo mais uma pequena amostra do que acontecerá caso a sociedade não entenda a necessidade do fim da desigualdade social. O filme praticamente nos bate na cara e diz: a sociedade irá ruir, retornaremos a selvageria, se é que um dia fomos de fato capazes de escapar dela.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Retomada
Matheus Moura

Retomada / “Elon Não Acredita na Morte” (2016)

Em uma Belo Horizonte cinza e labiríntica, Elon (Rômulo Braga) – personagem central de Elon Não Acredita na Morte – é sufocado durante sua incessante busca por sua esposa Madalena (Clara Choveaux). O filme lida com a dor dele pela falta, ausência essa que nunca é efetivamente materializada. “Tu ama demais, sufoca”, diz a amiga de Madalena, logo no início da projeção. Elon percorre um terreno movediço, onde a neurose dele se consolida como tema central do filme, que é sustentado pelo uso de pouca luz, o aumento do contraste evidenciando as sombras e a íris da objetiva mais fechada –
Leia a matéria »
Filmes
Carolina Cassese

Os 15 anos de Meninas Malvadas

Nota do Editor: este é um texto colaborativo entre Bruna Curi e Carolina Cassese. Qual é o diferencial de Meninas Malvadas e por que o filme continua sendo tão popular? O longa, que completou 15 anos em abril, se tornou um verdadeiro clássico do ambiente high school, conseguindo a proeza de, mesmo depois de tantos anos, continuar agradar públicos diversos. Baseado no livro Queen Bees and Wannabes, de Rosalind Wiseman, e nas experiências escolares da roteirista Tina Fey, o filme gira em torno da vida de Cady Heron (Lindsay Lohan), uma adolescente que passou boa parte de sua vida morando

Leia a matéria »
Back To Top