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"O Homem Invisível" aposta no terror sugestivo, mas perde seu potencial para o thriller psicológico ao, tragicamente, tornar o vilão visível.

“O Homem Invisível” aposta no terror sugestivo, mas perde seu potencial para o thriller psicológico ao, tragicamente, tornar o vilão visível.


OO impacto do fracasso absurdo de A Múmia (2017) trouxe mudanças importantes nos projetos da Universal Pictures, que já são perceptíveis no novo O Homem Invisível (2020). Após o cancelamento da ideia estapafúrdia de reunir em um filme ou universo compartilhado os monstros consagrados da literatura gótica, o estúdio decidiu por seguir o caminho dos remakes de filmes individuais destas figuras, apostando em uma abordagem contemporânea do gênero de terror como caminho de sucesso.

De fato, fica um saldo positivo com a primeira tentativa na nova versão de O Homem Invisível, mas é intrigante que o diretor Leigh Whannell opta pelo caminho do resgaste de um estilo de horror que não dialoga perfeitamente com a temática central, criando um ruído em como ele trabalha o palpável e o sugestivo.

Pode soar contraditório, visto que a Sétima Arte é obviamente audiovisual, mas há uma dissonância nesta abordagem de Whannell. Os filmes do chamado Ciclo Gótico da década de 30 fizeram sucesso no studio system de Hollywood ao tratarem das criaturas como a personificação do mal, explorando do grafismo e do grotesco para um choque visual causado pelo medo de um mal palpável e passível de se personificar.

O que soa desconexo em O Homem Invisível é que o diretor opta por resgatar essa noção de mal na maneira com que apresenta o antagonista que dá nome ao filme, mas esse caminho é o que em dado momento cria o ruído entre a força da sugestão como potencial de terror e tensão. Whannell trabalha de forma sublime na primeira metade do longa ao ser paciente e compassado para enquadrar cenários enxutos em planos mais abertos do que o necessário, usando da profundidade de campo e dos espaços vazios na tela como possíveis ameaças invisíveis. É uma direção meticulosa que reforça o sentimento de ser observado, a sugestão da perseguição e da observação pelos movimentos de câmera que trabalham o fora de campo.

É justamente nessa proposta de uma ameaça abstrata, que pode estar em qualquer lugar e a todo momento rodeando a protagonista, que o primeiro ato e parte do segundo se sustentam, enervando o espectador e mergulhando-o em uma atmosfera angustiante. O ruído vem justamente desse conflito de ideias: tornar palpável a ameaça – e no caso de O Homem Invisível a revelação seria um spoiler aqui – ou então mantê-la como um mistério até o clímax, conservando a possibilidade de uma intervenção sobrenatural ou de um devaneio da protagonista que garantem uma abstração do antagonista título.

Com a direção de Leigh Whannell, que deixa espaços vazios na tela reforçando a ideia de que estamos diante de algo invisível, Elizabeth Moss entrega um atuação de grande peso.

Assim, a força do terror sugestivo trabalho brilhantemente no primeiro terço da obra dá lugar a um thriller de ação que parte para o combate físico como resolução de toda a problemática criada na jornada de Cecilia (Elisabeth Moss), uma mulher que foge de um relacionamento abusivo com o cientista milionário Adrian (Oliver Jackson-Cohen), passando a lidar com os traumas e fantasmas que esse tipo de relação cria na vítima. Depois que ele comete suicídio, Cecilia passa a ser atormentada por fenômenos de aparência sobrenatural que a fazem suspeitar de que Adrian encontrou uma forma de ficar invisível e, na verdade, forjou sua morte para poder atormenta-la.

O enredo de O Homem Invisível já demonstra esse potencial para uma dualidade em um terror psicológico, mas o diretor opta por deixar clara a existência de algo ou alguém perturbando a protagonista e essa escolha volta de uma forma mais concreta já no final do segundo ato, terminando por concretizar esse esvaziamento.

No centro de tudo, está a atuação fantástica de Elisabeth Moss. A atriz segura as pontas de um roteiro que é raso em discurso, agregando camadas à personagem e ao processo de se reinserir em uma vida cotidiana livre das amarras e do terror impostos por um relacionamento abusivo. Ainda, Moss leva a protagonista do alívio momentâneo, ao completo desespero, ao olhar vazio de desolação e desesperança, que também passa por traços de loucura e devaneio sempre com naturalidade, em mais uma atuação soberba de sua carreira. Estes últimos são justamente os sentimentos que poderiam ser mais trabalhados no longa para criar alguma dualidade ou sugestão de loucura da personagem.

Sem essa possibilidade de se questionar a lucidez da protagonista – e vale dizer que, em momento algum, essa tentativa tangenciaria uma questão temática que poderia ser problemática ao culpar a vítima – O Homem Invisível se assume mais como um resgate da essência dos filmes do Ciclo Gótico envelopados na atualização temática para o mundo contemporâneo, do que de fato uma renovação dentro do subgênero dos filmes de monstros.

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