Carregado pelo carisma e boa atuação de Gary Oldman, O Destino de Uma Nação traz um olhar sombrio e nebuloso para a Segunda Guerra Mundial.
As primeiras cenas de O Destino de uma Nação (2017) revelam imagens de arquivo de um exército marchando sob o discurso de um temido ditador. A ambientação não poderia ser mais sombria. Filmes sobre a Segunda Guerra sempre serão um terreno fértil para discutir os contextos da vida civilizada; trata-se de um episódio amargamente definitivo na história da humanidade. Como toda narrativa, precisamos de heróis e vilões. No referido caso, precisamos de líderes, de guias, de uma ilhota luminosa num oceano de escuridão, e existem caminhos fáceis para escolhê-los e prosseguir com a trama. Entretanto, usufruindo de sutil ousadia, O Destino de uma Nação direciona seus holofotes para uma improvável razão: a voz de uma população.
Estrelando Gary Oldman no papel de Winston Churchill, acompanhamos sua jornada como recém nomeado primeiro-ministro durante alguns dias do ano de 1940. O exército nazista havia conquistado territórios de países estrategicamente importantes e se consolidou como uma ameaça direta ao território britânico. Em meio aos conflitos internos do parlamento, à insegurança da realeza e aos temores enfrentados pelas tropas no continente, Churchill precisa articular corretamente a situação para manter a ordem do país.
Joe Wright é famoso pelos seus “oscar-baits”: filmes produzidos com tamanho cuidado estético e publicitário que a indicação às categorias do prêmio da academia acaba se tornando um lugar comum. Alguns exemplos de trabalhos do diretor incluem Jane Eyre (2011), Anna Karenina (2012), Desejo & Reparação (2007) e Orgulho & Preconceito (2005). Nem todo “oscar-bait” é ruim, mas a maioria costuma ser acomodada, inofensiva e pouco impactante sob a ótica de tempos posteriores. Não me julgarei responsável por dizer qual o futuro de O Destino de Uma Nação. Me atentarei às impressões iniciais.
A narrativa não é fácil. São muitos eventos para desenvolver e o filme não consegue se livrar de extensos diálogos expositivos, repetitivos e, muitas vezes, enfadonhos. Um filme que pode parecer necessitado de ritmo. A escolha de marcar a passagem dos dias consegue aliar didatismo ingênuo com um toque de maestria, ao embutir efeitos sonoros que me pareceram o de caixões fechando.
Contudo, temos um protagonista dotado de carisma verossímil e retratado com uma imponência ímpar. Gary Oldman está espetacular; irreconhecível diante da maquiagem ultra-realista, o ator impressiona por aliar uma de suas principais habilidades (discursos rigorosos e esbravejados) com um inesperado timing cômico. Sua dedicação é genuína, e se não é o melhor papel de sua carreira, pelo menos é um dos mais merecidos destaques.
Estendo meus elogios ao elenco de forma geral. Ben Mendelsohn como Rei George VI e Kristin Scott Thomas como Clementine Churchill estão afinadíssimos. O primeiro demonstra articulação certeira na voz e na postura para realçar suas incertezas diante do papel real, características que sempre foram a marca inconfundível do monarca. A segunda é competente ao embutir personalidade a uma figura predestinada ao segundo plano. Arrisco dizer que, se passamos a enxergar as principais fraquezas do protagonista, algo fundamental para a nossa imersão na narrativa, isso se deve majoritariamente às recaídas emocionais diante de sua amante.

Todo esse desenvolvimento de personagens não teria o mesmo sucesso sem os cuidados impecáveis com a captação das imagens e a devida iluminação, responsabilidade do diretor de fotografia Bruno Delbonnel (responsável também por Amélie Poulain, Harry Potter e o Enigma do Príncipe e Inside Llewyn Davis). A maneira como são aplicadas diferentes posições de luz para representar Churchill denota uma vontade de retratar o político em todos os seus espectros. Temos uma insistência em internas rodadas em planos abertos com um ou dois focos de luz sobre algum personagem – o primeiro encontro de Churchill com o Rei é o exemplo-chave: são ícones, idealizações, antro de esperanças depositadas em figuras singulares. Agora, compare esse plano com o maravilhoso momento em que o primeiro-ministro encontra-se sozinho após uma conversa telefônica, sem solução aparente para a crise que enfrenta. A força do filme reside nesses contrapontos.
Igualmente insistente são os plongées absolutos, com alguns deles aliando efeitos visuais e fotografia ao posicionar os personagens como meros pontinhos num mapa fadado à destruição. Contudo, os trackings que pintam os cidadãos comuns de Londres me pareceram mais bem aplicados. Intercalando com a câmera subjetiva, cabe ao político identificar ali uma ferramenta real para a tomada de decisões.
Diferente do belo, porém apático, Lincoln, de Steven Spielberg, o filme de Joe Wright convence quando posiciona Churchill no papel de observador, vide a maravilhosa cena do metrô. Méritos também para a atriz Lily James, que contribui bastante na humanização do personagem principal ao se apresentar como Elizabeth Layton, uma simpática assistente pessoal e datilógrafa sem floreios artificiais e representada com o charme do cidadão comum. Ouso afirmar que o filme poderia ter sido muito maior se trabalhasse aquela moça como a verdadeira protagonista.

A recriação de época é eficiente, como toda produção do tipo costuma ser. Nada chegou a me impressionar de fato, com exceção da biblioteca particular no quarto de Churchill, da sala de mapas e de obras de arte que, em determinado momento no terceiro ato, aparecem curiosamente deitadas sobre algum móvel em vez de penduradas na parede. A trilha de Dario Marianelli merece aplausos por realçar a força das imagens com arpejos densos de piano e a ênfase dada aos staccatos graves. As leves melodias de sopros (evidente na peça “Winston and George”) ajudam a equilibrar a situação. Se em alguns momentos parece incessante, a ausência da trilha em certas sequências finais são um componente-chave para criar as fortes emoções que acompanham o desfecho do filme.
Com uma elegância admirável e demonstrando muito mais conteúdo do que parecia ter, O Destino de Uma Nação constitui poderosa representação. Suas maiores forças residem na confiança de um líder indeciso sobre um herói improvável e como isso reverberou para além de seu tempo. É, definitivamente, uma história advinda dos tempos mais nebulosos. Só não lhe direi qual deles.