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"Mulher-Maravilha 1984" segue o legado sólido de sua protagonista, em uma produção bem polida que mistura referências, esperança e carisma.

“Mulher-Maravilha 1984” segue o legado sólido de sua personagem-título, em uma produção bem polida que mistura referências e esperança em um filme divertido e cheio de carisma.


EEm um mundo dominado por homens vindos da tabela periódica (aço, ferro…), do reino animal (formiga, aranha, gavião) ou de uma simples junção de “algo+man”, uma super heroína se destaca pelas suas origens mitológicas. Fruto de um amor proibido e criada em uma ilha de mulheres guerreiras, Diana segue hoje como a maior e mais famosa super-heroína do gênero.

Com 78 anos de história, Diana veio a ganhar seu primeiro filme apenas em 2017, fruto de uma primeira aparição cinematográfica em 2016. Agora, em 2020, a filha de Hipólita ganha seu segundo longa solo, no ano que também marca os 45 anos da estreia da série homônima, estrelada por Lynda Carter.

Gal Gadot como Diana, a Mulher-Maravilha

E se você se pergunta qual a importância dessa curiosidade, a explicação é muito simples e virá em breve.

  — Crítica do filme “Mulher-Maravilha 1984”  

 

Lançamento conturbado

Mulher-Maravilha 1984 estreia estabelecendo alguns momentos históricos dentro e fora de sua narrativa. A principal é referente ao seu lançamento. Programado para chegar aos cinemas em dezembro de 2019, o filme dirigido por Patty Jenkins foi adiado para junho de 2020 para melhor comportar a pós-produção e “bater” com a data do primeiro lançamento – e, claro, com o concorrido verão estadunidense.

Com a pandemia do novo coronavírus fechando países do mundo todo, o lançamento ficou congelado em um limbo temporário até ser oficializado em data natalina: a película chegaria aos cinemas no dia 25 de dezembro de 2020. Porém, o anúncio foi marcado por uma estratégia que movimenta a internet até hoje: MM84 seria o pontapé de uma empreitada inédita, com a Warner Bros. lançando todos os seus filmes simultaneamente no streaming durante o ano de 2021 em uma janela de disponibilidade de 31 dias.

Mas ignorando a polêmica e focando em Mulher-Maravilha 1984, a produção cinematográfica de Patty Jenkins chega ao público narrando uma nova aventura para a super-heroína. Após salvar o mundo e por fim à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Diana Prince (Gal Gadot) se estabelece em Washington, DC, capital dos Estados Unidos. Servindo como uma curadora do Instituto Smithsoniano no ano de 1984, Prince passa a assumir sorrateiramente o seu manto de Mulher-Maravilha, embora sua anonimidade esteja começando a sumir com suas aparições mais frequentes diante o público. E é durante um destes atos de heroísmo que Diana se depara com o que virá a ser o fio condutor de sua nova aventura.

 

Maravilha 1984

Em sua nova empreitada, Patty Jenkins passa a assumir um pouco mais de autoridade com a nova história. Não só dirigindo e co-roteirizando o longa, a cineasta usa desse filme para estabelecer alguns pontos interessantes e entregar ao público o lado mais fantasioso de sua personagem. Enquanto Mulher-Maravilha (2017) se apresentava em um mundo mais complexo e sóbrio, com o conturbado momento histórico da Guerra, Mulher-Maravilha 1984 (2020) traz consigo uma pedra mágica capaz de transformar pessoas em animais e trazer almas de volta ao nosso plano.

Mas não só isso, o longa mostra-se como uma grande homenagem de Jenkins à mulher que iniciou toda a jornada de carne-e-osso desta personagem. Lynda Carter é quase como uma personagem onipresente no novo filme, responsável por fazer um resgate de uma estética não apenas oitentista, mas também à atmosfera da série que foi ao ar entre 1975 e 1979. Seja no uso de Washington, ou até na mecânica corrida de Diana durante o caos estabelecido pelos desejos, Patty faz questão de deixar claro para os fãs que muito dali se deve à Carter – e a cena pós-crédito não deixa dúvidas.

Kristen Wiig como Bárbara Minerva, a Mulher-Leopardo

Mulher-Maravilha 1984 triunfa também ao mostrar Gal Gadot mais madura e segura em seu papel. Talvez por certa liberdade criativa ganha como produtora, talvez pelo amadurecimento de sua atuação. O fato é que a atriz vem mais confiante, conseguindo capturar o público mesmo em momentos em que divide a tela com atores mais robustos, como Kristen Wiig e Pedro Pascal. Ainda sobre espaço para Gadot inserir um pouco de sua cultura (com cenas onde ela fala hebraico) e trazer para os fãs momentos muito aguardados, como um certo meio de transporte e um certo super-poder.

Ambos os atores citados a pouco, inclusive, adicionam camadas interessantes ao filme. Kristen Wiig prova-se capaz em papeis mais dramáticos (não que já não tenha feito isso antes, como no filme Irmãos Desastre), sendo responsável por algumas das melhores cenas do longa. Aqui, Wiig usa sua habilidade cômica como um artifício de muleta para sua personagem, o que torna Bárbara Minerva (ou Mulher-Leopardo, para os íntimos) ainda mais cativante e faz de seu posto como vilã um interessante arco a ser acompanhado – com direito até a alguns flertes correspondidos com a protagonista.

Pedro Pascal como Max Lord

Pedro Pascal, por outro lado, já brinca um pouco com uma versatilidade. Seu personagem, Max Lord, é um vilão que navega muito bem entre a megalomania, o egocentrismo e a completa falta de auto-estima e auto-confiança. Tudo que seu personagem faz é o resultado de uma noção perdida da necessidade de ser “bem-sucedido”, que muito conversa com uma época marcada pela absurda austeridade de seus milionários – é durante a década de 1980 que temos o então empresário Donald Trump mostrando ao mundo seu extravagante modo de vida, por exemplo, com o apartamento banhado a ouro.

É até mesmo interessante traçar um paralelo com seus dois famosos personagens: Oberyn Martell, em Game of Thrones, e Din Djarin, em O Mandaloriano, duas pessoas que se encontram pelo senso de honra e lealdade, carregando uma legião de fãs, mas que entrariam em completo desacordo com Lord, pela sua falta de escrúpulos e, claro, seu posto de vilão.

Mas ainda que a nova adaptação cinematográfica de Diana Prince seja positiva nesses quesitos, há algumas falhas que merecem serem abordadas. Mulher-Maravilha 1984 traz certos elementos narrativos que se encaixam um pouco perfeito demais na narrativa, como se algumas decisões tomadas ao longo do filme fossem resolvida por uma sequência de desejo não pronunciado.

Ainda, o retorno de Steve Trevor (Chris Pine) é crível, mas fica claro que sua presença ali serve apenas para “explicar” certos aspectos da Mulher-Maravilha que não deveriam ser atrelados à ele. Afinal, todo o cerne da existência da personagen-título baseia-se na completa independência da figura masculina. Ao mesmo tempo, a suspeita de Diana com Max, logo na primeira interação, é um pouco estranha – mas talvez isso seja explicado pela criação Amazona – assim como o súbito interesse da heroína com a tal pedra dos desejos, antes mesmo da descoberta dos atributos mágicos.

Alguns outros problemas, como o óbvio uso de bonecos em uma cena de salvamento, ou de um CGI borrado em uma cena aérea, não chegam a causar tanto ruído quanto a problemática levantada pela internet de que, mais uma vez, um filme estadunidense usa do esteriótipos de muçulmanos terroristas que só pensam em destruição e armas nucleares. Paralelamente, a única crítica que eu me recuso a aceitar é todo surto coletivo em torno do retorno de Trevor, em que o público (e até mesmo a imprensa) não só questiona a possessão corpórea não-autorizada do personagem de Pine, como ainda acusa Diana de estupro.

Aparentemente fantasmas agora precisam de uma declaração assinada para habitarem um corpo. Só não me pergunte onde está toda essa polvorosa discussão em filmes como o suspense O Exorcista (1973), o romance Todo Dia (2018), o terror Invocação do Mal (2013), as comédias Sexta-Feira Muito Louca (2013) e Garota Veneno (2002), ou o thriller de horror Possessor (2020).

Mesmo diante de erros, Patty Jenkins extrai bons momentos de seus personagens, dirigindo um filme que é eficiente em apresentar uma identidade própria mesmo diante de um longa carregado pelas suas referências e homenagens. Mulher-Maravilha 1984 pode não ser o melhor filme de super-herói já produzido, mas também não faz sentido nenhum a maré negativa que vem recebendo, resultado de um desmanche de cena-a-cena para achar erros e imperfeições.

O engraçado é que a última vez que isso aconteceu, o caso era Aves de Rapina (2020). E antes disso, Capitã Marvel (2019). Se você está vendo um padrão, talvez Freud explique, não é mesmo?

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