fbpx
"Mulan" propõe um live-action que se aproxima mais da lenda, sofrendo por não trazer nostalgia mas triunfando na produção e atuação.

“Mulan” propõe um live-action que se aproxima mais da lenda folclórico do que de um remake da animação original da Disney.


SSeguindo a proposta de produzir versões em live action de suas animações de sucesso, a Walt Disney Pictures lançou Mulan de carne e osso. O filme, diferente da versão animada lançada em 1998, aproxima-se mais da lenda folclórica chinesa sobre Hua Mulan, que deu origem à personagem.

A película traz a história de Mulan (Liu Yifei), uma jovem chinesa com grande aptidão para ser uma guerreira, mas que não pode seguir essa vocação por ser uma mulher. Quando uma guerra se aproxima e seu pai, Zhou (Tzi Ma), é convocado para lutar, ela decide ir no lugar dele sem o consentimento da família, pois teme que o genitor não sobreviva à batalha. Mulan disfarça-se de homem no exército, mantendo o cabelo preso, usando uma faixa sobre os seios e evitando tomar banho perto dos colegas. Logo que começam os treinamentos, é nítida a destreza da jovem nas batalhas.

Logo que surgiram as primeiras notícias sobre a gravação do longa, a Disney já havia alertado algumas grandes alterações e as justificado. A primeira foi a eliminação do personagem Mushu, um dragão que acompanha a protagonista em sua jornada. De acordo com o produtor, Jason Reed, colocar um dragão brincalhão poderia ser uma ofensa à cultura chinesa, uma vez que o animal representa respeito, força e poder e é muito valorizado pelo povo.

Niki Caro, a diretora, afirmou que a retirada de Mushu foi para aproximar o filme da realidade.Mushu era adorado como personagem da animação e um confidente de Mulan, mas a transposição para um filme levou a nos comprometermos com o realismo de sua jornada, e ela precisava ter aqueles laços com os outros soldados”, disse.

Ainda que ambas as justificativas façam sentido, a ausência de Mushu, que era o alívio cômico da história, deixou o filme mais pesado, o que foi ainda mais evidenciado pela outra mudança já alertada antes do lançamento: não haveriam as famosas canções. De acordo com Niki, músicas não combinam com o cenário de guerra. Em algumas cenas, aparecem versões instrumentais de algumas delas, mas em nenhum momento são tocadas novas versões de Reflection ou I’ll Make a Man Out Of You.

Tirar o Mushu para tornar o filme mais realista é relativamente compreensível, mas a ausência das canções marcantes eliminaram a possibilidade de sentir a tão esperada nostalgia que os live action vêm proporcionando aos fãs. É preciso ver Mulan com outros olhos, deixando um pouco de lado os sentimentos que a animação causou e marcou tanto nossas infâncias. E, convenhamos, é impossível fazer isso.

Uma outra modificação foi a retirada de Li Shang, o capitão do exército com quem Mulan vem a se relacionar. De acordo com Jason Reed, “ter um oficial comandante que também é o interesse amoroso e sexual da protagonista era muito desconfortável e não achamos apropriado”. Considerando que é importante ter esses questionamentos nas produções de remake, também é necessário levantar outro ponto: para muitas pessoas da comunidade LGBTQIA+, Li Shang era uma figura marcante, pois já demonstrava interesse em Mulan mesmo antes que se revelasse como mulher. Reed tentou contornar a situação, dizendo que não enxergava dessa maneira e que não houve qualquer tipo de preconceito. Por mais que a sexualidade de Li Shang ficasse somente no âmbito especulativo do público, é complicado de saber genuinamente quais foram as motivações da produção.

Mulan, Honghui e Comandante Tung

No final das contas, Li Shang foi dividido em dois personagens, o Comandante Tung (Donnie Yen), que torna-se o mentor da protagonista, e Honghui (Yoson An), que tem a mesma posição hierárquica da guerreira e é possível notar uma aproximação entre os dois. Por mais que entre Honghui e Mulan não tenha o mesmo frisson que a relação com Li Shang, pelo menos houve uma aproximação da jovem com outra pessoa do exército.

Entre tantos personagens e pontos sendo retirados, uma nova figura entrou e ganhou destaque. Uma personagem feminina foi adicionada à trama, fazendo um contraponto com a forte presença de homens nas cenas – obviamente pelo machismo na sociedade, que impedia as mulheres de se aproximarem das cenas de batalha. Xianniang (Li Gong), uma forte feiticeira, apareceu como a vilã da história, ao lado de Bori Khan (Jason Scott Lee), que orquestrava a invasão ao império.

A inserção da personagem é bem interessante para questionar Mulan sobre a escolha de entrar no exército sob um disfarce e o que isso poderia acarretar. Xian Lang consegue trazer algumas dinâmicas diferentes e marca presença em suas cenas, mas acredito que a personagem não tenha sido abordada com profundidade o suficiente para compreender sua história, motivações e decisões. Para ser bem honesta, gostei dela – mas não sei se sua ausência faria tanta diferença no filme.

Depois de tantas críticas, vamos falar de pontos positivos? Mulan foi o remake da Disney feito com orçamento mais caro (US$ 200 milhões) e é possível ver que os cenários, filmagens e figurinos foram executados da melhor maneira possível, criando um filme lindíssimo, com muita ação e momentos de tirar o fôlego.

A veterana Li Gong como Xianniang

Os momentos de luta têm muita precisão e efeitos fortes, porém realistas. Todo o figurino é muito bem feito, com destaque para a cena em que Mulan, sua mãe (Rosalind Chao) e irmã (Xana Tang) tomam chá com a casamenteira (Pei-Pei Cheng). Com grande riqueza de cores, texturas e detalhes, o momento mostra trajes e maquiagens típicos da cultura chinesa.

Liu Yifei, que dá vida à protagonista, merece uma grande salva de palmas pela performance. A atriz chinesa interpretou uma Mulan exímia, com movimentos perfeitos e emoções demonstradas somente com o olhar. Com forte presença em todas as cenas, Liu se saiu muito bem no papel e consegue executar bem uma personagem que era tão esperada pelo público.

Ainda que o live action tenha bons pontos, é difícil não se decepcionar quando há tanta expectativa e nostalgia envolvidas. Para quem não assistiu a animação ou não se lembra da história, Mulan talvez seja um bom filme, contudo, para quem sonhou tanto em ver o remake nas telas, a frustração pode acontecer. Os fãs queriam cantar e ver o Mushu, não dá para negar.

DAS TELAS PARA O STREAMING
A previsão de estreia de Mulan nos cinemas estava marcada para março deste ano, sendo adiada por causa da pandemia. Para ser exibido ainda em 2020, a Disney optou pela estreia em sua plataforma de streaming Disney+, além do lançamento internacional limitado em cinemas já reabertos. Nos EUA, o filme pode ser alugado à parte por US$ 29,99, ficando gratuito no catálogo a partir do dia 4 de dezembro. No Brasil, a plataforma chega apenas no dia 17 de novembro, devendo custar aproximadamente R$28,99 por mês – não se sabe, no entanto, se Mulan estará no catálogo de forma gratuita ou será necessário fazer aluguel a parte.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Televisão
Leonardo Parrela

Um olhar crítico e atual para o exercício jornalístico

“The Newsroom” é um importante ensaio mostrando o funcionamento das instituições jornalisticas, em uma série crítica, dinâmica e direta. O Jornalismo, provavelmente, é um dos campos mais romantizados na história da teledramaturgia. São muitos filmes, documentários, seriados e minisséries que o tema central envolve alguma ramificação da prática. Seja nos recentes Spotlight: Segredos Revelados (2015) e The Post: A Guerra Secreta (2017), ou no icônico Todos Os Homens do Presidente (1976), o exercício jornalístico sempre foi apresentado como uma possibilidade de justiça social e mudança no mundo, mas sem ser necessariamente problematizado. Atualmente, com o crescimento das ideologias e governos de

Leia a matéria »
Back To Top