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Em adaptação do teatro ao cinema, Florian Zeller transforma "Meu Pai" em uma experiência sensorial sobre a mente humana.

Em adaptação do teatro ao cinema, Florian Zeller transforma “Meu Pai” em uma experiência sensorial sobre a mente humana.


JJá é repetitivo dizer que o Cinema tem uma relação próxima do teatro, seja por sua origem ou pelo aproveitamento de peças para adaptações as telas. Meu Pai, filme dirigido por Florian Zeller que adapta a peça homônima criada pelo próprio diretor, é um grato exemplo de um exercício de adaptação bem-sucedido capaz de levar a dramaturgia do palco para às telas, com virtudes cinematográficas.

O grande mérito desta atividade prolifica é de Zeller. O estreante na função se mostra confortável para construir uma decupagem simples, porém rebuscada, com escolhas interessantes de como movimentar a câmera, enquadrar, trabalhar a movimentação dos atores e relaciona-los com o cenário, potencializando a dramaturgia sofrida e cortante que expõe os efeitos da velhice na memória de um homem.

Este protagonista é Anthony (interpretado por Anthony Hopkins), um senhor que lida com a perda de memória proveniente da alta idade e se encontra em uma encruzilhada: sua filha Anne (Olivia Colman) quer deixa-lo sob os cuidados de uma cuidadora para não precisar colocá-lo em uma instituição, uma vez que ela planeja se mudar para Paris.

Desta premissa, Meu Pai opta por um caminho imersivo e desolador de como contar a história: pela experiência sensorial de Anthony. A realização dessa proposta é interessantíssima porque Zeller faz com que sua encenação deslocalize a ação e a narrativa para o espectador, inserindo-o na posição de fragilidade que tem se tornado a vivência do protagonista.

Para além das aparições confusas e inexplicáveis de personagens na rotina de Anthony, Zeller comanda com destreza um processo de deturpação temporal e espacial. Apesar de sentir que nos minutos finais o longa sofre com a repetição dessa estrutura, esse talvez seja o objetivo para reforçar a dureza de conviver com este estado diariamente. Um apontamento que não chega a afetar tanto o belíssimo trabalho de direção coeso e minimalista do diretor, capaz de dar muita força ao desnorteamento.

Retomando o comentário quanto ao exercício de adaptação do material teatral para uma gramática fílmica, Zeller acerta em escolhas que evidenciam seu conhecimento de linguagem cinematográfica nas decisões criativas da encenação: os momentos necessários de close-ups; o passeio de câmera pelo apartamento e pelas personagens de forma reveladora; a montagem precisa para dar ritmo a narrativa e complementar a deslocalização especial. É um combinado de escolhas acertadas que funcionam como uma unidade embasada na proposta de questionar o que é real ou não.

Todo esse jogo de uma narrativa dúbia e labiríntica que refletem a mente de Anthony se faz presente também no design de produção. Há uma predominância de um tom azul saturado nas cores do apartamento, na roupa de Anne e nas instalações médicas que complementam essa confusão de memórias e vivências.

Em toda essa jornada confusa e instigante de Meu Pai, cabe a Anthony Hopkins e Olivia Colman darem conta de toda a carga dramática da situação. Na medida em que a narrativa caminha, Colman mostra a sutileza no olhar de uma filha que carrega o peso de um período que – mesmo indefinido cronologicamente – é evidentemente duro. Já Hopkins tem uma atuação que dificulta qualquer comentário, tamanha sua sensibilidade em dar vida a um personagem que revela sua personalidade dócil, ácida e ambígua na mesma medida em que vai sofrendo com o esquecimento de sua própria vida.

Ao final, Zeller coroa o espectador com um desfecho que arremata toda a caminhada emocional pesada e cortante de Meu Pai. Se Anthony vai se esquecendo de sua própria vida e identidade, ele recorre, no momento de desespero máximo, a única certeza e segurança de que poderia recorrer.

É um encerramento que evidencia a condição de desamparo e sofrimento que a mente humana é capaz de imprimir sobre um indivíduo em meio ao esquecimento de sua própria identidade. Um retrato que graças ao excelente trabalho de Florian Zeller, não se esquece de dar conta de sua potência cinematográfica.

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