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"mãe!" é um filme de múltiplas interpratações, em uma narrativa pulsante e gradualmente reveladora que flerta com poesia e fantasia.

“mãe!” é um filme de múltiplas interpratações, em uma narrativa pulsante e gradualmente reveladora que flerta com poesia e fantasia.


NNatureza. Entidade acolhedora onipresente. Não há civilização que não a compreenda à sua maneira. Dela somos fruto e de quem tiramos alimento. Ser humano é ser folgado, ser carente, disposto a achar um abrigo no meio do nada e ludibriar-se de prazeres. Às futuras gerações, transmite-se culpa e insurgência. Na forma de ressaca apocalíptica subsequente, mãe! é a exegese intimista de uma alma deiscente.

Chamas dão lugar à cama onde acorda uma mulher. Seu nome? Deixemos para a posteridade. Estamos na casa que, embora vazia, aparenta aconchego paradisíaco. Vivendo com o parceiro, claramente de mais idade, essa mulher parece satisfeita. Com um cantinho para embelezar, reformar e chamar de seu, não há necessidade para novas companhias. Tal coexistência tranquila é prontamente deturpada pela chegada de novos rostos, novos corpos e novas interações. Toda uma população engajada no compromisso de ir e vir, tomar um pouco do que é seu e fazer do recinto a coisa pública.

mãe! segue uma estrutura maleável. Pontos de virada não são necessariamente o que ditam os tons da narrativa. Na verdade, pequenos versículos fílmicos são pontuados pela chegada de uns, pela morte de outros, pela quebra de objetos ou pela celebração de um sucesso. Javier Barden é o escritor. Sua musa, Jennifer Lawrence, é quem cuida da casa (uma personificação desta, eu diria). Ed Harris é um admirador exaurido que, junto à esposa, Michelle Pfeiffer, semeiam tentações e aberrações carnais.

Gosto especialmente de como o personagem de Domnhall Gleeson – um dos filhos do casal visitante – é trabalhado. Sua presença chama atenção pela visceralidade. Cumpre seu papel na narrativa e deixa uma impressão excedente. É a amargura que reflete e reverbera nas relações humanas. A identificação autoestabelecida com a protagonista é perturbadora: “Te abandonaram também?”.

O roteiro, assinado pelo diretor, e fotografia (caprichosamente elaborada por Matthew Libatique) elegantemente apropriam-se do design de produção (assinada por Philip Messina) para construir a casa como um ser pulsante. É bom nos acostumarmos, pois serão quase duas horas de angústia e confinamento. Acompanhamos tudo com mórbida curiosidade, chegando a ser enjoativo ver como as visitas vão chegando e roubando doses de protagonismo. Abusam da hospitalidade e não tardam a opinar, seja sobre a cor da parede ou a vontade da mulher de ter filhos.

Aspecto trabalhado de maneira gradualmente reveladora, envolvendo signos nada ortodoxos como a ingestão de contraceptivos ou entupimentos sanitários, a maternidade é o elemento transformador. mãe! é uma coisa antes e outra depois desta. Espelhando a mais prolífica das frases hermenêuticas (o nascimento de Cristo), Darren Aronofsky despe seu filme de todas as nuances precedentes para conferir sadismo à poesia crua.

A fotografia do filme fica sob responsabilidade de Matthew Libatique, que já trabalhou ao lado de Aronofsky em “Cisne Negro” e “Réquiem para um Sonho”

São muitos símbolos, muitos contornos para traçar. Uma obra adubada pela catarse dos tempos imediatistas. Aronofsky construiu sua carreira estudando paradigmas comportamentais, especialmente com base na obsessão (incluindo a loucura e sua parceira, a genialidade). Entramos agora em contato com mais uma de suas dissertações de antropologia. Dessa vez, a origem do culto. Seria este uma forma socialmente aceitável e civilizadamente controlada de obsessão? Quais as consequências de deixar portas abertas e janelas escancaradas? Desvios de interpretação?

As sequências finais de mãe! já dão uma pista para o que vem a seguir. Dizem que a natureza é sábia. Prever tragédias, responder a elas é parte da sabedoria. Os que idealizam ícones não realizam o ser. Ignoram a maciez do solo fértil, o calor do ventre fúlgido – único e passageiro, vale dizer. Arrancam e agridem repetidamente até não aguentar. Tolos, todos eles. Resta um único fim: exclamar o fim e incendiar.


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