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Em cinebiografia burocrática, Shaka King faz de "Judas e o Messias Negro" um retrato que transita entre o mito e homem de Fred Hampton.

Em cinebiografia burocrática, Shaka King faz de “Judas e o Messias Negro” um retrato que transita entre o mito e homem de Fred Hampton.


OO que se mostra de mais interessante em Judas e o Messias Negro são as contradições que se fazem presente pelo caráter de denúncia biográfica do filme de Shaka King. A escolha do título é certeira em resumir a essência do longa e também o seu tom. Já que a história foca no caráter messiânico da figura de um dos personagens centrais, nada mais justo do que o retrato que evidencie as duas faces dessa moeda: a do líder de um grupo de seguidores e a de “vilão perigoso” para seus opositores.

As figuras que fazem parte dessa distinção são Fred Hampton (Daniel Kaluuya), o presidente do Partido dos Panteras Negras, e Bill O’Neal (LaKeith Stanfield), o chefe de segurança do partido que atuou como informante infiltrado para o FBI durante os anos 60. Desde o começo do longa, somos apresentados a uma visão dos personagens que os diferencia a todo momeno: O’Neall é um homem ordinário que acaba caindo nos planos do FBI por ser negro, enquanto Hampton é mostrado desde a sua primeira aparição como a figura imponente e eloquente que conquistava multidões.

O mais interessante aqui é como Shaka King se dispõe a mostrar essa figura, que para alguns (centralizado na figura do chefe do FBI) é um monstro violento que desafia os status quo e para outros é o líder revolucionário capaz de confrontar as estruturas opressoras com a força necessária. Nessa dicotomia um tanto quanto política e ideológica, Judas e O Messias Negro tem seus melhores momentos quando vemos essa dualidade tomar forma nos questionamentos internos de Bill O’Neall, que na medida em que se questiona quanto a sua posição de traidor em um movimento que luta por direitos para ele mesmo, passa a perceber o líder dos Panteras Negras de fato como um “irmão”.

Há, também, uma escolha curiosa por um retrato intimista da figura de Fred Hampton, que reforça como sua posição messiânica é construída por meio da sua relação com o povo que representava. Se a reivindicação passa pelo “Power to the People”, então nada mais justo do que mostrar como Hampton era de fato um homem do povo.

Daniel Kaluuya, Ashton Sanders, Algee Smith, Dominique Thorne e Lakeith Stanfield, respectivamente

A grande contradição do longa é como King opta por uma encenação burocrática para retratar uma figura tão revolucionária. Falta a Judas e o Messias Negro uma direção mais propositiva, capaz de alçar o drama presente no texto a um outro patamar. Essa falta de energia fica evidente nas sequências em que Kaluuya tem espaço para brilhar com sua atuação eloquente e verborrágica, dando fôlego a uma narrativa que, na falta de personalidade, se assume como outra cinebiografia burocrática. De qualquer forma, o ator se aproveita de cada oportunidade que tem no palanque (literalmente) para dar força e expressividade necessária para a figura mitológica de Fred Hampton.

Por outro lado, LaKeith Stanfield tem uma atuação diametralmente oposta ao viver um homem mergulhado na supressão da própria angustia e insegurança causadas pelo aprofundamento de sua situação. É mérito do próprio Stanfield que o drama de O’Neall ganhe contornos de profundidade porque – novamente – falta estofo na condução de King para que a dramaturgia tome forma visualmente.

Sobretudo, o que fica ao final de Judas e O Messias Negro é a sensação de que o filme podia mais como esse retrato biográfico da figura de Fred Hampton, da atuação dos Panteras Negras e da dinâmica social-racial dos EUA nos anos 60 e 70.

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