fbpx
"Felicidade Por Um Fio" traz a história de Violet, uma mulher negra que passa por um processo de redescobrimento causando pela sua transição capilar.

“Felicidade Por Um Fio” traz a história de Violet, uma mulher negra que passa por um processo de redescobrimento causando pela sua transição capilar.


Nota da Colab: o texto contém spoilers. É importante também ressaltar que, em momento algum, me coloco no lugar de fala de uma mulher negra, pois essa não é minha vivência. O movimento negro deve ser protagonizado pelos negros. Meu papel aqui é analisar o filme como produto artístico, me relacionando com ele por ser uma mulher que passou pela transição capilar, assim como a protagonista.


À primeira vista, Violet Jones (Sanaa Lathan) parece ser uma mulher mega empoderada. Afinal, ela tem uma carreira de sucesso, é independente, tem sua própria casa e se acha maravilhosa – a vida “perfeita”, com direito a um namorado médico gostosão. Mas nunca julgue um livro pela capa! Violet se esforçava ao máximo para manter sua aparência impecável e um cabelo extremamente liso, tudo culpa de sua mãe que a criou exigindo que sempre se portasse dessa maneira.

https://www.youtube.com/watch?v=EZOwfX3bmzQ

Tudo ia bem: o aniversário da garota seria naquela noite e sua assistente tinha garantido que Clint (Ricky Whittle), seu namorado, escolhesse tudo conforme o gosto dela. Violet tinha visto o que parecia ser uma caixinha com um anel de noivado no paletó dele e esperava um pedido de casamento durante a comemoração. As coisas começam a ir por água abaixo quando ela precisa ir a um salão para arrumar seu cabelo e sofre um corte químico (seu cabelo não suportou a química aplicada por engano e começa a cair). A solução é colocar uma peruca e problema resolvido!, mesmo que o sapato de salto estivesse machucando seu pé durante a festa.

Percebemos que Violet foi treinada, quase que num regime militar, para nunca exibir seu belo cabelo natural ou ficar levemente desarrumada. Uma cena que exemplifica isso é quando ela acorda de madrugada, antes de Clint para passar chapinha no cabelo e se maquiar de leve, retornando para a cama e fingindo dormir. O namorado a questiona por nunca estar menos do que perfeita.

Uma das cenas mais memoráveis do longa original da Netflix, Felicidade Por Um Fio, é um flashback em que a personagem é criança e está na piscina pública da cidade olhando todos seus amigos dentro d’água se divertindo. Ela não podia entrar pois revelaria seu cabelo natural crespo – e isso seria de extrema vergonha para a sua mãe (infelizmente). Violet não resiste e pula na piscina para brincar com um menino, mas quando seu cabelo começa a armar, todas as crianças zombam dela. A mãe, ao invés de consolá-la, a puxa pelo braço, com raiva, e a leva embora.

Mas agora chegou o tão esperado momento. Clint pega a caixinha e entrega a Violet. Dentro dela não tinha um anel de noivado e sim uma plaquinha em formato de osso, daquelas de colocar na coleira de cachorro. O presente da verdade era uma filhote de chiuaua. Violet não consegue esconder seu descontentamento e, ao chegar em casa, revela que esperava um pedido de casamento. O namorado diz, então, que nunca conseguiria se casar com ela por ela ser tão “perfeita”. Como ela não se permitia errar, ele sentia que não a conhecia. Mais uma vez Violet sente a necessidade de mudar seu cabelo, se arriscando no loiro. Seu cabelo representava grande parte de sua vida, e como ela mesma diz no filme, é um “segundo emprego”.

Na tentativa de esquecer Clint, ela decide ir à balada com as amigas. Depois de beber todas e deixar o local com um dos caras mais gatos da boate, ela percebe que não quer aquilo e decide ir embora. Ao chegar em casa, a protagonista decide, em momento de desespero e tristeza, se desfazer daquilo que trouxe lhe sofrimento todos esses anos: ela pega a máquina de barbear do ex namorado e raspa o cabelo. Em meio a lágrimas e risos, Violet vive uma epifania e se vê livre.

Ao acordar no outro dia, de ressaca, ela toma um susto ao se olhar no espelho, se sentindo feia e derrotada. Mas é aí temos uma das cenas mais lindas do filme, em que seu pai a encoraja a abraçar essa nova etapa. De início, Violet não se sente bem e esconde a careca com um lenço, mas ao encontrar um grupo de mulheres com câncer, ela se sente forte para assumir o novo visual.

É interessante observar como a personagem vai se redescobrindo durante sua transição capilar no restante da trama e começa a questionar seu próprio trabalho. Violet é uma publicitária muito bem sucedida do ramo da beleza, o que passa a incomodá-la, uma vez que todas as suas campanhas reforçavam continuamente os padrões estabelecidos pela sociedade do que é belo.

Buscando por mais uma mudança, Violet pede ao seu chefe um outro tipo de campanha, se colocando no desafio de desenvolver um comercial de cerveja. A mulher, então, consegue criar um comercial diferente do tradicional, empoderando as mulheres, mas acaba perdendo para dois homens que apresentam o comercial clichê de cerveja com uma mulher “gostosona”. Insatisfeita com o resultado, a jovem se demite, sabendo que aquele lugar já não a representa mais e que ela é capaz de ir além.

Felicidade Por Um Fio apresenta questões profundas como aceitação, auto-estima, negritude e discussão sobre padrões de beleza de uma forma leve. Pode parecer que é apenas mais um filme de comédia romântica de Sessão da Tarde, mas, com certeza, esse tipo de narrativa também é importante para gerar questionamentos naquelas pessoas mais fechadas ao diálogo.


Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Televisão
Carolina Cassese

Um sociopata em um cavalo branco

“Você” é chocante e assustadoramente verossímil, usando o espelho da realidade para criar um thriller sobre stalker e fazer críticas socioculturais. Uma mulher chega na livraria. “Quem é você? Pelo seu jeito, uma estudante. Sua blusa é solta. Não está aqui para ser cobiçada, mas as pulseiras fazem barulho. Você gosta de um pouco de atenção. Certo, caí na rede”. Protagonizada por Penn Badgley (o Dan, de Gossip Girl) e Elizabeth Lail (Ana, de Once Upon a Time), a série Você se desenrola a partir da obsessão do livreiro Joe com a estudante Beck. A produção, que é original do Lifetime, viralizou

Leia a matéria »
Crítica
João Dicker

Crítica: “Assunto de Família”

“Assunto de Família” entrega uma impactante história, aprofundando-se na intimidade de uma família para explorar e questionar os limites dessas relações. A filmografia de Hirokazu Koreeda tem mostrado que as relações familiares são mais do que um tema para seu cinema, mas sim um meio. O cineasta japonês, responsável por outros ótimos trabalhos recentes que chegaram a ser exibidos no Brasil como O Que Eu Mais Desejo (2011), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade (2016), vem trabalhando de forma recorrente com os detalhes mais simples de um núcleo familiar, mas explorando-os com profundidade e usando-os como forma de desnudar valores

Leia a matéria »
Back To Top