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Na nova produção da Netflix, Rosamund Pike repete a fórmula de Garota Exemplar e traz uma performance intrigante.


OO ano é 2021 e Rosamund Pike entrega novamente uma brilhante atuação como a vilã sorrateira e inabalável, que remete muito à genialidade de sua personagem no filme Garota Exemplar. No enredo de Eu Me Importo, novo filme da Netflix, a atriz protagonizou uma trajetória criminosa que se sustenta na velha máxima de que toda ação está fadada a ser rebatida com uma reação ainda mais explosiva. 

O longa-metragem é dirigido por J Blakeson, que esteve por trás de produções como A 5ª Onda e O Desaparecimento de Alice Creed, e foi o responsável por inserir Rosamund Pike na lista de indicados ao Globo de Ouro 2021, na categoria de Melhor Atriz em Filme. Eu Me Importo acompanha a história de Marla Grayson e Fran (Eiza González), duas golpistas que se tornam guardiãs legais de idosos para roubar suas fortunas. Juntas, convencem os juízes de que selecionadas pessoas na terceira idade são incapazes de se cuidar sozinhos, e, geralmente, os últimos mencionados são sempre ricos ou possuem propriedades. Porém, a maré de sorte da dupla acaba quando passam a lidar com Jennifer Peterson (Dianne Wiest), uma senhora tão esperta quanto elas. 

Apesar de parecer uma história absurda demais para ser verdade, o longa-metragem foi construído a partir de casos reais de perda de direitos de pessoas idosas. Os personagens são, de fato, fictícios, mas a atividade ilegal que praticam foi inspirada em crimes como o realizado pela cuidadora April Parks. Reportada pelo jornal The New Yorker em 2017, a suposta guardiã apareceu na casa de Rudy e Rennie North, afirmando que o casal deveria abandonar o lar para se instalarem em uma instituição de moradia assistida para idosos. Dois anos depois, condenada por mais de 100 acusações de perjúrio, furto e extorsão, April Parks se tornou o rascunho do que seria a personagem Marla Grayson em Eu Me Importo.

O filme aborda como pauta social a desumanização de idosos, que são tratados como peças de um jogo de interesses por indivíduos mais jovens. Retratados como seres incapazes de responderem pelas próprias ações, independente do estado de saúde e lucidez, estas pessoas de idade avançada sequer são convocadas para as audiências jurídicas em que as golpistas decidem seus destinos. 

Relatando também a falha do Estado, o juiz das sentenças promovidas por Marla Grayson não se preocupa em averiguar os fatos ou conversar com as possíveis vítimas da fraude. Além disso, a inteligente sacada utilizada pela vilã se sustenta no argumento de que tais idosos são descartados pelos filhos e amigos próximos, pontuando a necessidade de ter alguém para tratá-los com dignidade nos últimos anos de suas vidas. A afirmação da maquiavélica personagem é tão recorrente e condizente com a realidade de indivíduos mais velhos, que a guarda é facilmente concedida.

Um dos pontos positivos de Eu Me Importo concentra-se na construção do casal formado por Marla e sua cúmplice Fran. Embora o relacionamento entre as duas personagens não seja o ponto focal da narrativa, a sexualidade delas não implica, de forma nenhuma, em preconceitos ou situações desconfortáveis. Vale mencionar também que J Blakeson, ao contrário da maioria dos cineastas homens que já dirigiram filmes com personagens lésbicas ou bissexuais, não se excedeu nas cenas de sexo. Os momentos quentes entre as protagonistas não foram hiperssexualizados e nem aconteciam exageradamente. Para o público LGBTQIAP+, cuidados e detalhes como este são bem-vindos, afinal, é fundamental que tais espectadores possam se enxergar em diferentes narrativas sem que suas sexualidades se tornem um problema em algum momento. 

As atuações de Rosamund Pike e Peter Dinklage também se destacaram em Eu Me Importo. No entanto, o resultado positivo da dinâmica entre os dois já era algo previsível, afinal, a atriz já está virando setorista em personagens presunçosas com desvio de conduta, enquanto Dinklage tem uma longa experiência de oito anos em viver o papel do rapaz inteligente, comedido e assertivo. É notável, porém, que a entrega de Rosamund Pike trouxe uma protagonista provocativa, que causa inquietação no espectador que, simultaneamente, odeia e torce a favor da vilã.

Neste contexto, a conclusão do filme gera um sentimento conflitante a quem está assistindo e, principalmente, à própria Marla Grayson. A personagem tem a autossuficiência e ego elevado como características viscerais que a levaram ao sucesso, ao enfrentamento destemido de seus maiores inimigos. Ela é a alma do negócio. Porém, é perceptível como a vilã lida magistralmente com adversário à sua altura, mas demonstra incapacidade em combater aqueles a quem subestima e considera fraco. A partir deste aspecto, o destino final da maquiavélica empresária acontece de forma rápida, sem grandes cálculos e planejamentos prévios, contrariando toda a sua brilhante trajetória ao longo do filme.

Unindo pitadas de humor ácido, impasses repletos de tensão e adrenalina e pautas sociais relevantes, Eu Me Importo é notoriamente superior ao padrão de produções da Netflix. O filme apresenta um desenvolvimento repleto de promessas que, até certo ponto, são cumpridas, mas gera desapontamento pela simplicidade da conclusão. Não é perfeito, mas instiga e provoca sensações a longo prazo. 

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