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"Dunkirk", filme de Christopher Nolan, é uma experiência imbatível, carregada pela força de direção do cineastra e a trilha de Hans Zimmer.

“Dunkirk”, filme de Christopher Nolan, é uma experiência memorável, carregada pela força de direção do cineastra e a trilha de Hans Zimmer.


AA representação cinematográfica de grandes acontecimentos históricos acontece desde os primórdios do cinema. De todas as possíveis fontes para adaptação, a Segunda Guerra Mundial é, talvez, a que tenha ganhado mais revisitações na história do cinema. Filmes como O Resgate do Soldado Ryan (1998), Corações de Ferro (2014) ou Até o Último Homem (2016), trabalham a guerra por meio da sua espetacularização, demonstrando a brutalidade e a sanguinolência dos confrontos armados. Em seu mais novo filme, Dunkirk, Christopher Nolan opta por fazer um retrato mais seco e menos poético da guerra, entregando um filme intenso e angustiante.

O conflito da vez é a Batalha de Dunkirk, episódio em que cerca de 400 mil soldados aliados se viram cercados na cidade de Dunquerque, na França. Depois de várias tentativas falhas de resgate por parte das forças armadas inglesas, a salvação veio com ajuda de algumas centenas de civis ingleses que atravessaram o Canal da Mancha em seus pequenos barcos particulares para realizar a extradição de, aproximadamente, 338 mil pessoas.

Todo esse contexto angustiante e heroico, provavelmente, ganharia contornos épicos, glorificantes e patrióticos nas mãos de outros realizadores, mas sob o comando de Nolan a história da Batalha de Dunkirk é apresentada por uma ótica seca, realista e nada maniqueísta. Há um antagonismo e um medo pulsante da morte durante toda a projeção, mas em momento algum ele é personificado na imagem de um nazista ou de um soldado inimigo, da mesma forma que as atitudes dos soldados britânicos não são heroicas, mas humanas.

Além de uma representação menos glamourosa da guerra, Nolan opta por uma maneira não convencional de contar a história. Com uma narrativa não linear tríptica, acompanhamos ao mesmo tempo três acontecimentos em espaços temporais diferentes – a espera dos soldados na praia por uma semana; a empreitada de resgate de um barco civil por um dia; e o suporte aéreo de um avião-caça por uma hora. Apesar de sermos distanciados de um único protagonista, um personagem que funcionaria como o fio condutor narrativo do longa, o desenvolvimento do enredo é fluído. O trabalho de montagem do longa é preciso na maneira com que apresenta os acontecimentos, fazendo com que os ocorridos em terra, no mar e no ar dialoguem com o decorrer da projeção. Com isso, Nolan consegue demonstrar aquilo que tanto queria: evidenciar os efeitos psicológicos da guerra não por meio das brutalidades vistas, mas graças a dificuldade em lutar pela sobrevivência.

“Dunkirk” usou 6,000 extras para produzir todo o filme

Assim como a montagem, todo o trabalho técnico de Dunkirk é impecável. O diretor, conhecido por preferir filmar com efeitos práticos, utilizou aviões de caça verdadeiros com câmeras acopladas em suas latarias, navios de guerra reais e mais de 1000 extras para garantir veracidade e o merecido escopo do acontecimento. Complementado pela fotografia fúnebre de Hoyte Van Hoytema, Christopher Nolan tem um trabalho virtuoso na direçãoque vai desde os enquadramentos belíssimos de paisagens, às cenas de ação muito bem filmadas (principalmente as batalhas de aviões), a forma com que filma seus atores (que são obrigados a atuarem muito mais com as expressões faciais do que entregando falas – como o piloto de Tom Hardy, o comandante de Kenneth Branagh, ou os jovens soldados de Harry Styles Fionn Whitehead) ou ao ritmo crescente que garante a narrativa, apesar de sua não-linearidade.

O ritmo do longa é, talvez, o principal trunfo do diretor para atrair o espectador para sua história. Ao descartar o desenvolvimento emocional ou psicológico de personagens, assim como a consequente identificação com os mesmos, o filme passa a necessitar de uma pungência narrativa. Assim, Nolan opta por um roteiro que picota a narrativa com uma constante quebra de expectativa: se na praia os soldados encontram uma maneira de deixarem o cerco, somos transportados para o piloto combatendo um avião inimigo, e se o caça inglês obtêm sucesso em seu combate voltamos a praia para vermos os soldados sendo bombardeados e perdendo o seu meio de transporte.

Harry Styles, Damien Bonnard e Fionn Whitehead fazem parte do mesmo arco do filme, sendo uma das três perspectivas exploradas pelo longa

Se o diretor sabe como trabalhar o ritmo do longa, muito deste êxito passa pelo incrível trabalho sonoro de Hans Zimmer. Trabalhando pela sexta vez com Nolan, Zimmer faz, talvez, o melhor trabalho de sua carreira. A onipresente trilha sonora do compositor é responsável pela construção da atmosfera insólita e angustiante que acompanhamos, além de emular o som de um relógio que funciona perfeitamente para nos lembrar da corrida contra o tempo que é a situação apresentada em Dunkirk. Ainda, a trilha se desenvolve em um crescendo constante, impedindo um único respiro para o espectador, sempre mantendo a tensão em níveis caóticos, além de ser cortada por efeitos sonoros que mimetizam sons de hélices de aviões e de explosões secas, colaborando para a sensação de eminência dos ataques inimigos.

O que pode prejudicar o filme é justamente a falta de apelo emocional, causada pela opção de apresentar um enredo que não se limita a identificação a um único personagem, mas a todos os 400 mil soldados que aguardavam o resgate. É minimamente interessante que, por serem peões catatônicos da ação do longa, os personagens passam a ser meros espectadores do que lhes acontece. Se isso é um problema ou não, cabe a quem assistir ao longa dizer, uma vez que a direção primorosa de Christopher Nolan e a trilha sonora frenética de Hans Zimmer se unem para entregar uma experiência sensorial imersiva e pungente, capaz de nos fazer sentir a dificuldade de sobrevivência e o frenesi dos soldados de Dunkirk.


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