fbpx
Em drama fantasmagórico sobre luto, "Drive My Car" arrebata o espectador em uma jornada de enfrentamento com as dores interiores.

Em drama fantasmagórico sobre luto, Drive My Car arrebata o espectador em uma jornada de enfrentamento com as dores interiores.


É surreal perceber que Ryusuke Hamaguchi fez, no mesmo ano, o excelente Roda do Destino e o arrebatador Drive My Car. Se ambos conseguiram quebrar as barreiras do mercado ocidental, Drive My Car consegue feito ainda maior sendo o primeiro filme japonês da história a ser indicado a “Melhor Filme” no Oscar. E não é atoa: Drive My Car é uma fantasmagórica experiência cinematográfica que trata sobre a dor do luto e o peso de cicatrizes não resolvidas ao longo da finitude da vida.

A história – uma adaptação que expande o conto homônimo de cultuado escritor japonês Haruki Murakami – nos apresenta ao diretor de teatro Yûsuke (Hidetoshi Nishijima), que mergulha nos ensaios de uma nova e difícil produção de Tio Vanya, de Anton Tchekhov, após a morte da sua esposa. Entre os preparativos e ensaios da peça, seguimos a relação criada o protagonista e a jovem motorista Misaki (Tōko Miura), que fofa contratada pelo teatro para dirigir o amado carro de Yûsuke, mesmo que contra sua vontade.

Desta premissa, encaramos viagens silenciosas e conversas profundas que aproximam os dois personagens de uma forma única, revelando não só as proximidades que eu tem com o outro, mas também as distâncias que tornam aquela nova relação tão profunda e intrigante. 

Drive My Car é um filme que entende muito bem como a noção de tempo é importante para as cenas (os planos longos, as conversas continuas, o sentimento duro que não se cura) e que trabalha esse tempo de forma muito orgânica.

É bem interessante como existe uma grande fala sobre as dores da vida em toda a dinâmica de encenar a peça, de dar sequência a um projeto inacabado e interrompido, de a personagem não conseguir enfrentar o sentimento e precisar escrever ele para expurga-lo na boca do outro. 

É evidente que o diretor de teatro têm dificuldade de expressar sua dor e precisa coloca-la nas falas dos personagens da peça, mas ao mesmo tempo ele também mergulha em um estado de evasão da realidade justamente por se manter, constantemente, lidando “apenas” com  o espetáculo. Ao se colocar na posição de viver a vida do outro (mesmo que fictícia), Yusuke se impede de viver e sentir a própria.

Ainda sobre o sofrimento do protagonista, Hamaguchi encontra outra forma para evidenciar a condição de desamparo do protagonista. Nada é mais forte e potente do que representar a inércia insólita da dor e a incapacidade de tomar ações quanto o próprio sentimento, do que ter alguém dirigindo o seu carro e te guiando para novos destinos.

Então, o diretor transforma o carro vermelho de Drive My Car em um ambiente confinado que, em movimentos errantes pelas ruas, coloca dois personagens para desfrutam do silêncio e encararem um encontro capaz de resolver os traumas do passado de cada um e abrir um horizonte verdadeiro para o futuro. Um encerramento otimista e esperançoso para um bonito longa sobre o enfrentamento dos fantasmas do passado por meio da interlocução com o outro.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Televisão
Debora Drumond

Amor em quatro patas

“Apenas Cães” é uma série documental que mostra a relação do ser humano com cachorros, sendo impossível não se emocionar durante os seis episódios. Um dos ditados mais conhecidos é que o cão é o melhor amigo do homem. Com certeza, todos nós já testemunhamos como essa relação pode se tornar estreita e como cachorros se tornam companheiros de vida de seus donos. Apenas Cães, nova série documental da Netflix, explora essa relação mostrando como cachorros mudaram a vida de seus donos, a convivência entre ambos e etc. Prepare-se para chorar com seis histórias reais e emocionantes, mas fique tranquilo:

Leia a matéria »
Crítica
João Dicker

Crítica: “Assunto de Família”

“Assunto de Família” entrega uma impactante história, aprofundando-se na intimidade de uma família para explorar e questionar os limites dessas relações. A filmografia de Hirokazu Koreeda tem mostrado que as relações familiares são mais do que um tema para seu cinema, mas sim um meio. O cineasta japonês, responsável por outros ótimos trabalhos recentes que chegaram a ser exibidos no Brasil como O Que Eu Mais Desejo (2011), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade (2016), vem trabalhando de forma recorrente com os detalhes mais simples de um núcleo familiar, mas explorando-os com profundidade e usando-os como forma de desnudar valores

Leia a matéria »
Back To Top