fbpx
"Corra!" entrega tudo que promete, em um filme que usa do gênero Terror para discutir e debater o racismo impregnado na nossa sociedade.

“Corra!” entrega tudo que promete, em um filme que usa do gênero Terror para discutir e debater o racismo impregnado na nossa sociedade.


RRecentemente, a indústria audiovisual tem demonstrado sinais de mudanças no que diz respeito a representatividade e diversidade nas produções. Graças a críticas feitas por inúmeras pessoas, tanto dentro quanto fora da indústria, os estúdios e empresas passaram a responder os avanços e mudanças de pensamentos do mundo contemporâneo.

Desta forma, ainda que de forma embrionária, minorias passaram a ser melhor representadas, na televisão e no cinema, em grande parte pelo aumento das oportunidades dadas aos profissionais que fazem parte de tais minorias e entendem suas dificuldades e anseios.

Obras como Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) e Pantera Negra (2018), alcançaram sucesso de público e crítica não só por abordarem temáticas importantes para o imaginário do mundo contemporâneo e por dar espaço e voz a uma minoria, mas por serem produções de alta qualidade. Mas de todos longas recentes, talvez Corra! (2017) seja um dos filmes que mais marcará época com o passar do tempo, por propor uma análise social das tensões raciais existentes na sociedade contemporânea como premissa de uma obra que combina gêneros cinematográficos com perfeição, se assumindo como um filme pungente e importante.

Na trama acompanhamos o jovem negro Chris (Daniel Kaluuya) que namora Rose Armitage (Allison Williams), uma garota branca que pretende levar seu namorado para conhecer sua família. A partir desta premissa simples, Jordan Peele desenvolve um filme repleto de nuances e críticas sociais afiadas ao racismo nos Estados Unidos, mas que também ultrapassa limites regionais sendo facilmente identificável situações que acontecem no Brasil. Com a chegada na casa dos pais e o consequente convívio com a família, o roteiro usa de Chris para guiar o espectador por acontecimentos assombrosos, explorando as inúmeras possibilidades do que pode estar por vir.

Peele, conhecido por seus trabalhos em comédia, estreia na direção de um longa-metragem demonstrando um controle criativo excepcional. O ritmo crescente e tenso da produção permite um jogo psicológico com o espectador, que acaba sentindo na pele o desconforto e a desconfiança do personagem de Kaluuya.

A sensação de perigo e urgência não se exaure em momento algum, graças a uma direção primorosa em dar vida a um texto igualmente envolvente, que cria uma sensação incessante de desconfiança. E é dessa desconfiança que Peele constrói o verdadeiro suspense: Chris não se sente confortável naquele ambiente, justamente por não parecer verdadeiramente bem vindo, sensação ressaltada pelas estranhas presenças dos funcionários da casa, Georgina (Betty Gabriel) e Walter (Marcus Henderson), únicos negros além do protagonista.

Ainda, Daniel Kaluuya, demonstra uma amplitude emocional impressionante ao dar vida ao desconforto de Chris em risadas forçadas e desvios de olhares, mas também ao variar para olhares profundos de desespero com facilidade. As atuações de Catherine Keener e Bradley Whitford como os pais de Rose agregam muito na construção do horror, que por meio das tentativas de interação desajustadas e incômodas cria um atrito entre as personagens e aumenta a atmosfera hostil ao protagonista. Keener é uma um poço de tranquilidade incômoda, que esconde uma inquietude desagradável, enquanto Whitford é artificial em sua interação com Chris, evidenciando as camadas ainda não descobertas.

Contrária ao desconforto dos pais, Alisson Williams vive uma namorada compreensiva, aberta e inocente a algumas formas de racismo. Se dos horrores que a trama apresenta na virada do segundo para o terceiro ato, e principalmente em seu desfecho, Peele discute o racismo ostensivo e claro, é na inocência de Rose que consegue abordar as atitudes mais sutis da sociedade, mas que são igualmente preconceituosas. Enquanto os personagens de Keener e Whitford servem para abordar os liberais americanos preconceituosos que “votariam em Obama por uma terceira vez”, como o próprio filme coloca, a personagem de Williams funciona como um arquétipo de um “dedo na ferida da sociedade”, evidenciando atitudes muitas vezes normalizadas ou que são pouco problematizadas.

Da esquerda para a direita, as personagens, Missy, Dean e Rose Armitage, Georgina e Chris

Além de toda análise social presente, o diretor demonstra uma consciência madura de como mesclar gêneros em um filme só, fazendo com que o equilíbrio de comédia e terror agreguem um ao outro. Os alívios cômicos presentes no melhor amigo do protagonista, Rod Williams (LilRel Howery), funcionam não só como um desafogo da tensão, mas acabam deixando o espectador em uma breve sensação de tranquilidade que, ao ser novamente transformada em tensão quando voltamos a acompanhar a casa dos Armitage, amplifica o desconforto da ambientação.

Em seu ato final, Corra! entrega tudo o que prometeu ao longo da projeção, em um desfecho que, mesmo utilizando de uma explicação expositiva um pouco desconexa com todo desenvolvimento narrativo anterior, não prejudica a conclusão tensa que possui. Mesmo depois de sua revelação mais forte em uma cena que resolve o quebra-cabeça construído na trama, Peele consegue manter o espectador preso a jornada de Chris, reservando um último momento tão angustiante e pungente quanto a problemática social trabalhada.


Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Back To Top