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Corpo Elétrico (2017), filme de Marcelo Caetano, aborda a temática de gênero com delicadeza, profundidade e maturidade cinematográfica.

A normalidade de cada dia é palco para a performatividade do gênero em Corpo Elétrico, filme dirigido pelo belo-horizontino Marcelo Caetano e que mostra a rotina de um trabalhador gay na grande São Paulo. O discurso sobre a homossexualidade na obra é exibido na força como os personagens existem, com a presença de drag queens, bichas e afeminadas, termos considerados pejorativos em nossa sociedade heteronormativa, mas que impõem a necessidade de quebrar as colunas que sustentam o comportamento construído pela imposição do “ser homem”. Corpo Elétrico utiliza o cinema como ferramenta de manifestação sobre o que muitos consideram subversivo.

Elias (Kelner Macêdo) é um jovem de vinte e três anos que deixou a família na Paraíba e mudou para São Paulo. Na cidade, ele começou a trabalhar em uma confecção de roupas, relacionar com outros homens e a participar de festas com os seus colegas de serviço. Sua única ambição é a de visitar o mar novamente. No diálogo inicial do filme, momento em que vemos o protagonista na cama com outro homem pela primeira vez, o rapaz explica a forma como o mar ajuda a relaxar e desligar a cabeça frenética.

Contudo, o cotidiano ganha novos nuances – mas sem perder suas características como cotidiano – quando o imigrante africano Filipe é contratado para trabalhar na mesma confecção que Elias e desperta nele uma vontade; palavra potente o suficiente para descrever a forma como a vida do jovem é norteada. Sempre inquieto, o corpo do protagonista move em um ponto até outro na vida de seus amigos e nas decisões deles para romper com a segurança do lugar comum, seja com um casamento ou uma turnê de shows.

A presença de Filipe e falta de interesse em Elias cria gatilhos que revelam com timidez quem é o paraibano que vive sozinho em um apartamento, mas está sempre cercado de amantes e boemia. O excesso de companhias durante o dia e a noite flexiona com a ausência de uma família, como uma maneira de amortecer o sentimento de distância que não é apenas geográfico por causa da distância entre os estados, mas emocional. Essa é a realidade de muitos homossexuais, por causa dos diversos desafetos que surgem quando a orientação sexual é assumida.

A potencialidade do filme está em sua capacidade discursiva de mostrar o gay em seu dia-a-dia. O que é apresentado em Corpo Elétrico dialoga com as diversas performatividade que o gênero possui e são dificilmente retratados por meio da narrativa cinematográfica. Em uma linha tênue, o filme consegue pegar a bicha não como algo pejorativo, mas como sinônimo de resistência e de luta sobre o direito dos corpos em manifestar a sexualidade como um elemento transgressor ao que é social, histórico e cultural definido como o comportamento do homem e o comportamento da mulher.

Os elementos transgressores e considerados subversivos podem ser identificados em Wellington (Lucas Andrade), personagem gay da história que foi acolhido por uma família de drag queens e trabalha na mesma confecção que Elias. As atitudes do garoto são revolucionárias em uma sociedade onde somos obrigados a exercer os papéis impostos pelo gênero, pois ele flutua entre os dois pontos binários e não se preocupa em estar em nenhum deles.

Contudo, não é porque Wellington e as drag queens de sua família não se encontram em nenhum dos dois lados que eles pertencem a lugar nenhum. A performatividade deles é como a Terceira Margem do Rio descrita por Guimarães Rosa, um ponto que não está nem à esquerda e nem à direita, mas existe. Inúmeras margens persistem quando falamos sobre o gênero, mas a grande questão é como o cinema e o audiovisual deve integrá-las e representá-las em suas narrativas.

Corpo Elétrico surge como uma nova possibilidade para discutir sobre o gênero no cinema, e seus debates e reflexões sobre o tema estão na maneira como os personagens “transgressores” e “subversivos” existem. Eles ocupam cada espaço de São Paulo, trabalham, saem para a balada e fazem show. O filme não esconde, ele mostra sem as máscaras criadas pelos diversos estereótipos reducionistas que mostram o gay de uma única maneira. O discurso é plural, assim como os corpos.


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