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"Coringa" é um filme corajoso, sustentado pela atuação fantástica de Joaquin Phoenix, levando o espectador a refletir em meio ao desconforto.

“Coringa” é um filme corajoso, sustentado pela atuação fantástica de Joaquin Phoenix, levando o espectador a refletir em meio ao desconforto.


NNada mais esperado do que uma onda de polêmica para Coringa, filme que retrata a versão de Todd Phillips, diretor do longa, para a história de origem do clássico vilão do Batman. Dentre problematizações e elogios, Phillips entrega um filme incômodo e corajoso, que encontra na essência de seu personagem uma oportunidade para levar o espectador a refletir sobre o mundo contemporâneo por meio do desconforto.

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A cena de abertura do longa, em que acompanhamos Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) moldando um sorriso em seu rosto entristecido marcado pela lágrima de tinta azul que escorre pela bochecha, resume o que estamos prestes a assistir: a melancolia e sofrimento que levaram aquele homem a se tornar o Palhaço do Crime. Dessa premissa, desenvolvida pelo roteiro em um estudo de personagem, é que surgem a maioria das críticas e virtudes do filme.

Poster nacional

Apontado como irresponsável por supostamente justificar as atitudes horrendas do protagonista, o roteiro escrito por Phillips e Scott Silver assume uma posição interessante para a história, dialogando profundamente com o mundo contemporâneo. O texto de Coringa utiliza da condição psicológica do protagonista como uma ferramenta narrativa para apresentar uma variedade de realidades possíveis, desarmando o espectador e trazendo uma camada a mais para a trama. É uma forma de propor um questionamento quanto a era da pós-verdade e da enxurrada de fake news vivida no mundo atual, com as pessoas escolhendo suas próprias narrativas como certeiras, independentemente dos fatos que lhe são apresentados.

Por outro lado, a construção de um personagem que gera empatia por pena e por todo sofrimento que lhe é causado como um pária marginalizado pela sociedade, adicionam um quê de identificação com o público que torna a experiência ainda mais incômoda – algo que o espectador desavisado e pouco disposto a se questionar achará extremamente desconfortável. Ao contrário do que é dito quanto a essa suposta irresponsabilidade temática, o que Coringa faz enquanto obra cinematográfica é abraçar a oportunidade de incomodar o espectador e levantar questões relevantes, sem demarcar um posicionamento claro e direto.

Joaquin Phoenix é o maior trunfo de Coringa, com uma atuação de tirar o fôlego

Ao acompanhar as discussões e efeitos produzidos após as sessões, fica a sensação de que o epicentro de toda a polêmica levantada não reside no que é oferecido na tela de cinema, mas no que é sentido pelo espectador que percebe ali, em meio ao caos de uma Gotham City fictícia, uma apavorante semelhança com a convulsão e histeria social existentes no contexto real de 2019.

Dentro de tantas questões e interpretações, se aflora a interpretação de Joaquin Phoenix. Para além da perda de peso, o trabalho corporal do ator é preponderante para a construção de um personagem frágil e indefeso que, no início da projeção, conta com um corpo retraído e curvado, em uma demonstração física de que o mundo o está fazendo encolher em si mesmo. Com o desenrolar da trama e o consequente desenvolvimento de Arthur, que vai aos poucos se encontrando (ou porque não se perdendo), Phoenix adota uma postura ereta, ficando cada vez mais à vontade no papel e em seu próprio corpo.

A entrega do ator extrapola o comprometimento corporal, passando também pelas risadas que fogem do mero clichê de um riso macabro e incomodo, mas também tocam no desconforto e na evidente dor com que a gargalhada traz ao personagem, devido a sua condição. Se o ator evidencia na primeira cena de Coringa a melancolia no rosto de Arthur Fleck, na sequência que inicia o clímax do filme vemos Phoenix sumir no personagem e abraçar a identidade do Coringa como uma força motora do caos, destinada a passar uma mensagem e a deixar sua marca em Gotham City.

A cidade símbolo do Homem-Morcego é, também, um importante e bem trabalhado elemento do filme. A cinematografia de Lawrence Sherr usa de tons sombrios para criar uma atmosfera mórbida e soturna para uma Gotham suja e fria, que agregam ainda mais em toda a melancolia de Coringa. Junto disso, tem-se a pesada trilha sonora de Hildur Guõnadóttir, que termina por amarrar a sensação de desamparo e solidão do protagonista ao longo de toda projeção. No que diz respeito a trama, a presença de Thomas Wayne (Brett Cullen) existe como uma lembrança de presença do Batman naquele universo, além de ser uma força motriz emocional para terminar a deturpação psicológica do protagonista.

Obviamente comparado a Taxi Driver (1976), pela evidente inspiração estilística, e a Laranja Mecânica (1971) e Clube da Luta (1999), pelas polêmicas temáticas, o filme de Todd Phillips é, sobretudo, um ponto fora da curva dentro do cinema estadunidense dos anos 2000. Em meio a uma época em que filmes abusam da exposição e didatismos para engajar o espectador (algo que o próprio filme cede, mesmo que levemente, ao explicar a dinâmica que envolve a vizinha vivida por Zazie Beetz), Coringa se assume como uma obra provocadora justamente por não abraçar um final hermético ou uma única posição discursiva.

Arthur é vítima e agente de sua jornada, tão culpado quanto peça de um sistema maior que o engole para, mais a frente, permitir que ele assuma uma posição de poder suficiente para provocar uma grande catálise social. É justamente dessa dualidade que Coringa cresce como um filme símbolo de seu tempo, provocando no espectador uma reflexão incomoda ao passo que dá vida a história de um dos vilões mais importantes da cultura pop.

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