fbpx
"Atlantique" propõe um retrato das tensões sociais senegalesas por meio de uma intimista história de amor e de uma trama sobrenatural.

“Atlantique” propõe um retrato das tensões sociais senegalesas por meio de uma intimista história de amor e de uma trama sobrenatural.


ÉÉ normal que dentro do enorme catálogo da Netflix, algumas produções excelentes caiam no ostracismo para a maioria dos espectadores. Felizmente Atlantique é um dos casos que, devido ao sucesso e elogios mundo afora, atrai os merecidos olhares para uma obra intima, autoral e bonita. O que de fato sustenta os comentários virtuosos do filme é o olhar íntimo e autoral com que a diretora combina uma história de amor à um drama social pautado na libertação – seja ela da opressão social ou da dor de um amor perdido.

Alçado aos holofotes como o filme que levou a primeira diretora negra a competir pela Palma de Ouro no Festival de Cannes, Atlantique marca a promissora estreia de Mati Diop na direção de um longa-metragem após comandar alguns curtas e atuar em 35 Doses de Rum, de Claire Denis. Se os bons comentários em Cannes não bastassem, a película ainda tem chance à uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar, colocando o nome de Diop de vez no mapa.

Situado na capital Senegalesa, Atlantique acompanha dois jovens apaixonados. Ele, Souleiman (Ibrahima Traore), é um pedreiro que sofre com a indiferença dos patrões endinheirados que não pagam seu salário há três meses, enquanto o recém terminado edifício Muejiza irrompe aos seus da ensolarada e desértica Dakar. Ela, Ada (Mama Sane), é uma moça obrigada por pressões familiares e sociais a casar com um destes empresários ricos como uma suposta oportunidade de ascensão social. Quando Souleiman parte sem dizer adeus para tentar a travessia de barco para a Espanha, em uma busca de uma vida melhor, Ada se vê presa em um relacionamento que falta presença e verdade, relegada a sofrer com a incerteza da morte de seu verdadeiro amor e a angustia da perda eminente.

A atriz Mame Bineta Sane

O drama que se desenvolve a partir dessa construção ganha traços sobrenaturais e flerta com filmes de fantasmas e de investigações policiais, algo que pode soar um pouco desconexo do tom intimista do primeiro ato. Assim, Mati Diop equilibra as tensões sociais de uma Dakar quente e de clima árido, muito bem captada pela cinematografia de Claire Mathon, a sequências que dão o tom surrealista e sobrenatural na baixa iluminação azulada das noites. Também, os momentos íntimos entre Ada e Souleiman, sempre construídos pelo uso de planos fechados que destacam os momentos de ternura entre os dois, constroem uma imediata conexão que se sustenta por todo o filme.

Em certo momento, Atlantique se aproxima de Bacurau no que diz respeito a consciência narrativa de equilibrar o surrealismo – e no caso da película senegalesa o flerte com o sobrenatural – com a proposta discursiva social e política. A diretora não se esquece, em momento algum de falar sobre a desigualdade social presente no Senegal e sobre a opressão às mulheres na sociedade, criando ainda mais força para o tema da libertação que se desenvolve.

Na verdade, a opção pela abordagem que flerta com os filmes de fantasma, reforça ainda mais os discursos contra um sistema opressor, mostrando como a representação destes retornos vingativos é o resultado de uma tensão social crescente.

Ao final, Atlantique se destaca por combinar com precisão elementos tão diferentes de um conto de amor, uma história de fantasmas e de um drama político intimamente construído pela sensibilidade de uma diretora muito promissora.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Back To Top