fbpx
"Assunto de Família" entrega uma impactante história, aprofundando-se na intimidade de uma família para explorar e questionar os limites dessas relações.

“Assunto de Família” entrega uma impactante história, aprofundando-se na intimidade de uma família para explorar e questionar os limites dessas relações.


AA filmografia de Hirokazu Koreeda tem mostrado que as relações familiares são mais do que um tema para seu cinema, mas sim um meio. O cineasta japonês, responsável por outros ótimos trabalhos recentes que chegaram a ser exibidos no Brasil como O Que Eu Mais Desejo (2011), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade (2016), vem trabalhando de forma recorrente com os detalhes mais simples de um núcleo familiar, mas explorando-os com profundidade e usando-os como forma de desnudar valores culturais do Japão e costumes familiares.

Com a estreia de seu mais novo filme, Assunto de Família, que lhe rendeu o Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2018, Koreeda usa de um olhar naturalista, cru e seco para tratar das nuances existentes nas relações familiares, evocando questionamentos quanto a o que é exatamente uma família, o que é preciso para cultivar o sentimento de união e carinho e quais os efeitos, sejam afetivos ou profundamente pessoais, nas crianças.

Assunto de Família traz a essência do cinema japonês, sempre muito sutil, contemplativo e com um viés lírico para tratar de narrativas que vista por um olhar desatento, não enxergam a beleza e profundidade do que está sendo exibido. Koreeda domina com maestria o ritmo lento, compassado e contemplativo de seu filme, utilizando de uma câmera parada que coloca o espectador na posição de testemunha ocular da história daquela família. Se visto por um olhar mais descuidado, podemos dizer que Assunto de Família é sobre um núcleo familiar formado por uma avó (Kirin Hiki), um pai chamado Osamu (Lily Franky), uma mãe chamada Nobuyo (Sakura Andô), uma filha adulta (Aki, vivida por Mayu Matsuoka) e um jovem garoto chamado Shota (Kairi Jo).

Com uma vida dura, simples e pobre, eles vivem em uma minúscula e precária casa em Tóquio. Passando por uma evidente situação de pobreza e com uma relação problemática com dinheiro, Osamu desenvolve sua relação de pai com Shota a partir do ensinamento de pequenos furtos em lojas de conveniência e supermercados, criando uma dinâmica com a criança que ao mesmo tempo que lhes conecta de alguma forma, a faz de um jeito questionável e perigoso.

É justamente voltando de um desses delitos que se deparam com a pequena Yuri (Miyu Sasaki), uma criança machucada e largada na área externa de uma casa, levando Osamu a carregar a garota para dentro de seu núcleo familiar. Mesmo que dentro do contexto ao qual estão inseridos, seria essa a melhor forma de educar e criar um filho e também de dar assistência a mais uma criança?

Em outro ponto da trama, Aki se mostra como uma filha já adulta e madura a ponto de ter seu próprio emprego, mesmo que seja um que foge totalmente do convencional e que sofra de um preconceito ainda maior na sociedade oriental. Sua relação com a avó e o constante questionamento da mãe, também mostram a disfuncionalidade daquela família, que durante as duas horas de projeção de Assunto de Família e com os acontecimentos da trama só vai conseguindo se manter unida graças a mudança no núcleo que foi a chegada de Yuri.

O que permeia de forma muito interessante toda a projeção é a sensação de que Koreeda quer levantar questionamentos quanto ao comportamento de suas personagens e, consequentemente, problematizar toda a temática envolvendo os laços familiares, mas a sua escolha por uma câmera contemplativa torna tudo em uma experiência sem julgamentos.

O trabalho do diretor de fotografia Ryûto Kondô é imprescindível para o lirismo complacente do filme, que é sustentado pelo jogo de câmeras paradas que somente observa as personagens em seu dia a dia, quase que em um tom documental cru, captando os detalhes e sutilezas mais intrínsecas de uma relação familiar. É uma forma de convidar o espectador a presenciar cada acontecimento em sua forma mais verdadeira e crua, para a partir dai ele tomar suas decisões e julgamentos.

E é justamente a partir das tomadas de decisões que a o roteiro de Assunto de Família apresenta algumas revelações não muito surpreendentes, mas poderosas. O impacto dos acontecimentos na união de uma família disfuncional, que se mantinha unida por um sentimento pouco verbalizado, vem a tona em um desfecho forte e duro. É a maneira sútil, interessante e marcante do diretor, que também assina o roteiro, de falar sobre família sem que muitas palavras sejam ditas.

A falta de som é também imperativa no filme, com pouquíssimas sequências acompanhadas por trilha sonora, dando espaço para os sons diegéticos de uma Tóquio diferente, mais suja, vazia e mórbida do que a metrópole tecnológica e povoada comumente exibida no cinema.

Com um narrativa que anuncia um provável contra-tempo para a família, seja pela procura por Yuri, pela falta de dinheiro ou pelos pequenos roubos de Shota e Osamu, o filme traz um desfecho que soa um pouco desconexo com toda a construção ao longo de sua exibição. Koreeda entrega respostas concretas para perguntas que funcionam melhor sem serem respondidas, mas o faz de uma forma condizente com a dureza e seriedade com que trata seus discursos no filme. Ao final, Assunto de Família traz uma poderosa e impactante história a respeito das intimidades de uma família, nos levando a questionar quais os limites, certezas e incertezas de uma das relações mais universais de todas.


OSCARs 2019

Indicações: 1.

  • Melhor Filme Estrangeiro (Japão)

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Filmes
Bruna Curi

A magia presente em Quebra Nozes

“O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” ganha uma nova vida nas mãos da Disney, que volta a contar a clássico história do Quebra-Nozes. A história do Quebra-Nozes é muito famosa ao redor do mundo, seja por conta do romance O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos (1816), escrito por Ernest Theodor Amadeus Hoffmann, ou pelo cultuado ballet de Tchaikovsky, que estreou em 18 de dezembro de 1892 no Teatro Mariinsky, em St. Petersburg, Rússia. No cinema, o Quebra-Nozes já foi explorado em diversas adaptações ao longo dos anos: Nutcracker Fantasy (1979), O Príncipe Encantado (1990), O Quebra-Nozes (1993), Barbie em O Quebra-Nozes (2001) e

Leia a matéria »
Back To Top