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“Aquaman” traz um frescor para o universo cinemático da DC, em um filme divertido e visualmente belo, fazendo uso consciente e certeiro de sua cafonisse.


Quando o primeiro trailer de Aquaman foi liberado, ficou claro que a DC Comics e a Warner Bros. haviam entendido que precisavam mudar drasticamente sua empreitada no cinema. Apesar de terem iniciado essa transformação em Mulher-Maravilha (2016), que já havia apresentado mais humor, leveza e menos sobriedade do que existia no universo criado a partir da visão de Zack Snyder, o filme do herói aquático abraça de vez a despretensão e a cafonice para entregar um filme que dosa com perfeição o quanto se deve levar a sério e o quanto se pode divertir com si mesmo. Essa característica, inclusive, é uma das mais latentes no longa. Aquaman é, sem dúvida nenhuma, um filme divertido, seja ele para o público ou para a equipe envolvida em sua produção.

É justamente essa energia boa e alegre, personificada em seu protagonista e na performance de canastrão de Jason Momoa, que conseguem justificar e ressaltar perante um roteiro inconsistente e inchado. Naturalmente, o texto foca em apresentar todo o universo submarino e a mitologia dos Sete Mares por meio da história de Arthur Curry, filho da Rainha Atlanna (Nicole Kidman) com o pescador Thomas Curry (Temuera Morrison), que precisa retornar para o reino de Atlântida quando seu meio irmão Orm (Patrick Wilson), atual comandante da civilização submersa, decide iniciar uma guerra contra a superfície. Para evitar o conflito entre os dois mundos, o Aquaman precisa regressar para o reino e exigir seu lugar como herdeiro legítimo ao trono, impedindo que Orm coloque em rota seu plano de dominação.

Com uma premissa simples e tradicional, o roteiro usa de inúmeras convenções da jornada do herói para construir o arco do protagonista, como a negação de seu dever como “o escolhido”; o treinamento com um sábio para se tornar o herói (que aqui é trabalhado em flashbacks, também como uma justificativa de que já havíamos sido apresentados ao personagem em Liga da Justiça); uma derrota em sua jornada que lhe faz pensar que não é capaz de superar seu antagonista; e também a aventura com diversas etapas e obstáculos que o fazem crescer e se tornar o grande herói pronto para a derradeira missão. Há, também, muita exposição de conceitos para apresentar a mitologia dos Sete Mares e o contexto em que o reino submarino está mergulhado, além de conter um inchaço significativo que causa digressões, principalmente em toda a trama envolvendo o Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II). Apesar de ter uma origem sólida e bem construída, inclusive interligada a jornada do protagonista, o Arraia acaba sendo só uma ferramenta narrativa de obstáculo na jornada do Aquaman no mundo da superfície.

No arco principal da história, Arthur Cury (a esquerda) precisa defender a superfície do megalomaníaco Orm (direita), seu meio-irmão que tem o desejo megalomaníaco de mostrar à superfície a supremacia de Atlântida e controlar os Sete Mares

O tom divertido supera as fracas piadas do roteiro, que – com exceção de uma ótima brincadeira com o livro/filme do Pinóquio – não se sustentam como punchlines e também não funcionam na desastrosa relação entre Mera (Amber Heard) e o protagonista. Há uma falta de química gritante entre os dois, seja para sequências que exigiam um entrosamento cômico ou naquelas que demandavam um apelo mais romântico e sensual. Apesar desta inconsistência, a narrativa se sustenta graças a energia divertida, descontraída e bem humorada da trama, carregada pela atuação canastrona de Jason Momoa e também pela cafonice assumida do longa. Se é evidente que o ator está se divertindo ao viver o personagem, a sensação é de que os roteiristas David Leslie Johnson-McGoldrick e Will Beal, assim como o diretor James Wan, se permitem explorar dessa cafonice como meio para construir o longa. E como funciona!

Dando vida à imensidão de conceitos apresentados, James Wan faz um filme de fantasia épico, tanto em escala quanto em tom, potencializando a diversão em uma jornada de aventura. O diretor, consagrado por criar algumas das principais franquias do gênero de terror dos últimos 15 anos (Jogos Mortais, Invocação do Mal e Sobrenatural), já havia mostrado suas habilidades como comandante de filmes de grande orçamento em Velozes e Furiosos 7 (2015), mas em Aquaman ele sobe um nível na escala de realizador. Wan trabalha as sequências de ação com maestria, usando de uma câmera móvel nas sequências em terra firme, que passeia pelo embate quase que como uma testemunha ocular do que acontece, tornando os confrontos em um ballet violento. Já as lutas debaixo d’água, assim como todos as cenas subaquáticas, são muito bem resolvidas quanto ao efeito estético de estar submerso e ganham uma conotação mais fantasiosa, permitindo uma engenhosidade maior do CGI e do tom épico. O diretor ainda guarda um climax verdadeiramente grandioso, digno de uma batalha de exércitos de filmes de fantasias medievais, como Senhor dos Anéis, mas submersa nos oceanos e recheada de criaturas marinhas grotescas. Há, também, um plano esteticamente muito bonito, em que o herói e Mera saltam adentro das profundezas do oceano empunhando um flare avermelhado, sendo perseguidos por um cardume de monstros marinhos em um movimento espiral que torna tudo coreografado com uma plasticidade arrebatadora.

Mera, que já apareceu em Liga da Justiça, é a companheira de viagem de Arthur, juntando-se ao herói para recuperar o tridente perdido de Atlan

Assim como a direção, todos os aspectos visuais do longa compensam as falhas do roteiro por apresentar um universo submarino rico em cores e texturas. Cada um dos reinos possuem suas próprias características, que são apresentadas na transformação de conceitos em visual – sejam nas roupas, na arquitetura dos prédios, no tom das construções ou nas criaturas que são utilizadas para combate. Não só as naves aquáticas têm formas e curvas inspiradas em animais marinhos, mas também possuem uma movimentação quase que orgânica, parecendo ser o resultado de tecnologias avançadas com uma inspiração no movimento natural destes bichos. O Reino de Atlântida por si só é construído com um esmero visual altíssimo, mesclando um futurismo neon colorido com construções pitorescas e estruturas altas, vistas em filmes como Blade Runner (1982) e O Vingador do Futuro (1990).

Seguindo o tom geral e explorando das falas engessadas do roteiro, o elenco assume também uma posição de diversão com as próprias atuações, se permitindo um exagero providencial para a construção dos personagens. Momoa pode não ser um ator com amplitude dramática, mas compensa no carisma, energia e simpatia, vivendo um Arthur Curry/Aquaman descolado e fanfarrão. Patrick Wilson entende o tom do longa e consegue usar do exagero na atuação para trazer peso e imponência a Orm/Mestre dos Oceanos, ao passo que Yahya Abdul-Mateen II garante intensidade e rancor a um Arraia Negra que acaba esquecido pelo roteiro, principalmente do segundo ato para a frente.

Arraia Negra é um dos principais antagonistas da mitologia de Aquaman, estando no filme como um segundo vilão

Nicole Kidman e Willem Dafoe também sofrem com a falta de tempo de tela, mas mostram a que veio quando têm oportunidades. Ela captura a atenção com uma presença de tela forte e magnetizante, ele traz sobriedade e inteligência para um personagem fadado ao espaço de coadjuvante. Amber Heard claramente se esforça no papel de Mera e traz personalidade para a personagem, mas a heroína acaba com um papel dramático que constantemente relembra o protagonista (e o espectador) das responsabilidades e importância da procura pelo tridente, causando um ruído com todo o tom da projeção.

Por mais falho e inconsistente que seja, Aquaman traz um frescor muito necessitado para o universo cinematográfico da DC Comics, seja em seu clima descontraído e sua qualidade despretensiosa, ou na riqueza de cores que dão um tom lúdico ao filme. James Wan entrega uma aventura envolvente e empolgante, respaldada por um Jason Momoa que personifica a essência do filme e do herói: um que se permite divertir enquanto salva o mundo.


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