fbpx
Em "Annette", Leos Carax faz uma viagem operística perdida entre a tragédia das relações afetivas e a essência performática da arte.

Em “Annette”, Leos Carax faz uma viagem operística perdida entre a tragédia das relações afetivas e a essência performática da arte.


MMesmo que este não seja o termo mais comumente usado a descrever um filme de Leos Carax (Holy Motors e Boy Meets Girl), dá para dizer que Annette é o longa mais acessível do diretor até então, apesar de toda a viagem operística que ele propõe.

Este novo projeto protagonizado por Adam Driver e Marion Cotillard carrega um aspecto muito artificial que é evidente em toda encenação e, sobretudo, na ideia de expor essa artificialidade presente no meio artístico (seja na cobertura midiática da vida do casal, no jornalismo de fofoca, no relacionamento performático que os dois tem um com o outro). Acaba que tudo em Annette tem mesmo um propósito espetaculoso para evidenciar essa condição aguda da relação que, como toda boa ópera, se encerra em tragédia.

Mesmo que a narrativa se agarre a toda essa artificialidade, o filme também tem um polimento cru, forte e visceral que é muito associado ao personagem (e a própria atuação fantástica do Adam Driver). De alguma forma mostra a masculinidade como algo opressor e brutal nas expressões afetivas e artísticas. Não é atoa que o maestro vivido pelo Simon Helberg funciona tão bem na dinâmica com o protagonista porque se desenvolve uma tensão física e impositiva, de um confronto de um homem corpulento e massudo frente a uma figura franzina e amedrontada.

No fim das contas, mesmo que em um primeiro momento crie-se um distanciamento e incômodo com toda a artificialidade do filme (especialmente dos cenários que soam como verdadeiros palcos montados e da criança falsa e esquisita feito um boneco ventríloquo), com o desenrolar do enredo essa dimensão quase surrealista vai se afirmando como um projeto coeso, mesmo que falho.

Inclusive, o encerramento de Annette, quando a filha aparece verdadeiramente (em sua “forma humana”), é muito chocante e extremamente forte. Esta talvez seja uma das sequências mais impactantes do longa, porque arremata o que o Carax grita, em tom operístico, o filme inteiro: que aquela criança nascida do encontro de duas grandes estrelas artísticas peculiares e extravagantes só acessou sua humanidade quando rejeitou a arte e todo o sofrimento que sua vida teve por causa dela.

E talvez Annette seja mesmo um grande retrato sobre a dor e o peso de um homem que não consegue dissociar a própria vida pessoal de sua vida artística e performática.


Annette estará disponível no catálogo da Mubi Brasil.

Compartilhe

Twitter
Facebook
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Pocket
relacionados

outras matérias da revista

Televisão
Vitória Silva

A quebra da família tradicional norte-americana

“One Day At A Time” busca um tom mais leve e frágil para levantar questões importantes de serem discutidas, em uma terceira temporada inferior as anteriores. Nota da Colab: este texto contém spoilers. Imagine um retrato de uma típica família norte-americana. Agora substitua por uma mãe ex-militar divorciada, uma filha lésbica, um filho latino e uma avó imigrante cubana. Essa é a receita perfeita e incomum que deu origem a (nova versão da série) One Day At A Time. Produzida pela Netflix e lançada em 2017, a produção é um reboot da sitcom de mesmo nome, originalmente lançada em 1975. Ambientada

Leia a matéria »
Back To Top