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Ecoando o #MeToo, "A Assistente" faz um potente e delicado retrato das dinâmicas opressoras sistémicas de Hollywood.

Ecoando o #MeToo, “A Assistente” faz um potente e delicado retrato das dinâmicas opressoras sistémicas de Hollywood.


FFosse na proposta de “filme-denúncia” ou em um olhar intimamente dilacerador sobre a própria indústria, era questão de tempo até que o #MeToo se tornasse tema central de diversas produções. É interessante, então, que a responsável por A Assistente – filme que retrata os abusos e assédios do ambiente de trabalho hollywoodiano – seja uma cineasta australiana afastada desse meio.

Diretamente da Oceania, Kitty Green assume a direção com um olhar pontual e muito interessante: se o problema em Hollywood é sistémico, nada mais justo do que retratar as bases dessa estrutura pelo viés da espacialidade.

O principal mérito da cineasta está na destreza como ela trabalha a relação espacial em sua encenação. Green passeia com a câmera com delicadeza, em movimentos lentos e compassados de um olhar observador e atento a rotina de Jane (Julia Garner), a assistente de um poderoso produtor de cinema que, em sua rotina, cuida das mais triviais e maçantes atividades profissionais enquanto percebe os abusos acontecendo de forma velada.

Assim, a diretora de A Assistente usa dessa câmera paciente e observadora para captar um olhar impessoal, frio e seco de todo o ambiente de trabalho da produtora, na mesma medida em que a fotografia e a direção de arte colaboram para o a atmosfera de desconforto que paira sobre o local.

Além disso, Kitty Green constantemente desloca a protagonista no plano, em um retrato de uma personagem acuada em um ambiente hostil que oprime e impera sobre ela a todo momento. O próprio design de produção potencializa a força dessa materialização ao construir um escritório de inúmeros corredores, baias e salas com entradas e portas a serem fechadas para limitar o acesso e delimitar mais do que barreiras, mas uma hierarquia.

 

Essa dinâmica se faz presente também na maneira com que a figura do chefe é apresentada: a não-personificação de seu mandatário opressor como um artifício narrativo torna sua presença em uma força onipresente ao longo da projeção, ao passo que garante uma universalidade desse retrato a dinâmica das relações de poder e gênero ao não demarcar um rosto próprio.

Nesse sentido, A Assistente toma um caminho interessante porque se distância de qualquer retrato mais emotivo ou que evoque um drama dos efeitos psicológicos e emocionais nas figuras participantes. Pelo contrário, tudo se dá pela sugestão, pela atmosfera impositiva e opressora que reforçam a situação normalizada que as mulheres do escritório se encontram nas engrenagens da indústria.

São frases murmuradas no som extracampo, piadas proferidas pelos colegas de escritório e a responsabilidade por organizar a logística dos encontros problemáticos do chefe – uma série de atividades que provocam a protagonista até o ponto máximo de sua tomada de consciência, de tentativa de tomada de ação.

Dentro desta encenação seca, a atuação de Julia Garner é precisa em equilibrar a contenção e a expressividade necessária para esses sentimentos conflitantes de angústia, de incomodo e desprezo que tomam conta da protagonista silenciosamente.

Os olhares singelos, os respiros, os sussurros, as reações pequenas e poderosíssimas a tudo o que ela percebe e vê acontecer por debaixo dos panos ganham força no bom trabalho de Garner, que junto dos close-ups pontuais nestes momentos de conflito da assistente tornam a denúncia ainda mais potente.

Há um equilíbrio calculado nesse movimento de aproximação e distanciamento da câmera por parte de Kitty Green que, delicadeza e precisão, faz de A Assistente um retrato potente da estrutura opressora que o #MeToo ajudou a revelar.

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