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Uma análise profunda dos filmes atuais comprovam que Hollywood não passa por uma crise de originalidade, mas sim por um período criativo.

Uma análise profunda dos filmes atuais comprovam que Hollywood não passa por uma crise de originalidade, mas sim por um período criativo.


SSe você é um cinéfilo ou até mesmo um frequentador casual dos cinemas, com certeza já ouviu (ou talvez até concorde) com as seguintes frases como

“Faltam filmes originais nos cinemas”

Hollywood é uma máquina de sequências, remakes e reboots”

“Os grandes estúdios acabaram com a figura do autor no cinema”.

Pois bem. O ponto do artigo que segue é ilustrar que essa visão, apesar de parcialmente correta, é uma análise míope do riquíssimo cenário cinematográfico que vivemos no presente. Vamos conversar, então, sobre como os filmes originais ainda representam a maioria das obras que chegam às telonas todos os anos, por mais improvável que isso pareça.

 

O NÚMERO DE LANÇAMENTOS & O CINEMA INDEPENDENTE

O primeiro fator a ser observado nesta análise é o número de filmes lançados comercialmente todos os anos, que atualmente flutua entre 3500 e 4000 longa-metragens. Este número monumental de filmes equivale a entre 67 a 76 lançamentos por semana ao longo de todo ano. Claro, isso não inclui somente aqueles filmes que chegam até as telas prateadas, levando em conta também os que vão para a TV, festivais de cinema, serviços de streaming, etc.

Com a crescente popularidade da Netflix, os estúdios tem entrado na batalha dos streaming. O mais recente estúdio a entrar nesse jogo foi a Walt Disney Company, com o serviço “Disney+”, cujo catálogo traz um vasto número de produções da casa.

Para se ter uma ideia melhor do quão absurdo esse número é dentro do contexto da história do cinema, entre 1901 e 1985 tivemos um total de 3613 longas lançados, quase 250 filmes a MENOS que o total do ano de 2018. Sim, é isso mesmo que você leu. Esse crescimento pode ser atribuído a diversos fatores, desde a melhora, compactação e barateamento dos equipamentos utilizados nas produções até o crescimento da indústria do cinema de forma geral.

Entretanto, os grandes fatores que podemos listar são o crescimento do cinema independente e dos filmes “estrangeiros” – aqueles fora da esfera hollywoodiana. No primeiro dos casos, observamos uma forte ascensão do cinema independente a partir de meados dos anos 90. Em 1995, tivemos quase 200 filmes lançados nos cinemas dos Estados Unidos. Destes, cerca de 130 foram estreias advindas dos grandes estúdios de Hollywood (em especial do Big-6, formado por Disney, Warner Bros., Sony, Universal, Fox e Paramount), aparecendo em ao menos 1000 telas.

“Número de Filmes Lançados no Cinema dos EUA” / Em laranja estão todas as estreias, enquanto em azul apenas os principais títulos / Gráfico retirado do site Stephen Follows

Já em 2016, tivemos um total de 736 longas nos cinemas estadunidenses, dos quais apenas 93 vieram dos grandes estúdios. Se compararmos esses dados com os de 1995, temos uma redução de 27% nos lançamentos dos maiores players do mercado, e um crescimento de incríveis 894% (sim, quase NOVECENTOS por cento) dentre os filmes independentes.

Outro fator a ser observado é o aumento das produções de fora da esfera hollywoodiana ao longo dos anos. Em números absolutos, por exemplo, a Índia é de longe o maior contribuinte para o número de filmes lançados todos os anos, com cerca de 1800 estreias anuais. Juntando-se a ela temos a China, Nigéria, Coréia do Sul, Japão, França, Argentina, Itália e até mesmo o Brasil, que já superou o número de 150 filmes produzidos anualmente.

Rank / País / Filmes / Ano

Tá bom, Pedro! Mas o que raios isso tem a ver com a originalidade dos filmes em Hollywood? Eu te explico.

 

PERCEPÇÃO vs. REALIDADE

Levando em conta os dados que trouxe acima, é seguro assumir que não vemos nem a ponta do iceberg quando o assunto é Cinema. Mesmo se assistíssemos três filmes todos os dias, mais de 2/3 dos lançamentos mundiais ainda passariam longe das nossas retinas todos os anos. Como isso contribui para nossa percepção de que só temos remakes, reboots e sequências nas telonas?

Em vários níveis.

O primeiro deles é o papel dos estúdios nessa história. Levando em consideração que eles são os agentes mais ricos dentro do mercado de cinema, não é surpreendente que eles também sejam os agentes com maior alcance. Ou seja, é muito mais provável que você seja impactado pelo marketing de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio do que pelas campanhas de Parasita – mesmo o primeiro tendo sido um fracasso de bilheteria e o segundo um sucesso.

Um dos maiores lançamentos do ano, “Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” trouxe um orçamento de quase 200 milhões de dólares. Com críticas mistas e há um mês nos principais mercados do mundo, o filme só conseguiu, até o momento, uma bilheteria de US$ 250 milhões.

Trata-se de uma questão de escala. Já temos alguns anúncios de lançamentos de filmes do Big-6 em 2020, 2021 e, em casos mais extremos, até 2024 – se você ficou curioso, trata-se de Animais Fantásticos 5. As verbas de marketing dos grandes blockbusters usualmente são maiores que a verba de produção dos filmes independentes, algo que se reflete diretamente no imaginário e discurso popular.

Outra questão é a bilheteria. Dos 100 filmes mais bem-sucedidos anualmente nos EUA entre 2005 e 2014, temos 39% de obras originais. Apesar de isso, em tese, estar em linha com o fato de 44.6% dos filmes de 1995 a 2019 terem sido roteiros originais (em termos de bilheteria), a figura fica cada vez menor quando nos aproximamos do topo.

Gráfico “As 10 Maiores Bilheterias de Hollywood (2005-2014)” / Em vermelho temos os Títulos Originais, enquanto em Azul os filmes derivados

Do Top 10 de bilheteria de cada ano, apenas 15% é formado por filmes originais, sendo que um deles é uma mistura de Pocahontas, (1995) Danças com Lobos  (1990) e Matrix (1999). Sim, Avatar  (2009) é tecnicamente um roteiro original. E isso levou a uma correlação direta das verbas de produção: em média U$70 mi para adaptações e U$46 mi para os originais.

Evidentemente não estamos falando aqui só de sequências, remakes e reboots, mas de filmes adaptados em geral, que são formados não só dos elementos supracitados, mas também de adaptações de livros (14% das produções, 20% da bilheteria) e de filme baseados em eventos reais (21% das produções, 5% da bilheteria). Isso não tira o fato de as sequências realmente serem altamente prevalentes, em especial entre os filmes mais populares de cada ano.

Gráfico “As 10 Maiores Bilheterias de Hollywood (2005-2014)” / Em vermelho temos os filmes derivados, enquanto em Azul os filmes originais

Entre 2005 e 2017, vimos um aumento de 9% para 33% de sequências no top 100 da bilheteria mundial, algo realmente significativo. A tendência geral, entretanto, é de queda. Em alguns momentos da década de 80 e 90, quase 50% dos filmes produzidos eram sequências ou prelúdios, algo longe da realidade atual mesmo quando levamos em conta apenas os filmes mais populares. No caso dos temidos remakes e reboots, a tendência de queda é ainda maior quando levamos em conta o período de 2005 a 2017, momento em que vimos os remakes irem de 17% do Top 100 até 5% do ranking.

Finalmente, vale ressaltar que todos esses números não levam em consideração o gênero dos filmes analisados. Ao analisar esse fator, vemos que é muito mais provável haver uma Comédia Romântica original do que um filme de aventura ou um musical. No caso do musical, especialmente pelo fato da sua perda de prevalência em geral, de forma os estúdios tem apostado somente em “retornos certos”, que é a visão geral dos executivos sobre sequências, remakes e reboots.

Aclamado pela crítica e quase desconhecido pelo público em geral, “Parasita” vem se dando muito bem no circuito das premiações. E com um orçamento de apenas 11 milhões de dólares, o filme já arrecadou mais de US$ 120 milhões.

 

O QUE TIRAR DE TUDO ISSO?

Ao levarmos em conta todos os fatores citados ao longo desse artigo, chegamos à conclusão de que o assunto das sequências e remakes é, como de costume, mais complexo e cheio de nuances do que a percepção inicial nos levaria a acreditar.

Podemos afirmar com algum nível de confiança o seguinte:

  • Em nenhum momento da história tivemos tantos filmes originais sendo produzidos, mas eles parecem não ter um sucesso financeiro tão estrondoso quanto os baseados em algo.
  • As sequências seguem em alta, mas não passam perto do patamar que chegaram entre 1985 e 1999.
  • Os remakes em geral demonstram uma tendência de baixa a partir de 2005.
  • O dinheiro parece ser o fator preponderante para definir a percepção do público, quando consideramos as campanhas de marketing e as bilheterias.

Então, se você está buscando pela originalidade na indústria do cinema, não se desespere, procure apoiar filmes como Parasita, Era Uma Vez em Hollywood, Dor e Glória, Marriage Story, Fora de Série, Entre Facas e Segredos, 1917, Nós, O Farol, Ford v Ferrari, Ad Astra ou qualquer um dos tantos lançados todos os anos.

Em apenas uma semana em cartaz, “Frozen II” atingiu uma bilheteria de quase US$ 400 milhões, para um orçamento não divulgado – possivelmente na casa dos 100-150 milhões de dólares.

E se quiser assistir a Frozen 2, não se sinta culpado, let it go.


 Para mais informações e números, acesse os sites:

http://pnc.cultura.gov.br/2019/04/23/brasil-ultrapassa-meta-de-lancar-150-filmes-por-ano-ate-2020/ (Em Português)

https://stephenfollows.com/the-prevalence-of-sequels-remakes-and-original-movies/ (Em Inglês)

https://stephenfollows.com/hollywood-remakes-and-reboots/ (Em Inglês)

https://stephenfollows.com/hollywood-sequels-by-the-numbers/ (Em Inglês)

https://stephenfollows.com/many-movies-based-real-life-events/ (Em Inglês)

https://stephenfollows.com/how-original-are-hollywood-movies/ (Em Inglês)

https://www.the-numbers.com/movies/#tab=year (Em Inglês)

https://www.the-numbers.com/market/ (Em Inglês)

https://en.wikipedia.org/wiki/Film_industry (Em Inglês)

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