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Crítica / “Shazam!”

“Shazam!" é uma história sobre amadurecimento, lembrando a constante jornada de desenvolvimento e auto-descobertas em que estamos.


Você se transforma ao dizer “Shazam!”

 

O que é a dignidade humana? Pensar que há um único exemplo de ser humano ideal é tão antiquado quanto limitado. As grandes mitologias que criamos, no entanto, sempre buscaram expandir a concepção idealizada da dignidade humana por meio de virtudes e qualidades inerentes ao ser. Essa reflexão me tomou por completo logo no começo da projeção de Shazam!, quando presenciamos o encontro sobrenatural do jovem Thaddeus Sivana (Mark Strong) com um mago ancião. “Você é digno?”, a pergunta emblemática feita pelo mago, estabelece um dos principais temas da trama, que ousa em apresentar uma resposta contemporânea e relevante.

Com direção de David F. Sandberg, a adaptação da herói dos quadrinhos, criado em 1940 por Bill Parker e C. C. Beck, mescla tradição com quebra de padrões para contar uma história de origem pouco pedante e que trabalha a construção do herói de maneira lúdica e extravagante. Diferente do óbvio clichê de “não se levar a sério” frequente nas adaptações recentes de Deadpool(2016) e Guardiões da Galáxia (2014), percebemos que a provocação feita pelo mago no começo do filme é levada para frente não em tom de deboche, mas sim a partir do ponto de vista de um adolescente.

Sendo assim, não é errado rotular Shazam! como uma história sobre amadurecimento. Na sequência inicial, observamos um jovem e frágil Sivana lidar com a aceitação do pai e do irmão durante uma viagem de carro quando, de repente, o garoto é transportado para um lugar sombrio e misterioso. Lá, o mago ancião (Djimon Hounsou), de aparência exausta e decrépita, confronta o garoto de maneira semelhante, porém com outro intuito: encontrar um herdeiro para os seus poderes. Um herdeiro que seja digno o bastante para não cair nas tentações dos sete pecados capitais e sirva de modelo de exemplo para a humanidade. Ao perceber que Thaddeus Sivana não era digno, o mago, em tom de rejeição, o envia de volta para a realidade e, assustado, o garoto acaba provocando um acidente do qual, de início, não sabemos exatamente as consequências além do desprezo imediato de seus familiares.

Após a breve introdução, somos apresentados a Billy Batson (Asher Angel), em uma sequência que visualmente já diz bastante sobre o menino de 14 anos enquanto ele prepara uma emboscada para os policiais com o objetivo de encontrar um endereço no banco de dados com base no sobrenome de sua mãe. Com o uso de flashbacks, conhecemos o passado do garoto e o que o motiva: aos três anos de idade, se perdeu da mãe em um parque de diversões e nunca mais a encontrou. Notamos que a busca é frequente e, novamente, o endereço encontrado não o levava até sua verdadeira mãe. Abordado pela polícia, o garoto é informado a respeito do interesse de uma nova família adotiva.

Com dois núcleos narrativos estabelecidos, o roteirista Harry Gayden não inova radicalmente a estrutura de filmes de origem, mas consegue explorar bem os temas que movimentam a história. Há um desenvolvimento realmente especial no relacionamento de Billy com a nova família adotiva que define muito bem a progressão dramática do personagem.

À medida que os núcleos se convergem de maneira cômica no momento em que o mago acaba convocando Batson como última esperança para assumir os seus poderes, acompanhamos a constante transformação e descoberta do garoto em sua “melhor versão possível”. Ao proferir “Shazam”, as perspectivas mudam e Zachary Levi dá vida a um protagonista heroico e musculoso transformado pelos poderes do Mago. A dinâmica entre Angel e Levi tinha que estar extremamente bem alinhada para que as alternâncias entre Batson/Shazam estivessem perfeitas. E, com méritos, é exatamente o que acontece aqui.

Ainda sobre o elenco, Jack Dylan Grazer entrega uma ótima e difícil atuação, bastante cômica, dando vida a Freddy Freeman, irmão de Batson na família adotiva. Freddy, que representa a figura do nerd franzino, também entra na divertida jornada de compreender e descobrir os poderes do Batson/Shazam com referências ao universo da DC Comics e a filmes dos anos 70 e 80.

Além de Freddy, a família que abriga o protagonista é integrada pelos parentes adotivos Victor e Rosa Vasquez (Cooper Andrews e Marta Milans, respectivamente), a dedicada Mary (Grace Fulton), o caladão Pedro (Jovan Armand), o pequeno gamer Eugene (Ian Chen) e a hiperativa Darla (Faithe Herman). Apesar da quantidade de integrantes, o filme consegue enaltecer a importância dessa família para a trama central. Billy, sempre em busca da mãe e de sua família de sangue, acaba encontrando na família adotiva carinho, amor, amizade e novas motivações.

O avanço da narrativa resgata a figura de Thaddeus Sivana como o vilão do filme: uma vez rejeitado pelo Mago e por sua família, ele viveu uma vida amarga em busca de vingança. Apesar da boa interpretação de Mark Strong, a construção de Sivana como vilão chega a ser problemática e óbvia demais.

Ainda sobre a questão da dignidade, o filme trabalha um conceito frequente de que a realidade não é, de maneira alguma, somente bem e mal ou preto e branco. Fugindo, então, deste maniqueísmo, e trazendo a figura acinzentada e jovial de Billy Batson como última opção ao Mago, que por muitos anos buscou um sucessor iluminado, ideal e digno, Shazam! nos lembra que, assim como Batson, também estamos em constante desenvolvimento, aprendendo, descobrindo e encontrando o nosso lugar de dignidade no mundo.

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