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O Insulto, filme de Ziada Doueiri, propõe um estudo das tensões sociais da sociedade libanesa na lógica de um filme de tribunal.

A experiência de assistir O Insulto, filme libanês indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, pode ser desafiadora por provocar o espectador à ficar descrente com a narrativa devido aos acontecimentos apelativos. Esse efeito parece ser uma das artimanhas do diretor Ziad Doueiri para deixar o espectador em conflito eterno ao longo da projeção, colocando- na posição de juiz e impedindo-o de escolher um lado no julgamento histórico, moral, ético e humano que o O Insulto se propõe a fazer a partir de acontecimentos triviais do dia-a-dia.

Dessas trivialidades, nos deparamos com o confronto entre Toni (Adel Karam), um cristão libanês, e Yasser (Kamel El Basha) um refugiado palestino que trabalha como uma espécie de mestre de obras. Tal confronto, originado por um desentendimento enquanto Yasser trabalhava na rua de Toni, acaba tomando proporções nacionais quando heranças históricas, culturais, políticas e de povos passam a permear o processo que o libanês abre contra o palestino.

Também roteirizado por Doueiri, o longa se assume como um bom drama de tribunal que se permite de convenções narrativas e um jogo de câmera arrojado para sustentar a crescente tensão presente na trama. O diretor é perspicaz na forma como transita com a câmera dentro do tribunal, transformando o ambiente não só em um verdadeiro palco para seus atores trabalharem, mas também em uma alegoria espacial de como pequenos problemas e situações do dia a dia podem ter muito mais a dizer sobre a sociedade. É do processo judicial desnecessário e iniciado por orgulho e raiva que as tensões sociais de um país que vive a muitos anos em guerra e conflitos escalam para níveis alarmantes.

Ainda, o roteiro do longa é afiado e preciso em conseguir construir as tensões sociais, contextualizando a sensação de não-pertencimento e xenofobia quanto aos palestinos na sociedade libanesa e não configurando um julgamento moral quanto ao que cada um dos envolvidos no embate judicial fez, exigindo que o espectador complete os acontecimentos com sua própria bagagem histórica, cultural e moral. Isso, talvez, possa ser um problema para quem não conheça a história do Líbano ou não esteja profundamente a par das tensões sociopolíticas existentes no Oriente Médio, mas não estraga ou prejudica consideravelmente a experiência de assistir a O Insulto.

Parte deste mérito é graças ao texto e a direção interessante de Doueiri, que conseguem usar do conflito entre os protagonistas como uma espécie de alegoria a situação política, social e cultural que o Líbano se encontra a anos, sem demonstrar perspectivas de mudanças. Também, o elenco dá mais fôlego a narrativa ao transformar os personagens unidimensionais e de personalidades muito demarcadas em pessoas críveis e com dualidades.

Adel Karam dá vida a um homem amargurado, agressivo e movido a raiva, contrapondo a integridade e tranquilidade de Kamel El Basha como Yasser. Rita Hayek dá vida a voz da razão de Toni, demonstrando uma amplitude dramática importante para garantir a funcionalidade de sua personagem como o que humaniza seu marido agressivo. A dupla de advogados, tanto de defesa quanto de ataque, interpretados por Diamand Bou Abboud e Camille Salameh transformam a sala de tribunal em um campo de batalha que passa a evocar emoções fortes e intensas, sempre capturadas pelo jogo de câmera arrojado de Doueiri.

 

Ao final, O Insulto consegue ser um ótimo estudo social de um país repleto de conflitos sociais e relações conturbadas que são apresentadas ao público por meio de alegorias e de um trabalho de direção interessante, sustentado por atuações coesas e por um ritmo crescente de tensão que prendem os olhos do espectador naquele embate judicial iniciado por uma trivialidade humana.

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